A PAZ requer rega e carinho e não manigâncias
Beira (Canalmoz) – Após uma longa jornada de procura de consensos e entendimentos sobre toda uma problemática que se vem arrastando, a muitos parece que finalmente as posições entre os interlocutores se aproximam.
Quando se pensava que era impossível encontrar o líder da Renamo e proceder-se ao seu recenseamento eleitoral, eis que a vontade humana mais uma vez operou um verdadeiro milagre. Onde antes caíam bombas e obuses, deixou oportunidade a paz para reinar. De uma maneira singela e bonita, integrantes de forças beligerantes cumprimentaram-se, trocaram conversas e cigarros. Gestos simples, mas de grande valor e ensinamento para todos os nossos políticos.
Nas matas de Gorongosa, moçambicanos simples e humildes deram uma grande lição aos nossos políticos.
Se hoje impera a dúvida quanto ao desfecho negocial encetado pelo governo e a Renamo, isso deve ser atribuído aos políticos que não jogam com boa-fé. Isso deve ser atribuído a todo um conjunto de agendas díspares e pouco interessadas em incluir os legítimos interesses dos moçambicanos na mesa. Isso deve-se a complexos egocêntricos e de outra índole. Isso deve-se a uma posição hostil à tolerância, à convivência pacífica, à inclusão, à justiça social, política e económica.
Quando arrolados os factos e feito um diagnóstico da doentia situação nacional, nada mais se conclui do que um conjunto de interesses individuais e privados subjugando o que é manifestamente a vontade e interesse da maioria.
Parece que o número de bens acumulados, de empresas privadas detidas, de acções em importantes corporações nacionais e estrangeiras, de contas bancárias chorudas de propriedade individual, as regalias asseguradas à luz de legislação despudorada inquietam mentes e tornam os políticos em “bichos sem eira nem beira”. De outro modo, é difícil, senão impossível, compreender as razões de tanta teimosia por parte de quem muito bem sabe que andou jogando desonestamente todo este tempo.
Académicos, entidades religiosas, cidadãos de todos os extractos sociais, livres da disciplina partidária, já vieram a público afirmar que querem a paz e que o jogo político nacional estava sendo feito com base em “planos inclinados”. O que alguns querem é efectivamente continuar a subjugar todo um povo em nome dos seus interesses particulares. Os “empresários” e “empresárias de sucesso” que existem não são fruto do trabalho, abnegação e inteligência, mas fruto do nepotismo e do tráfico de influências.
Impedir que a paz triunfe e que o país caminhe rumo ao progresso só porque isso iria arruinar a acumulação escandalosa de riqueza é o cúmulo da ausência de sentido patriótico.
Os propagandistas do regime e os “pendurados” do outro lado, os que esperam adquirir algumas benesses ou saborear os restos dos banquetes, os que esperam receber algum cargo como contrapartida de todo o seu “escovismo”, anseiam e rezam para que as hostilidades se prolonguem, para continuarem a vender o seu “peixe podre”.
Não é paradoxal que se cante a paz e se faça a guerra? Mas é exactamente isso que alguns pretendem impor aos moçambicanos. Declaram que são patriotas e que agem em defesa da pátria, mas, ao fim do dia, estão maquinando manobras sem fim para se manterem no poder. Rodeiam-se de batalhões de franco-atiradores, de comunicadores sociais mercenários, de ministros “seguidistas” e dum partido político amarfanhado e obediente, tudo para que a sua tese seja cumprida como se de imperativo nacional se tratasse.
Estamos vivendo uma crise perfeitamente evitável, fruto de políticos obtusos e incongruentes.
As desconfianças prevalecentes são indicativo de que décadas de paz precária não foram suficientes para cultivar um grau de tolerância e reconciliação que aproximem moçambicanos e os unam numa pátria compartilhada e participada.
Os cavaleiros do “tudo vale” para que o poder não fuja das suas mãos não querem definitivamente a paz, se tomarmos em conta que investem no rearmamento e fortificação de forças policiais que só a eles obedecem.
Como realizar eleições se uma das partes não pode realizar livremente a sua campanha eleitoral? Como pensar-se em eleições livres, justas e transparentes quando uma parte da oposição é flagelada um pouco por todo o país? Dificultando a recolha de assinaturas de opositores, instrumentalizando órgãos do Estado para que atrasem e inviabilizem candidaturas de uns, é caminho para a democracia ou para a consumação da fraude?
Porquê tanto medo do jogo limpo? Porquê tanta patifaria institucional e refúgio em tácticas sujas?
Não admira que haja tanta desconfiança. Querem apresentar ao mundo uma imagem de pureza e de responsabilidade digna de governantes compenetrados dos interesses dos cidadãos, mas na verdade estão fabricando ou cozinhando as condições para mais uma fraude.
Aquela ingenuidade política característica dos primeiros anos pós-AGP dissipou-se que nem cacimba com o andar dos anos.
Confrontados com uma oposição ampla e com experiência, já conhecedora de alguns dos condimentos das falcatruas eleitorais, há uma legítima preocupação da parte de quem se habituou a “vitórias retumbantes”. Multiplicam-se as reuniões e os debates internos, exploram-se os diferentes caminhos, mas não surgem sinais de sossego nalguns círculos políticos.
O caminho a seguir é o da implementação do AGP em todo o seu articulado.
Cimentar a separação dos poderes democráticos, profissionalizar as instituições de soberania, trazer confiança e credibilidade aos órgãos de administração da justiça e da administração eleitoral, pôr fim às manobras de carácter militar e policial visando a eliminação física dos opositores, enfim reconhecer que a PAZ é a única alternativa válida, estes são os caminhos a seguir.
Esqueçamo-nos dos legalismos de pouca consistência e validade.
A CRM [Constituição da República de Moçambique] foi feita pelos moçambicanos e estes entendem que o documento é orientador e sagrado. Onde houver necessidades de adendas ou emendas nada juridicamente o impede.
É tempo de tirarmos de cena os proponentes da guerra e da fraude, pois uns e outros não querem a paz nem a concórdia entre os moçambicanos.
(Noé Nhantumbo, Canalmoz)
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