21 anos depois, “O País” visita o AGP e revela o que periga a estabilidade política
Dos sete protocolos, dois continuam a constituir “cavalo de batalha” entre os dois principais actores políticos e antigas forças beligerantes, nomeadamente, os protocolos III e IV, “Dos princípios da Lei Eleitoral e “Das questões militares”, respectivamente. Porém, é o primeiro protocolo que tem criado alarido no sistema político nacional
Há 21 anos, o Governo e a Renamo assinavam o Acordo Geral da Paz, na cidade e capital italiana, Roma. No mesmo dia, foram assinados sete protocolos que estabeleciam as linhas gerais que deviam ser observadas no processo da materialização da paz, reconciliação nacional e para a construção de confiança, não só nas instituições do Estado, como também entre os principais actores militares, convertidos em políticos. Dos sete protocolos, dois continuam a constituir “cavalo de batalha” entre os dois principais actores políticos e antigas forças beligerantes, nomeadamente, os protocolos III e IV, “Dos princípios da Lei Eleitoral” e “Das questões militares”, respectivamente. Porém, é o primeiro protocolo que tem criado alarido no sistema político nacional.
“Dos princípios da lei eleitoral”
A grande preocupação da comunidade internacional e dos mediadores do processo da paz era que a primeira Lei Eleitoral garantisse uma estabilidade política em contexto de muitas desconfianças entre a Frelimo e a Renamo.
É neste contexto que, por força do Acordo Geral da Paz, o artigo 107, nº3, da Constituição da República de 1990 – estabelecia que o apuramento dos resultados das eleições obedecesse ao “sistema de eleição maioritária” – foi revisto por uma emenda constitucional (Lei nº 12/92 de Outubro), trocando-se o “sistema maioritário” por “sistema de representação proporcional”. A mudança do sistema maioritário deveu-se ao medo, por parte da Renamo, das consequências que este sistema eleitoral poderia produzir, num país ainda em processo de pacificação. A Assembleia da República, na altura constituída apenas pelos membros da Frelimo, decidiu aprovar a emenda sem nenhuma contestação.
Jaime Macuane, docente e politólogo nacional, considera, no seu artigo “Reforma, Contestação Eleitoral e Consolidação da Democracia em Moçambique” de 2010, que o exemplo mais ilustrativo dessa desconfiança e receio pode ser provado pelo facto de a discussão do sistema eleitoral ter sido um dos principais pontos de agenda do processo de negociação de paz, que “culminou com a escolha do sistema de representação proporcional, provavelmente por se temer os possíveis efeitos nefastos na representatividade que seriam acarretados pelo sistema maioritário”.
Esta preocupação, acrescenta no mesmo artigo, estendeu-se posteriormente a outras arenas, como a Comissão Nacional de Eleições (CNE), o Conselho Constitucional, o Conselho do Estado, que na sua composição ainda adoptam o critério de representação parlamentar.
Atesta este argumento o facto de o acordo estabelecer, no mesmo protocolo “Dos princípios da Lei Eleitoral”, que “a Lei eLeitoral deverá ser elaborada pelo Governo, em consulta com a Renamo e todos os outros partidos políticos”.
Ademais, ficou estabelecido que a Renamo iria indicar um terço dos membros da Comissão Nacional de Eleições. Foi na sequência disso que este partido indicou sete dos 21 membros da primeira Comissão Nacional de Eleições, criada pela Lei 4/93, cabendo ao Governo escolher 10 membros. Os restantes três elementos foram indicados pelos partidos da oposição, o que, no final, resultou em paridade. Ou seja, a oposição (Renamo e os restantes partidos) indicou 10 elementos e o Governo, por sua vez, os outros 10. Ao Presidente da República coube, segundo a Lei 4/93, nomear o presidente da Comissão Nacional de Eleições, “sob indicação dos membros da Comissão Nacional de Eleições”. E tal indicação só podia ocorrer quando houvesse consenso. “Na falta do consenso (…) caberá ao Presidente da República designar o presidente da Comissão Nacional de Eleições, dentre cinco personalidades apresentadas pelos membros da Comissão Nacional de Eleições”. É exactamente esta paridade que a Renamo pretende resgatar para a actual Comissão Nacional de Eleições (CNE).
O Acordo Geral da Paz preconizava que o Presidente da República e o presidente da Renamo se comprometiam “a tudo fazerem para se alcançar uma efectiva reconciliação nacional”. No entanto, tal como muitos académicos têm vindo a defender, tal reconciliação entre os principais actores militares, ora políticos, nunca chegou a acontecer, razão pela qual ainda prevalecem desconfianças e exclusões, o que resulta em tensões e violência políticas.
Estava estabelecido, também, que o Governo se comprometia “a não agir de forma contrária aos termos dos protocolos que se estabeleçam, a não adoptar leis ou medidas e a não aplicar leis vigentes que eventualmente contrariem os mesmos protocolos”.
O efeito do sistema maioritário
Ao defender um sistema proporcional, a Renamo receava que o sistema maioritário não lhe permitisse uma representação considerável ou mesmo o seu desaparecimento à nascença no Parlamento, uma vez que este tipo de sistema preconiza que “o vencedor leva tudo”. Ou seja, o vencedor de um círculo eleitoral ganharia todos os mandatos desse mesmo círculo eleitoral. A Renamo ainda não tinha a dimensão da sua influência político sobre um país que tinha sido fustigado durante 16 anos por uma guerra sangrenta. Temia que os 16 anos de guerra se reflectissem negativamente nos resultados eleitorais, o que, a acontecer, num sistema maioritário, reduziria significativamente a Renamo no Parlamento ou mesmo deixaria de existir, caso a Frelimo ganhasse em todos os círculos eleitorais.
Só que os resultados das primeiras eleições viriam a penalizar grandemente a Renamo, pela sua decisão. É que, se tivesse optado pelo sistema maioritário, conforme mostra Luís de Brito, nos seus estudos, a Renamo teria conseguido maioria no Parlamento (137 deputados, contra 113 da Frelimo), em 1994, em virtude de ter ganho em quatro províncias (círculos eleitorais), nomeadamente, Nampula, Zambézia, Sofala e Manica (os três primeiros são os maiores círculos eleitorais do país).
Embora a Frelimo tivesse ganho em mais províncias, perderia no parlamento. A mesma situação teria acontecido em 1999 (a Renamo teria conseguido 166 assentos contra 84 da Frelimo), quando a Frelimo perdeu a maioria dos círculos eleitorais, a favor da Renamo – ganhou todas as províncias do Centro (Manica, Sofala, Zambézia e Tete), e duas do Norte (Nampula e Niassa). Quer em 1994 como 1999, Moçambique teria tido um parlamento liderado pela Renamo e um Presidente da República da Frelimo. Neste contexto, a vida do sistema político nacional teria sido outra.
O País
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