Wednesday, 6 November 2013

A opinião do Professor Elísio Macamo

„Informação“

Há algumas coisas que considero desconcertantes. Não sei se é problema de formação, deformação ou desinformação. Muitas vezes é muito difícil decifrar noticiário que vem do País. Há dias, por exemplo, estava a ler o boletim da AIM e deparei com a notícia que se segue:
“NAMPULA: POLÍCIA NEUTRALIZA HOMENS DA RENAMO
A Polícia da República (PRM), na cidade de Nampula, procedeu ontem à ...apresentação pública de oito homens que confessaram que são desmobilizados da Renamo e que na passada terça-feira teriam sido dispersos pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS) na localidade de Napome, no distrito de Nampula-Rapale, região para onde se tinham refugiado desde o dia 22 do mês em curso. Trata-se de Gasten Vasco (natural de Caia), Valentim António (Namapa), Manuel Mandacazi (Murrupula), Horácio Raúl (Monapo), António Joaquim (Memba), Xavier Arruna (Memba), Celestino Alexandre (Nacaroa) e Jacino Cigano (Memba). Segundo Gasten Vasco, ele e outros dezassete colegas que tinham a responsabilidade de guarnecer a residência do líder da Renamo, Afonso Dhlakama, na Rua das Flores, em Nampula, refugiaram-se na região de Napome no passado dia 22 de Outubro, por orientação do major Magaia, que se encontra em parte incerta, para supostamente fugir de um iminente ataque à casa do líder na data acima mencionada. “Nós saímos de noite e a pé, mas os nossos bens (fardamento, comida e armas de fogo do tipo AK-47) foram transportados numa viatura” –explicou Vasco quando questionado sobre como tinham conseguido fazer mais de 50 quilómetros sem dar nas vistas. Valentim António, que igualmente falou ao “Noticias”, contou, por seu turno, que se juntou aos outros correligionários igualmente no dia 22 de Outubro, mobilizado pelo membro da Assembleia Provincial Pinoca Luxo, que igualmente se encontra detido, para participar de uma reunião (cuja agenda não referiu) na zona de Natikire, arredores da cidade capital, mas que incompreensivelmente foram levados para Napome. Chegados à localidade de Napome, segundo confirmam, o grupo enganou a comunidade local, fazendo-se passar por garimpeiros, encobrindo assim as suas verdadeiras intenções. Para além dos oito cidadãos confessos, a PRM encontrou e apreendeu na serra onde se encontrava acampado o grupo fardamento utilizado pelos homens armados da Renamo, constituído por 23 pares de calças, 10 pares de botas, 26 camisas, 11 cinturões, 3 capas de chuva, 6 boinas e amuletos.”
São várias coisas que não percebo. Primeiro, não percebo qual é o crime destas pessoas. Fugir da “iminência dum ataque” é crime em Moçambique? Fugir do ataque de alguém que vem sem mandato de captura é crime? Não percebo. Também não percebo porque suspeitos devem ser públicamente apresentados. Donde vem esta ideia de direito? Não é a primeira vez que acontece. A nossa Polícia tem o mau hábito de desrespeitar os direitos dos cidadãos. Mesmo a indicação dos nomes das pessoas me parece problemática. Porquê? E para quê? Outra coisa que não percebo é que o jornalista escreva que esses homens enganaram a comunidade local fazendo-se passar por garimpeiros. Era para dizerem o quê? Que são homens armados da Renamo a fugir do exército? O ridículo de tudo isto está, contudo, na parte final quando o jornalista faz a enumeração do material apreendido: calças, botas, camisas, cinturões, capas de chuva, boinas e amuletos, portanto o tipo de coisas que um grupo destes devia ter consigo.
Não estou a ser mesquinho. Estou preocupado com a noção de direito e legalidade que temos no País. A recente discussão sobre a expulsão arbitrária dum cidadão português mostrou-me que este problema não é só do cidadão comum, mas também de quem foi formado para nos ajudar a observar estas coisas. Moçambique está a atravessar um momento muito difícil da sua história ainda jovem de democratização. Colocar o direito acima de tudo neste momento é o mínimo que se pode esperar não só do Governo como também de todos os cidadãos. A forma como a campanha em defesa da lei e da ordem ameaçada pela irresponsabilidade política da Renamo está a ser conduzida é preocupante. A sociedade e seu Governo não podem reagir a isto lesando também a legalidade, espezinhando os direitos das pessoas e humilhando outros moçambicanos. Numa altura em que muita gente tem reticências em relação à qualidade da governação parece-me importante que o governo prime pelo respeito a ela. Também como forma de ajudar a Renamo a vir a si e encontrar uma saída menos violenta para a situação em que ela meteu o País. Tenho em mim que os apelos à paz teriam mais força ainda se eles fossem mais claros em relação ao tipo de paz que queremos e, acima de tudo, que incluíssem a rejeição inequívoca de todos os actos que atentem contra o direito, pois o direito e, sobretudo, o Estado de Direito, é o que deve restar quando a poeira assentar.
Reportagens deste género, incluíndo o espírito iliberal que as anima, não ajudam em nada.

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