Monday, 15 March 2010

Um cocktail molotov económico


Nos bastidores fala-se de uma greve por parte do grupo dos 19 países (mais conhecidos por G-19) que financiam a maior parte do Orçamento Geral do Estado (OGE). Uma espécie de “sanções limitadas”, se quisermos. Na sequência, o Ministro das Finanças, Manuel Chang, já veio a público declarar que com a prevalecente situação o governo poderá proceder a uma revisão do orçamento para este ano, o qual nem sequer ainda foi aprovado pelo parlamento.
Mesmo que o Governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gove, tente nos tranquilizar com as reservas externas que diz situarem-se ao nível de cinco meses de cobertura de importações, a verdade é que a actual situação é de crise, com consequências muito graves para os planos de desenvolvimento do país.
O Estado é o maior empregador e o maior comprador de bens e serviços no país. Por enquanto não se equaciona ainda a possibilidade de não vir a poder pagar os funcionários públicos. Mas sem fundos, o Estado poderá vir a reduzir drasticamente a sua capacidade de aquisição de bens e serviços ao sector privado, o principal motor da economia. Se em situações de ausência de crise o Estado tem sido considerado mau pagador dos serviços e bens que adquire a crédito junto do sector privado, tal situação só poderá vir a piorar. O metical continuará na sua rota depreciativa, encarecendo ainda mais o custo de vida. E se o Estado decidir ir à banca comercial para se aguentar, então estaremos mesmo no meio de um cocktail molotov económico.
Pode haver divisões no seio dos G-19 quanto ao caminho a seguir, mas é importante salientar que os países que se opõem à acção colectiva daquele grupo são os menos expressivos em termos de poder decisório e dos valores de desembolso, pelo que os seus pontos de vista tornam-se quase irrelevantes para salvar a situação.
Tentar encontrar culpados nesta situação é uma tentação quase que irresistível. Mas este não é o momento de procurar encontrar culpados. Deve ser momento de acção, um momento em que cada uma das partes sabe exactamente o que deve fazer para ir ao encontro da solução e evitar mais danos à economia e ao bem estar de muitos moçambicanos que tanto precisam dessa ajuda.
Jogos de demonstração de força são redundantes quando não se tem os meios necessários para se fazer aplicar essa força. Pelo que o recurso à diplomacia é o único instrumento disponível, viável e realista para a obtenção de resultados que sirvam o mais amplo interesse nacional.
Se o desafio de vencer a pobreza tiver que ser um objectivo realista, Moçambique não se pode dar ao luxo de estar em estado de paralisia, ainda que parcial.
A situação em que nos encontramos hoje não era imprevisível. Há um diálogo permanente entre o governo e os doadores, e cada uma das partes sabe dos compromissos assumidos nesse processo, incluindo os prazos para a sua materialização. Essa deve ser a base do diálogo nesta fase critica, em que cada uma das partes deve saber fazer concessões e transpor barreiras.
Mas a lição fundamental que o actual diferendo nos pode ensinar é a necessidade de que este diálogo se torne público, para que futuramente o público saiba onde efectivamente reside o problema, e quem é que está a erguer barreiras contra o progresso. Não há nada de informação privilegiada quando se trata do Orçamento do Estado. E tendo o diálogo como objectivo suplementar o nosso orçamento, os compromissos assumidos nesse âmbito devem ser de natureza pública. Manter estes assuntos em segredo é permitir que qualquer das partes se furta aos seus compromissos sem ter que assumir responsabilidades pelas consequências daí resultantes.
Os povos de Moçambique e dos países do G-19 têm o direito de saber que compromissos os seus respectivos governos andam a assumir em seu nome e como gastam o dinheiro dos seus impostos. Não se está a pedir muito. Ou será?!

Editorial do SAVANA – 12.03.2010

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