Maputo (Canalmoz) – É de extrema urgência que recusemos que a propaganda nos tolde o discernimento e nos arrebate para o mórbido estado de ausência de capacidade craniana. É que, deixando de lado o ensaio de hipocrisia, é preciso dizer que, caso o espectro de guerra civil que se vive no país se generalize, o mais beneficiado com a situação será o cidadão Armando Guebuza. Isso não desculpabiliza a própria Renamo, pois não vejo argumento algum que justifique tirar a vida ao outro homem, por mais justa que seja a nossa causa!
Mas, é muito verdade que com uma guerra a rebentar com tudo e todos não teremos eleições, e Guebuza livra-se de ter de submeter o partido Frelimo e o seu fraco candidato às eleições em que os cidadãos vão com o seu voto, não julgar Filipe Nyusi, mas sim Guebuza e a Frelimo.
Mantendo constante o seu legado de caos durante estes 10 anos, é pouco provável que a esmagadora maioria dos moçambicanos apreciem esta Frelimo e os seus dirigentes. Ou seja: o que vai suceder em Outubro, caso as eleições se realizem, não será o povo a votar nos partidos da oposição apenas. O povo vai, sim, é vingar-se destes dez anos de humilhação, de pobreza e de terceirização. Mesmo não estando a concorrer, o povo vai querer votar contra Guebuza e protestar contra qualquer entidade a ele associada, no caso Nyusi e a Frelimo. Esta asserção não é fruto de adivinha nem metafísica. As eleições autárquicas já foram uma fiel antecâmera do que poderá a vir acontecer em Outubro.
Nas autárquicas, não é novidade que a Frelimo e os seus candidatos perderam eleições em Maputo, na Matola, em Mocuba, na Ilha de Moçambique, em Chimoio e no Dondo. Toda a máquina directiva da Frelimo sabe disso.
Depois do valente susto que a Frelimo teve em Novembro do ano passado, a pior coisa que Guebuza quer ouvir são eleições transparentes, livres e justas. Não foi por acaso que em todas as eleições repetidas foram encontradas mulas de votos (senhoras que são usadas para transportar votos e introduzi-los fraudulentamente nas urnas), em equiparada situação das mulheres que transportam drogas em órgãos genitais. A Frelimo está consciente de que não governa e por isso mesmo ninguém morre de amores por ela. Eleições livres e transparentes é tudo o que a Frelimo menos quer.
Portanto, a par da fraude, a guerra também está equacionada como uma saída para este imbróglio em que Guebuza meteu o seu partido. Uma guerra dava muito jeito para resolver questionamentos internos e externos. Declara-se o Estado de Sítio, e Gueus continuará a reinar, alegando falta de condições de segurança.
Por exemplo, é intelectualmente menos oneroso e financeiramente mais vantajoso falar de “ataques da Renamo” e parar-se por aí. Mas qualquer indivíduo medianamente honesto deverá recordar-se que tudo isto começa com uma ordem dada pelo comandante-em-chefe das Forças Armadas de Moçambique, no caso Armando Guebuza, para atacar a sede legalmente existente da Renamo em Muxúnguè, no dia 3 de Abril de 2013. Aliás, isto acontece depois de, em Outubro de 2012, o mesmo comandante-em-chefe das Forças Armadas ter dado ordens para a FIR atacar a sede da Renamo em Nampula. Foi aqui onde tudo começou.
A Renamo tem as armas e os seus homens há mais de 20 anos a conviver com a população e isso nunca constituiu perigo para ninguém. O alarme da perigosidade dos homens da Renamo foi accionado a partir de Maputo. Alguém achou que, de um dia para o outro, os homens da Renamo deviam ser considerados perigosos para a população, estando esse alguém a comer do bom e do melhor na “Julius Nyerere”, em Maputo.
É preciso notar que quem está a mover esta guerra não tem nenhum familiar no campo de batalha. Esta guerra está a ser travada por pobres contra pobres, mas dirigida por um cidadão altamente rico. Quem está a dirigir esta guerra tem filhos e familiares directos que passam finais de semana em Paris e Nova Iorque. Ou seja: está-se nas tintas para quem morre ou para quem vai morrer. “Os pobres que se matem, o reino e a glória que venham daí” – é esta a reprodução mais aproximada da meditação que é feita.
Esta guerra tem também um cunho perigoso inspirado no tribalismo. São jovens do Sul que estão a ser mobilizados para assassinarem jovens do Centro e Norte. É uma pura hipocrisia ignorar esta realidade. O que se pretende aqui é colocar-nos uns contra os outros. Os de lá passarão a ter os de cá como inimigos e vice-versa e fica generalizado o ódio. Não foi por acaso que quando as escaramuças estavam em Homoíne na província de Inhambane, sul de Moçambique, o expediente da necessidade de cessar fogo começou a ser tramitado com alguma urgência. Os apelos a “paz” multiplicaram-se. Curiosamente quando a ameaça deixou de ser para a zona sul, já não há necessidade de urgência do cessar fogo. Porquê? Provavelmente porque os do centro podem morrer, desde que no sul nada aconteça. Os jovens filhos de pobres estão a acabar nas matas para o rico ficar mais rico. Não há filho de nenhum presidente, ministro, vice-ministro, director nacional ou seu sobrinho que está nas matas. São todos “filhos de gente que não faz falta quando morrer”. É esse o raciocínio deles.
Aos pais pobres é-lhes até tirado o direito de enterrar os seus próprios filhos com alguma dignidade porque os corpos apodrecem nas matas. A eles isso pouco interessa.
Na manhã desta quinta-feira, ficámos a saber que, afinal, uma brigada das FADM foi desarmar homens da Renamo, na sua base em Mocuba. Ora, não está ainda em debate, no Centro de Conferências “Joaquim Chissano”, o desarmamento da Renamo? Já houve consenso sobre o desarmamento compulsivo da Renamo? Não. Mas, como nestes dias não havia ataques, alguém encontrou uma boa saída para haver sangue. Desarmar a Renamo à força. Tudo isto só cabe num Manual de Instrução avançada para “matar pobres e continuar no poder”. Ainda não foi lançado. Está na edição. Sai brevemente! E o autor, com vocação natural para a destruição, já é por demais conhecido!
(Matias Guente, Canalmoz)
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