O bairro de Munhava, arredores da cidade da Beira, transformou-se, neste sábado (16), num campo de batalha. O que era para ser uma festa de encerramento da campanha eleitoral de Daviz Simango terminou em confronto entre os agentes da Forças de Intervenção Rápida (FIR) e os simpatizantes do Movimento Democrático de Moçambique (MDM). O tumulto eclodiu quando uma viatura do Estado com chapa de inscrição EAB-439MP, ostentando a bandeira da Frelimo e escoltada pela FIR, esbarrou um jovem que se encontrava entre a multidão. E o resultado foi: dezenas de feridos e uma adolescente desaparecida, além de danos materiais.
Era uma paisagem contagiante. Uma impressionante moldura humana fez-se, na tarde deste sábado (16), ao campo do bairro da Munhava para participar no encerramento da campanha eleitoral de Daviz Simango, candidato do Movimento Democrático de Moçambique à edil da Beira. Alguns cantavam e dançam, e outros conversam e riam. Gente que ia e vinha, andando pela principal rua daquela zona residencial, condicionava o trânsito de viaturas. Havia por alí pelo menos 10 mil pessoas, entre simpatizantes do MDM, vendedores e curiosos. Porém, o que parecia um momento de festa, terminou em tragédia.
Ouviu-se um estrondo. E, segundos depois, sucessivos estouro de bomba de gás lacrimogêneo. Uma nuvem de fumo tomou conta de tudo. A população fugiu em debandada. Não houve tempo para tapar as narinas, nem recolher os seus respectivos pertences. “Estou a pedir água”, gritou Rosário, de 27 anos de idade. O jovem, residente no bairro da Munhava, tinha desmaiado. Quando acordou, olhou para os lados e, lacrimejando, questionou: “O que nós fizemos para merecer isso?”. Levantou-se do canteiro da batata-doce onde estava deitado e juntou-se ao grupo de cerca de 100 pessoas que tentava se aproximar da viatura da FIR com pedras nas mãos.
A polícia anti-motim moçambicana foi dispersando, com bombas de gás lacrimogêneo, os populares. De repente, o campo da Munhava ficou quase vazio, dando a impressão de que as pessoas estavam intimidadas com a situação. Mas, na verdade, haviam se refugiado nos quintais das habitações ao redor. Minutos depois, centenas de jovens foram saindo dos becos, carregando nas mãos pedras, pneus e vasilhames contendo gasolina.
O primeiro alvo a ser atacado foi uma carrinha de caixa aberta que ostentava panfletos do partido Frelimo. O veículo foi incediado e os ocupantes, dentre eles três idosas trajadas com cores da Frelimo, foram espancadas. Só não aconteceu o pior porque valeu o bom senso de alguns indivíduos envolvidos no tumulto. De seguida, duas viaturas ligeiras foram vandalizadas e os proprietários agredidos. Os populares definiram como inimigo não só os agentes das Forças de Intervenção Rápidas, mas todos que ostentavam símbolos do partido no poder.
A fúria popular começou a ganhar porporções alarmantes e a FIR passou a atirar mais bombas, sobretudo para as residências e barracas ao longo da estrada, atingindo também pessoas que nada tinham a ver com a confusão, o que deixava os moradores com os nervos em franja e espíritos em ebulição. Maria, filha da dona de um dos estabelecimentos de venda de bebidas alcoólicas, contou que sete indivíduos desmaiaram no interior da barraca e um foi atingido no pé. “Perdemos dinheiro, copos e cadeiras. Quem vai pagar esse prejuízo?”, questionou enquanto segurava nas mãos uma bolsa perdida de uma vereadora.
Desolada, Amélia Fernando tinha os olhos inundados de lágrimas, mas as mesmas não foram causadas pela bomba de gás atirada pelas forças policiais, pelo contrário, ela viu o seu pequeno negócio ruir com o tumulto. Vendedeira há dois anos no mercado municipal Daviz Simango na Munhava, Amélia olhou para o comício como uma oportunidade para ganhar algum dinheiro a mais, porém, este sábado revelou-se um dia de azar. “Tinha uma bacia enorme de espetadas de galinha e tudo foi para o chão”, contou.
A acção da FIR parecia não amendrontar a turba. A revolta intensificava-se a cada investida da polícia, obrigando esta a recuar. Com a estrada praticamente controlada pelos populares, centenas de pessoas caminharam em direcção à sede do Comité da cidade do partido Frelimo, que fica a menos de 500 metros do campo da Munhava, local onde se realizaria o comício popular de Daviz Simango. Arremessaram pedras contra viaturas e simpatizantes da Frelimo, e gritavam que aquela força política devia mudar o endereço daquela sede.
O contigente da FIR foi reforçado, tendo dispersado os revoltosos das imediações do Comité da cidade do partido Frelimo. A população uso enormes contentores de lixo para fazer barricadas e queimou pneus ao longo da rua, impossibilitando o trânsito de veículos naquela rodovia. Uma metade da estrada passou a ser controlada pelos agentes da polícia e a outra pelos populares.
Como tudo começou
O Movimento Democrático de Moçambique reservou o décimo segundo dia de campanha eleitoral para fazer a festa do encerramento. O campo da Munhava, no município da Beira, foi o local escolhido para o Shomício. Eram por volta das 16h00, o espectáculo ainda estava a começar, artistas encontravam-se no palco a animar os milhares de simpatizantes e membros do MDM, e outros ainda se dirigiam ao local, quando agentes das Forças de Intervenção Rápida, em duas viaturas, chegaram e quiseram abrir caminho por entre a multidão.
A FIR fazia escolta a uma viatura do Estado com chapa de inscrição EAB-439MP que ostentava panfletos e bandeira do partido Frelimo. Em dado momento, segundo contaram alguns populares, o automóvel teria esbarrado num jovem e na tentativa de tirar alguma satisfação foi colocado com violência no veículo da polícia como se de um criminoso se tratasse. No entanto, dezenas de pessoas aproximaram-se da viatura e exigiam a sua libertação.
Para dispersar as pessoas que se iam aglomerando, os agentes da FIR disparam alguns tiros para o ar, facto que provocou alguma agitação nos populares, que reagiram arremessando pedras, tendo degenerado para um tumulto sem precedentes. Daviz Simango, o candidato à edil da Beira, já estava no local e preparava-se para subir ao palco.
Por Héder Xavier, A Verdade
Por Héder Xavier, A Verdade
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