Wednesday, 10 March 2010

Em Moçambique Lei de Terras favorece os ricos em prejuízo dos pobres

– consideram organizações da sociedade civil

João Mutombene, da Associação Cristã para o Desenvolvimento Comunitário (ACREDEC), disse que a questão do conflito de terras em Moçambique é uma realidade, sendo urgente a tomada de medidas para mudar este cenário. Na sua opinião, não é verdade que todos os moçambicanos têm direito à terra. Segundo explicou, a terra em Moçambique é para as ditas elites políticas. Ele afirmou que a política aplicada em Moçambique é a de os pobres se tornarem cada vez mais pobres e os ricos se tornarem cada vez mais ricos. Para Mutombene, a lei diz uma coisa e na prática acontece o oposto. “Nós dizemos que a terra não deve ser vendida, mas todo o mundo está a comprar a terra. Até existem instituições do Estado que vendem e compram terra”, segundo Manuel de Araújo No Índice Internacional dos Direitos de Propriedade 2010 (IPRI), elaborado pelo Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais (CEMO) de entre as 125 nações avaliadas, no que diz respeito à área Jurídica e Ambiente Político, Moçambique está classificado na 80.ª (octagésima) posição; na área dos Direitos de Propriedade Física, está classificado na 108.ª (centésima oitava) posição; e na área dos Direitos de Propriedade Intelectual, está classificado na 95.ª (nonagésima quinta) posição.

Maputo (Canalmoz) – A actual Lei de Terras foi debatida por organizações da sociedade civil, em Maputo. Nesse debate concluiu-se que a mesma existe apenas no papel, como letra morta e não é implementada. Aliás, aquilo a que se tem assistido é a inúmeros conflitos de terras, os quais tendem a tomar proporções alarmantes, com a agravante de os conflitos serem, na maior parte dos casos, originados por pessoas da chamada elite política nacional.
Como resultado destes conflitos, os desprovidos economicamente estão a ser despojados das suas terras, e, obviamente, tornam-se assim cada vez mais pobres. Esta realidade foi posta em evidência, nesta segunda-feira, na capital do país, por membros de organizações da sociedade civil, durante o lançamento do Relatório sobre o Índice Internacional dos Direitos de Propriedade 2010 (IPRI), elaborado pelo Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais (CEMO).
O relatório mede os Direitos de Propriedade Intelectual e Física em 125 nações de todo o mundo, que representam 97% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Este ano, estiveram envolvidas na elaboração do relatório 62 organizações internacionais, incluindo o CEMO, sendo esta a quarta edição, e a primeira que avalia o nosso país.
Em Moçambique, segundo o relatório do CEMO, os direitos de propriedade continuam a ser uma questão bastante problemática. A elaboração do relatório incide sobre três áreas principais dos direitos de propriedade, que permitem obter uma pontuação que define o lugar ocupado por cada nação. De entre as 125 nações avaliadas, no que diz respeito à área Jurídica e Ambiente Político, Moçambique está classificado na 80.ª (octogésima) posição; na área dos Direitos de Propriedade Física, está classificado na 108.ª (centésima oitava) posição; e na área dos Direitos de Propriedade Intelectual, está classificado na 95.ª (nonagésima quinta) posição.
Comentando o relatório, os participantes acabaram por dar maior relevo à questão da terra. Destacaram o facto de existir no país uma questão por resolver, que é o facto de ser instituído o Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT), sem estar definida a questão do Título de Propriedade da mesma.

Na questão da terra são as pessoas com poder financeiro quem manda

João Mutombene, da Associação Cristã para o Desenvolvimento Comunitário (ACREDEC), disse que a questão do conflito de terras em Moçambique é uma realidade, sendo urgente a tomada de medidas para mudar este cenário. Na sua opinião, não é verdade que todos os moçambicanos têm direito à terra. Segundo explicou, a terra em Moçambique é para as ditas elites políticas. Ele afirmou que a política aplicada em Moçambique é a de os pobres se tornarem cada vez mais pobres e os ricos se tornarem cada vez mais ricos. Para Mutombene, a lei diz uma coisa e na prática acontece o oposto.

O Estado compra e vende a terra!

Manuel de Araújo, presidente do CEMO, disse que o relatório reflecte a realidade, e acrescentou que o relatório é para criar debate. Sobre a questão do conflito de terras, ele considera que o primeiro problema está na concepção da própria lei: “Temos uma lei de uso e aproveitamento e não de propriedade. Ela não dá ao cidadão a prerrogativa de poder possuir. Não precisamos de ir para o oposto, que seria a privatização, mas penso que Moçambique deveria ter uma sistema de classificação de terras, e, sobre algumas terras, as pessoas podiam ter a possibilidade de possuírem a propriedade desta terra”. Ele frisou que isso obrigaria a mexer na Constituição, porque a maior parte das pessoas tem como única riqueza a terra. Se essa riqueza pudesse ser usada como colateral, como instrumento para conseguir fundos de financiamento, estaríamos a valorizar a terra. Segundo Manuel de Araújo, a Lei de Terras tem aspectos que precisam de ser ajustados: “Nós dizemos que a terra não deve ser vendida, mas todo o mundo está a comprar a terra. Até existem instituições do Estado que vendem e compram terra”.

O relatório não reflecte a realidade


Por seu turno, Fernando Santos, do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, disse que o relatório não reflecte a realidade, porque não traz informações que espelhem o verdadeiro Moçambique, em termos de direito de propriedade. Para Santos, houve uma ligeira subida em termos de Direito de Propriedade. “Moçambique ratificou muitos documentos que mostram o seu comprometimento com a questão do direito de propriedade. O relatório fala de restrições. Em Moçambique não há restrições no direito a patente”, disse aquele funcionário.

O negócio de terra empobrece os pobres

Para a jurista Janete Assulai, quando se fala de direito à terra e propriedade da terra, esse não é o cenário de Moçambique, porque em Moçambique não existe direito de propriedade da terra: “Nós temos o direito de posse, que está estatuído na Lei do Uso e Aproveitamento da Terra. A questão da posse da terra devia ser vista sob o ponto de vista de protecção de um direito que é supremo do cidadão”. Ela explicou que, em Moçambique, a terra é a base da economia, e que a questão do conflito de terras entre ricos e pobres se coloca em vários aspectos, sendo o principal desses aspectos o facto de que os camponeses desconhecem a lei, e os ricos ignoram deliberadamente essa mesma lei.
“A venda de terras empobrece o cidadão. O Estado não regula o mercado de terras. As pessoas, quando vendem, é porque é boa, e vendem-na ou são forçadas a vendê-la a pessoas com posses”, declarou Janete Assulai, e acrescentou que o mercado de terras em Moçambique está totalmente distorcido e é um negócio que está, cada vez mais, a empobrecer os pobres e a enriquecer os ricos.

(Matias Guente, CANALMOZ, 09/03/10)


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