O escritor moçambicano Mia Couto alertou
hoje para o "ritmo crescente" de sequestros em Moçambique e que "reforçam um
sentimento de desproteção e desamparo" que os moçambicanos "nunca tiveram nos
últimos vinte anos de paz".
Mia Couto falava na Gala do 11.º aniversário do Grupo Soico, uma das maiores
empresas moçambicanas do setor de media, que o considerou um dos Melhores de
Moçambique, por ter conquistado o Prémio Camões em 2013.
"Este é um fenómeno que atinge uma camada socialmente diferenciada do país,
mas o mesmo sentimento de medo percorre hoje, sem exceção, todos os habitantes
de Maputo: pobres e ricos, homens e mulheres, velhos e crianças, que são vítimas
quotidianas de crimes e assaltos", considerou Mia Couto.
Na última semana, a capital moçambicana registou cinco casos de
sequestros.
Na terça-feira, duas mulheres moçambicanas foram raptadas em Maputo, uma das
quais à porta da Escola Portuguesa, quando deixava o filho para as aulas.
Para Mia Couto, "estes que são raptados não são os outros, são moçambicanos
como qualquer outro cidadão. De cada vez que um moçambicano é raptado é
Moçambique inteiro que é raptado também".
"E de todas as vezes há uma parte da nossa casa que deixa de ser nossa e vai
ficando nas mãos do crime. Neste confronto com força sem rosto e sem nome todos
nós perdemos confiança em nós próprios e Moçambique perde credibilidade junto
dos outros", acrescentou.
Na quinta-feira, a mulher de um proprietário de uma fábrica de gelo em Maputo
foi raptada à porta da unidade por cinco indivíduos armados de espingardas AKM
(variante de AK-47 Kalashnikov), depois de terem disparado tiros de
intimidação.
"Não é possível desvalorizar este fenómeno, porque ele sucede num momento em
que na capital do país pessoas são raptadas a um ritmo que não para de crescer",
afirmou o escritor.
"Estes sequestros estão nos cercando por dentro, como se houvesse uma outra
guerra civil, uma guerra que cria tanta instabilidade como qualquer outra ação
militar, como qualquer outra ação terrorista", alertou.
Em julho, um empresário português foi sequestrado e mais tarde libertado,
mas, nos últimos dias, a principal cidade do país começou a assistir a novos
casos de sequestros cujos alvos preferenciais são menores.
"Devíamos formar uma espécie de pequeno exército, que se une neste fito que é
de todos nós, para que a nossa vida seja mais nossa e não seja do medo, para que
as nossas cidades sejam nossas e não dos ladrões, para que o nosso campo produza
comida e não a guerra e para que a riqueza do país sirva o país inteiro",
referiu Mia Couto.
O escritor mais traduzido em Moçambique disse ter evocado a situação que se
vive hoje em Maputo durante aquela cerimónia da televisão privada moçambicana
STV, "porque outras guerras mais subtis e mais silenciosas podem estar a agredir
Moçambique e roubar a estabilidade que tanto custou a conquistar".
Em 2012, a Polícia da República de Moçambique registou 14 processos de raptos
e em cinco foram deduzidos acusações.
DN
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