A caça às bruxas, promovida pela Procuradoria-Geral da República, não passa – na verdade – de um espectáculo de cinismo encenado para ocultar os males que flagelam a nação do combate à pobreza absoluta e do crescimento galopante das fortunas pessoais dos donos do país. É, na verdade, uma discussão errada para esconder os podres de um país reduzido a paraíso de ladrões de fundos do erário e de linchadores da honestidade.
O estado deplorável das escolas do país – local onde os moçambicanos escolheram os edis das 53 autarquias do território nacional para o próximo quinquénio – é um cartaz estampado na cara da nossa inoperância. Os salários atrasados dos professores e a onda de raptos, a conivência da Polícia e a impunidade reinante deviam constituir prioridades nacionais.
O sistema de saneamento básico cobre menos de 10 porcento dos moçambicanos, a greve dos profissionais de saúde (uma cicatriz apavorante da nossa mediocridade enquanto país), o sistema de ensino aos farrapos e o exército de analfabetos gerados por uma educação sem rumo não fazem, incrivelmente, parte da discussão do país. Importa mover um processo contra o Prof. Dr. Carlos Nuno Castel Branco em homenagem ao bom nome e honra do Chefe de Estado. Importa, pasme-se, acusar o Canal de Moçambique e o Mediafax por uso abusivo da liberdade de imprensa.
O que vamos fazer da violência epidémica, da corrupção endémica e da incompetência dos governantes? Vamos, porque importa respeitar a imagem impoluta do Presidente da República, ignorar um contentor de horrores e perpetuar esquemas congeminados no esgoto da mais sórdida sacanice?
Não. Vamos resistir e continuaremos a expressar as nossas opiniões e desabafos contra o estado de coisas. O processo contra o Prof. Dr. Carlos Nuno Castel Branco, ao contrário de semear o medo, preenche de coragem os cidadãos livres e descomprometidos que não se contentam com pouco e que não se vergam diante da chantagem rasteira dos Paulinos desta vida. A liberdade de expressão foi regada com sangue para se deixar vergar diante do primeiro contratempo. Será necessário muito mais do que o Juiz Paulino para impedir que o Chefe de Estado seja interpelado sempre que necessário. Terão de criar mais jornais servis e dóceis ao regime para abafar a voz dos que clamam por liberdade.
Enquanto existirem muros, barracas, carrinhas de caixa aberta e chapas, o nome do PR continuará a ser vilipendiado em todas as esquinas do país. Terão de inventar procuradorias em cada esquina deste imenso Moçambique para policiar a livre expressão dos moçambicanos. Terão de deixar de fazer campanha para não ouvirem cidadãs desta pátria a esfregarem na cara de Paúnde que não gostam de Guebuza. E em algum momento terão de mover um processo contra 22 milhões de moçambicanos, incluindo membros do partido Frelimo que não se cansam de caricaturar a imagem do PR nas sombras dos caminhos lamacentos onde rastejam.
É um absurdo do tamanho do Estádio Nacional do Zimpeto procurar silenciar as vozes discordantes. O drama é que os governantes insistem em fingir que todos os pobres ficaram ricos, que já não há carrinhas de caixa aberta e que as eleições são ganhas livremente, que não há uma guerra no centro a dizimar vidas de moçambicanos, que não há recrutamentos compulsivos, que o Executivo erradicou a miséria e que só os apóstolos da desgraça não vislumbram o paraíso parido pela clarividente liderança do pai da nação.
Editorial, A Verdade
Editorial, A Verdade
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