Monday, 30 June 2014

Pároco de Muxungué: “O maior perigo é que a violência fique como instituição”



“A Renamo não ataca civis. A maioria das vítimas são os militares ou os homens da FIR. Quando há feridos ou vítimas civis é porque há militares ou elementos das FIR nos carros da coluna, ou porque há suspeitas de que os há. Quando é a altura de sair a coluna, os militares ou homens da FIR, nalguns casos, usam os carros  da coluna para eles viajarem – supostamente para proteger os que viajam, mas não protegem. No meu sentimento, parece que os civis são usados como escudos”, afirma o Padre José Luís, missionário comboniano e, desde há seis anos, responsável pela Paróquia dos Mártires do Uganda, em Muxungué.
Em entrevista ao Club Of Mozambique o Padre José Luís explica esta sua convicção: “Aconteceu com um outro missionário comboniano. Quando as pessoas não os querem transportar, os militares exigem.”Tu não podes subir no meu carro”, terá dito o outro padre comboniano. Resposta dos militares encarregues da escolta: ”Então você não pode passar”.
Depois, o missionário terá acabado por seguir na parte de trás da coluna e nada lhe sucedeu. O episódio sucedeu em finais do ano passado e, depois disso, já os motoristas da EN1 fizeram greve para não aceitar militares no carro.
“Porque eles (os militares)viajam em carros blindados e, às vezes, no carro da policia mas outras vezes viajam usando carros das pessoas ou dos motoristas”, aponta o Padre José Luís. “Por outro lado, se não se usasse a coluna haveria bandidos oportunistas a querer tirar proveito da situação”.
“Uma jovem hoje que viajou na coluna hoje e me pediu ajuda para carregar a bagagem, disse-me que estava a dormir mas que lhe disseram que tinha havido um ataque onde morreram duas pessoas. Eu, depois, fui à bomba de gasolina e confirmaram-me que sim, que morreram hoje duas pessoas. Eu já fiz esta viagem de autocarro e são 110 quilómetros em que as pessoas vão com tanto medo, é um silêncio absoluto e, quando passam Muxungué, começam todos a falar e a telefonar às famílias, a dizer que já passaram e que estão bem”.
“Só há vítimas ou feridos civis em duas situações: ou os carros iam muito perto dos blindados e foram atingidos na confusão dos tiros; ou porque suspeitavam que aí estava algum militar ou polícia.Eles (os homens armados da Renamo) não atacam os civis directamente. Eles vão directamente contra os carros do Exército”.
Além da população da vila de Muxungué, o Padre José Luís e o outro missionário comboniano saiem aos sábados e domingos para fazer atendimento a populações que vivem dispersas numa zona situada a 45 km e noutra a, sensivelmente, 70 km.
“Quando a população vê que há muito movimento, comunicam que há muito movimento e que é melhor não irmos”, relata. ”As entradas para essa zona, é toda a zona onde o exército entra, à procura dos homens armados da Renamo. Essas entradas, quando tem movimento, não convém entrar, porque vai haver troca de tiros e nunca se sabe quem vai apanhar uma bala”.
Ou seja, quando a população ouve os carros dos militares ou da polícia a entrar nessas zonas, avisa os Padres e avisa também professores ou enfermeiros das suas localidades de que “há movimento” e as próprias populações fogem para o mato, regressando depois.
Ultimamente “os ataques têm sido mais frequentes”, refere o missionário, apesar de que “ a vida de Muxungué, aparentemente, é uma vida normal”, pois os ataques são a alguns quilómetros de distância. “Eles ( Renamo) não atacam perto das povoações, onde eles atacam não há povoações”.
Contudo, nota que “o comércio baixou muito por causa da agricultura, o ananás... O medo dos comerciantes que compram e vendem, porque não podem ir onde estão as plantações. O ananás está na zona onde estão os homens da Renamo e os comerciantes têm medo de ir procurar ananás”. Isto acontece porque, segundo o nosso entrevistado, as pessoas “têm medo do exército, de ser acusados de ser homens armados ou de ser informadores dos homens armados”. Segundo relata, “acontece serem presas algumas pessoas durante uma semana ou duas e, depois, tem de vir a autoridade local dizer que este aqui não é um homem armado mas é um chefe de familia”.
O sentimento das populações com quem contacta o Padre José Luís é. “primeiro. de preocupação e, depois, de frustração".
“Já estão cansados. A Renamo culpa a Frelimo e a Frelimo culpa a Renamo. Mas as pessoas aqui não discutem, eles não discutem, apesar das sua diferenças políticas, a população está bem, vivem bem ao lado uns dos outros".
E, ressalva, “muito importante é que não justificam a violência, ninguém justifica a violência”.
E quanto a “partir o país”, não conhece ninguém que concorde. “Pensam o mesmo que todos de tudo. Não estão de acordo. Ninguém está de acordo. Mas como, partir o país, se somos uma familia? É o que as pessoas me dizem.”
O Padre fala também do que lhe contam porque sente que é seu dever. “Aqui são só pobres, aqui é gente que não é escutada e, se os repórteres vão lá falar, eles têm medo de falar”, afirma o Padre Comboniano.
O Padre José Luiz Gonzalez está há seis anos em Muxungué. Chegou do México. E preocupa-se por sentir que é urgente fazer qualquer coisa para parar esta situação.
“Fico com a boca amarga e penso se não será esse um grande pecado, se não estamos a fazer nada. O maior perigo é se a mentira parece verdade e a violência parece normal. O maior perigo é que a violência fique, como instituição, que a passemos a aceitar como algo que é parte das nossas vidas. Quase que já nos habituámos, apenas despertamos quando há vítimas civis”.
E como é o dia a dia “aparentemente normal”? Bem, ouvem-se tiros, ou “bombas”, ao longe.
“De manha, de tarde. Vai e volta a coluna vai e volta. Às vezes ouve-se. De manhã. Às vezes à atrde.São longe os tiros. Às vezes ouvem-se só os tiros. Os ataques na estrada são sempre em lugares onde não há populações. Ouvem-se morteiros , nós aqui chamamos bombas.São do exercito. Não é sempre. Uma ou duas vezes por semana. Às vezes duas, três vezes. Esta semana, na segunda feira, houve bombardeamento. Lançam bombas para o mato. Basta escutar um barulho que venha do mato e disparam. Disparam as armas e, de entre as armas, às vezes têm os morteiros. Uma vez, escutei, contei cinco, seis bombas, aqui, perto da nossa casa. Foi a semana passada, começou às 5h30m e durou até às 11h da manhã, e eram muitos morteiros, bombas.”
Perguntámos sobre a presença de militares estrangeiros. “Ah a gente aqui fala muito disso. Falam que há, mas não têm a certeza. Porque, se são moçambicanos, da Renamo ou da Frelimo, o sentimento é que eles respeitam. Mas, se são militares estrangeiros, não respeitam a população. Os moçambicanos são filhos do povo. Mas se vêm zimbabweanos eles não vão respeitar a população, porque não vão sentir nada.“
Mas vai dizendo que só ouve as preocupações e especulações da população a esse respeito. “Eles falam, mas também não sabem. Em Muxungué, nunca vi e penso que ninguém viu. Aqui não há. Em Muxungué, posso afirmar que não há militares nem polícias estrangeiros,os que estão são moçambicanos”.
Vivem em toda esta zona de Muxungué entre 15 a 20 mil habitantes, embora as autoridades já tenham referido ao padre José Luís um número de 70 mil.




Club of Mozambique

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