A ASSEMBLEIA da República aprovou ontem, na generalidade, por consenso e aclamação o projecto de Revisão do Código Penal, submetido ao órgão legislativo pela sua Comissão dos Assuntos Sociais, Direitos Humanos e Legalidade.
O documento, cuja iniciativa resulta da simbiose das propostas da bancada parlamentar da Renamo e do Governo, tem por objectivo ajustar este instrumento legal à realidade política, social e económica do país, apesar das alterações de que foi sendo objecto, ao longo dos mais de cento e vinte anos, algumas ainda durante o período colonial, outras já depois da Independência Nacional.
Composto por 558 artigos, o documento propõe-se a responder à evolução dos comportamentos criminais, como resultado de vários factores, mormente o aumento da população, o desenvolvimento tecnológico, dos meios de comunicação, a crescente liberdade de movimentação e circulação de pessoas e bens, os conflitos armados, a criminalidade vem ganhando forma e notoriedade, afectando a ordem e tranquilidade públicas, a segurança e o bem-estar da população e de toda a sociedade moçambicana.
Falando em plenário, o presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade da AR, Teodoro Waty, disse que na parte especial do novo Código Penal destaque vai para os crimes contra as pessoas, preponderando os crimes contra a vida, sendo a sua expressão máxima o homicídio, nas suas diversas formas.
Em equiparação, para efeitos de punibilidade, ao lado dos homicídios, consagram-se os crimes de posse, transporte e tráfico de órgãos humanos.
Estabelecem-se, como inovação, os crimes hediondos, como aqueles que são praticados com extrema violência e crueldade, causam profunda repugnância e aversão à sociedade, punidos com a pena máxima de quarenta anos, sem possibilidade de aplicação da liberdade condicional, o indulto, a amnistia e o perdão.
Reelaboraram-se os crimes contra a vida intra-uterina. Ao lado do aborto punível, abriu-se a possibilidade legal de realização segura do aborto quando verificados certos condicionalismos a determinar pelos profissionais da saúde, tendo em conta o risco real da vida da gestante ou a impossibilidade real da gravidez.
Nos crimes contra a integridade física, destaca-se, como inovação, a introdução dos crimes de maus-tratos e de sobrecarga de menores, pessoa idosa ou de incapazes.
Nos crimes contra a liberdade das pessoas, o de cativeiro dá lugar ao tipo legal de escravidão. Introduzem-se, como inovação, os crimes de tráfico de pessoas e o de rapto. “Salienta-se que o crime de rapto, seguido de morte da vítima, passa a ser da categoria de crime hediondo, punido com a pena máxima de 40 anos”, frisou o deputado Teodoro Waty.
No plano dos crimes sexuais, protegem-se as vítimas especialmente indefesas, como as crianças e os adolescentes, reforçando-se a protecção destes e procedendo-se à transformação dos crimes sexuais, até então concebidos como crimes contra a honestidade (fundados numa lógica de protecção da moral e ética em sociedade), em crimes contra a liberdade sexual.
Alargou-se a tutela penal da liberdade sexual equiparando as ofensas sexuais idênticas (formas de penetração sexual) que até então eram tratadas diversamente.
No Projecto criam-se novas tipologias de crime, tal como o crime de actos sexuais com menores (no caso, menores de 12 anos) e o de assédio sexual.
Agrava-se a penalidade nos casos de transmissão de doenças infecto-contagiosas, como deve ser considerado o HIV/SIDA e atribuiu natureza pública aos crimes sexuais cometidos contra pessoas que vivam em estado de pobreza.
“Importa destacar que o crime de estupro foi absorvido, quanto aos seus elementos fundamentais, pelo crime de violação, visando dar protecção igual a menores de 12 anos que sejam vítimas de violação sem sobrevalorizar a virgindade”, afirmou o Presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais da AR para depois frisar que “foi assim que a Comissão, na violação de menor de 12 anos, foi mais arrojada qualificando este crime como hediondo, sempre esperando que o Plenário nos acompanhe no raciocínio”.
Repristina-se o crime de adultério a que passa a ser aplicável a pena de multa, eliminando-se a pena de privação da liberdade e abrindo não punibilidade das pessoas que mantenham relações poligâmicas.
Nos crimes contra a honra, consagra-se como inovação o crime de discriminação, visando combater o preconceito contra a raça, sexo, religião, idade, condição física e social, bem como as restrições ou recusa de acesso aos estabelecimentos ou locais de utilidade pública.
Os actuais crimes contra a propriedade, por razões conceptuais, dão lugar aos crimes contra o património no geral, sendo de realçar a introdução do crime de venda da Terra, visando manter-se intacta a propriedade do Estado sobre a Terra.
Assim, nenhum cidadão, quer nacional, quer estrangeiro, residente ou não em Moçambique pode alienar, hipotecar ou penhorar a Terra, sem embargo das transmissões de direito de uso e aproveitamento da Terra relativas aos prédios urbanos, rústicos e servidões de interesse público, nos precisos termos permitidos por lei.
No Código é introduzido o crime de burla relativo a investimento financeiro, a usura, a agiotagem, a violação dos direitos não patrimoniais e a administração danosa.
Igualmente, encontrarão no novo Código os crimes informáticos e os relativos aos meios de pagamento e os crimes ambientais onde a inovação abrange os crimes de exploração ilegal de recursos florestais, disseminação de enfermidades, poluição, abate de espécies proibidas, entre outros.
Nos crimes contra o Estado, introduz-se o de mercenarismo, de terrorismo e de ultraje contra os símbolos nacionais. Ao lado da vadiagem, consagram-se os crimes de embriaguez, mendicidade com utilização de menores.
No Projecto encontrarão os crimes de açambarcamento, especulação, contrabando e delock out.
Alarga-se o âmbito dos crimes de corrupção, passando não só a abranger o sector público, como também o privado, bem como se alarga o seu conteúdo.
DESPENALIZAR O ADULTÉRIO
ANTES da adopção deste documento, os deputados da Assembleia da República realizaram um debate no qual para além de terem chegado a consenso em torno da pertinência e oportunidade de adoptar o documento, sugeriram a alteração de algumas matérias com destaque para a despenalização do adultério e do abordo.
A propósito desta questão, o presidente da comissão proponente, Teodoro Waty afirmou que a intenção do seu grupo de trabalho era de garantir a estabilidade da família, que é a célula base da sociedade, bem como evitar a prática de crimes passionais.
“Assim, no projecto prevê-se a punição não só do adúltero, mas também do co-réu adúltero (destruidor ou destruidora de lares). Não conseguimos demover esta casa”, sublinhou o parlamentar da Frelimo.
No que tange à questão da vadiagem, outra questão inserida na proposta do novo Código Penal que foi alvo de alguma polémica nos debates do plenário, Teodoro Waty, disse, nas considerações finais que encerraram os debates do plenário em torno deste documento, que o proponente vai procurar satisfazer a vontade manifestada pelos parlamentares, que é no sentido de descriminar esta acção. Porém, ressalvou o facto de que a obrigação constitucional do Estado é de criar condições para que o cidadão tenha direito a trabalho, coisa diversa de emprego, contrariando assim posições manifestadas pela oposição segundo a qual existe vadiagem no país porque o Estado não consegue dar emprego a todos.
“Tal como na vadiagem, a Comissão acolhe, favoravelmente, o debate na generalidade, eliminando-se as disposições a seu respeito por faltarem fundamentos ético-sociais para a sua manutenção. Trata-se, registe-se, de uma contra-orientação aos esforços de extirpar este mal”, disse a fonte.
De modo a tranquilizar alguns deputados que “não viam com bons olhos” a criminalização da prostituição, Teodoro Waty disse, a propósito, que a prostituição que se quer punir é aquela que é exercida fazendo estremecer os alicerces da moral pública e que atenta os esforços dos contribuintes com milhões de dólares orçados para a saúde pública.
“Parece haver uma dose de incongruência, de investir milhões de dólares para prevenir a propagação de doenças infecto contagiosas e ter-se vergonha de punir quem as propaga, quando é possível prevenir”, lamentou o chefe do grupo proponente.
No que concerne à pornografia, outro tema de destaque nos debates do novo Código penal, Waty afirmou que se interrogou sobre o facto de se ter defendido a não penalização da prostituição, elemento que, no seu dizer, é a base da pornografia. “Afinal o que torna vil a pornografia se os actos que nele tratam não ofendem o legislador?”, questionou, reagindo, particularmente, às intervenções de alguns parlamentares da oposição para depois apelar para a necessidade “do legislador ter de ser lógico”.
Waty também pediu alguma coerência no que se refere à questão de embriaguez. Segundo disse, o projecto em causa procura punir aquele que se apresentar, em lugar público, com indícios de embriaguez, romper os freios morais, pondo em perigo a segurança própria ou alheia em virtude de ingestão ou consumo de bebidas alcoólicas ou outras substâncias.
“Vossas excelências dizem para não se criminalizar a embriaguez por ser “importante um estudo profundo das causas, o envolvimento da família e a criação de condições apropriadas para a ocupação dos jovens, tais como emprego e lugares de diversão”. Já se vê que esta casa (AR) acha que a causa é a falta de emprego, a falta de criação de condições para a ocupação dos jovens e o facto de o álcool ser legal”, afirmou o deputado Waty.
Com vista a desmistificar esta posição, o presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais convidou os seus pares a visitarem, de 20 de Dezembro a 2 de Janeiro, a esquadra mais próxima para ver quantos acidentes houve, quantas mortes e quantos danos a infra-estruturas públicas e privadas são registados. Também convidou os deputados a visitarem os doentes internados nos hospitais como consequência de embriaguez.
“A embriaguez, caros colegas, é uma forma de destruição lenta da sociedade. O facto de ser uma destruição doce, não deixa de ser perniciosa. O álcool é uma droga”, defendeu.
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