Acabadinho de regressar duma viagem deparo-me com a notícia da expulsão do treinador português de futebol, Diamantino Miranda, e ponho-me a reflectir sobre o assunto em pleno domingo:
Da liberdade de ser mal-criado
Confesso desde logo a minha parcialidade neste assunto. Vivo há mais tempo fora de Moçambique do que dentro. Por essa razão, tudo o que diz respeito aos estrangeiros que vivem em Moça...mbique me interessa em particular. A hospitalidade que recebo fora é algo que gostaria que eles também tivessem em Moçambique. A hostilidade de que por vezes sou alvo, pelo contrário, é algo que eu não gostaria que eles passassem em Moçambique. A expulsão do treinador português de futebol por ter “insultado” o povo moçambicano causa-me arrepios. Envergonha-me como moçambicano. Não percebo como isso foi possível num Estado de Direito. Ou melhor, tenho um palpite.
Para muita gente, sobretudo nas instituições públicas, parece que o Estado de Direito se resume ao respeito pela legalidade. Nesse entendimento do Estado de Direito, Chile de Pinochet, a União Soviética e a tristemente famosa “legalidade socialista” dos tempos de Samora em Moçambique bem como as violações das liberdades cívicas nos EUA de George W. Bush poderiam ser incluídos nessa definição. Mas essa seria uma definição pobre do Estado de Direito porque este não se refere apenas ao respeito pela legalidade, mas também à qualidade das leis bem como o que essas leis querem proteger, portanto, os valores que elas preservam.
E é aqui onde está, em minha opinião, o problema desta expulsão. Os juristas que nos digam se existe em Moçambique alguma lei que proíba o insulto ao povo moçambicano. Se existe, então nunca foi aplicada de forma consequente, pois pelo menos no Facebook não passa dia que a gente não presencie insultos dos mais grosseiros ao povo moçambicano. Igualmente, e à excepção do caso recente do representante do Fundo Monetário Internacional que se meteu em assuntos que não lhe dizem respeito nenhum, vemos regularmente o espectáculo triste de diplomatas que violam a ética diplomática pronunciando-se descaradamente sobre assuntos do País e, efectivamente, chamando nomes ao povo que colocou o governo sobre o qual eles falam sem papas na língua. Se existe essa lei, mas só se aplica aos estrangeiros, então há qualquer coisa de errado com a concepção de justiça e cidadania, pois o princípio de igualdade – um valor protegido pela lei – exige que não haja essa discriminação. Se o moçambicano não pode ser expulso do País por dizer que os moçambicanos são um povo de ladrões, então nenhum estrangeiro pode ser expulso por dizer isso. A única obrigação dum estrangeiro é respeitar as leis, não reprimir as suas opiniões, pois a liberdadeo de expressão é protegida pela lei.
O treinador português foi muito infeliz no que disse. Ao exprimir a sua opinião em pleno exercício da liberdade de expressão, revelou má educação e falta de civismo. Mas mal educados e sem civismo são também muitos moçambicanos, incluíndo o jornalista que o tramou e incluíndo quem atropelou a lei ao assinar uma decisão tão sumária como esta que deixa um ser humano sem recurso, nem tempo para organizar o seu regresso à casa. O Costa do Sol, clube que o empregava, podia o ter sancionado (incluíndo despedi-lo) por achar que ele manchava a imagem do clube. Não haveria problemas com essa decisão, desde o momento que estivesse em conformidade com a lei laboral. Mas o envolvimento de instituições do Estado num assunto desta natureza revela problemas sérios com a noção de Estado de Direito, falta de auto-estima e, pior ainda, irresponsabilidade em relação aos milhares de moçambicanos que vivem além fronteiras e que esperam que Moçambique interceda também a seu favor pelo exemplo de bom tratamento dado aos estrangeiros no País.
Há muito que me incomoda a forma mesquinha como muitos compatriotas tratam os portugueses. É verdade que há muitos portugueses residentes em Moçambique que se portam mal e que, de certeza, têm a afirmação feita pelo treinador de futebol como um credo pessoal. Mas há muitos moçambicanos em Portugal a se portarem mal também, muitos moçambicanos a se portarem mal com portugueses em Moçambique. De resto, dois males não perfazem uma coisa certa.
Há muito pessoal aí que nunca percebeu o que Guebuza queria dizer com auto-estima. E está apostado em mostrar que não percebeu mesmo. Se fosse da teoria da conspiração diria que há alguém apostado em destruir Guebuza fingindo estar a trabalhar por ele. Mas como não sou, prefiro lançar apenas a especulação...
Facebook
Da liberdade de ser mal-criado
Confesso desde logo a minha parcialidade neste assunto. Vivo há mais tempo fora de Moçambique do que dentro. Por essa razão, tudo o que diz respeito aos estrangeiros que vivem em Moça...mbique me interessa em particular. A hospitalidade que recebo fora é algo que gostaria que eles também tivessem em Moçambique. A hostilidade de que por vezes sou alvo, pelo contrário, é algo que eu não gostaria que eles passassem em Moçambique. A expulsão do treinador português de futebol por ter “insultado” o povo moçambicano causa-me arrepios. Envergonha-me como moçambicano. Não percebo como isso foi possível num Estado de Direito. Ou melhor, tenho um palpite.
Para muita gente, sobretudo nas instituições públicas, parece que o Estado de Direito se resume ao respeito pela legalidade. Nesse entendimento do Estado de Direito, Chile de Pinochet, a União Soviética e a tristemente famosa “legalidade socialista” dos tempos de Samora em Moçambique bem como as violações das liberdades cívicas nos EUA de George W. Bush poderiam ser incluídos nessa definição. Mas essa seria uma definição pobre do Estado de Direito porque este não se refere apenas ao respeito pela legalidade, mas também à qualidade das leis bem como o que essas leis querem proteger, portanto, os valores que elas preservam.
E é aqui onde está, em minha opinião, o problema desta expulsão. Os juristas que nos digam se existe em Moçambique alguma lei que proíba o insulto ao povo moçambicano. Se existe, então nunca foi aplicada de forma consequente, pois pelo menos no Facebook não passa dia que a gente não presencie insultos dos mais grosseiros ao povo moçambicano. Igualmente, e à excepção do caso recente do representante do Fundo Monetário Internacional que se meteu em assuntos que não lhe dizem respeito nenhum, vemos regularmente o espectáculo triste de diplomatas que violam a ética diplomática pronunciando-se descaradamente sobre assuntos do País e, efectivamente, chamando nomes ao povo que colocou o governo sobre o qual eles falam sem papas na língua. Se existe essa lei, mas só se aplica aos estrangeiros, então há qualquer coisa de errado com a concepção de justiça e cidadania, pois o princípio de igualdade – um valor protegido pela lei – exige que não haja essa discriminação. Se o moçambicano não pode ser expulso do País por dizer que os moçambicanos são um povo de ladrões, então nenhum estrangeiro pode ser expulso por dizer isso. A única obrigação dum estrangeiro é respeitar as leis, não reprimir as suas opiniões, pois a liberdadeo de expressão é protegida pela lei.
O treinador português foi muito infeliz no que disse. Ao exprimir a sua opinião em pleno exercício da liberdade de expressão, revelou má educação e falta de civismo. Mas mal educados e sem civismo são também muitos moçambicanos, incluíndo o jornalista que o tramou e incluíndo quem atropelou a lei ao assinar uma decisão tão sumária como esta que deixa um ser humano sem recurso, nem tempo para organizar o seu regresso à casa. O Costa do Sol, clube que o empregava, podia o ter sancionado (incluíndo despedi-lo) por achar que ele manchava a imagem do clube. Não haveria problemas com essa decisão, desde o momento que estivesse em conformidade com a lei laboral. Mas o envolvimento de instituições do Estado num assunto desta natureza revela problemas sérios com a noção de Estado de Direito, falta de auto-estima e, pior ainda, irresponsabilidade em relação aos milhares de moçambicanos que vivem além fronteiras e que esperam que Moçambique interceda também a seu favor pelo exemplo de bom tratamento dado aos estrangeiros no País.
Há muito que me incomoda a forma mesquinha como muitos compatriotas tratam os portugueses. É verdade que há muitos portugueses residentes em Moçambique que se portam mal e que, de certeza, têm a afirmação feita pelo treinador de futebol como um credo pessoal. Mas há muitos moçambicanos em Portugal a se portarem mal também, muitos moçambicanos a se portarem mal com portugueses em Moçambique. De resto, dois males não perfazem uma coisa certa.
Há muito pessoal aí que nunca percebeu o que Guebuza queria dizer com auto-estima. E está apostado em mostrar que não percebeu mesmo. Se fosse da teoria da conspiração diria que há alguém apostado em destruir Guebuza fingindo estar a trabalhar por ele. Mas como não sou, prefiro lançar apenas a especulação...
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