A ministra moçambicana da justiça, Benvinda Levy, manifestou o seu desagrado e preocupação perante informações de torturas que acabava de confirmar quando na última Sexta-feira, 16 de Abril, visitou a cadeia de máxima segurança da Machava, também conhecida por BO.
Repudiando as acções dos agentes de segurança daquele estabelecimento penitenciário, ao mesmo tempo que prometia medidas duras contra os responsáveis, a ministra desabafou referindo que “isto é um retrocesso perante o sucesso que vínhamos alcançando na luta contra a violação dos Direitos Humanos”.
Depois da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) junto a imprensa moçambicana terem denunciado actos de torturas de reclusos na cadeia de máxima segurança da Machava, Benvinda Levy deslocou-se àquele estabelecimento prisional para inteirar-se do que estava acontecer.
Levy chegou às instalações da B.O por volta das 14:30 e reuniu-se cerca de uma hora, à porta fechada, com a direcção da cadeia.
Depois do encontro com o staff prisional, a ministra da Justiça reuniu-se com o grupo de reclusos supostamente vítimas de torturas e convidou cada um deles a contar o que lhe tinha acontecido. O encontro com aquele grupo de presidiários decorreu na presença da direcção máxima da BO, quadros seniores do ministério da Justiça, da direcção nacional das prisões, IPAJ e da imprensa.
Os reclusos informaram a ministra da Justiça que as torturas começaram na noite do dia 31 de Março e prolongaram-se até ao dia 07 de Abril.
Benvinda Levy soube que além de torturas a B.O regista sérios problemas de violação dos Direitos Humanos.
Há reclusos que estão nas celas disciplinares há mais de seis meses, enquanto pela natureza do lugar, um ser humano não pode ser mantido por mais de 60 dias, visto que a cela foi concebida com o intuito de disciplinar e não para o cumprimento da pena.
As celas disciplinares são lugares minúsculos sem sistema de ventilação e muito menos casas de banho. Foram concebidas para quatro pessoas mas que em algum momento albergam 10 reclusos. Os presos lá encarcerados fazem necessidades em sacos de plástico e as celas são abertas uma vez por dia para efeitos de limpeza.
Refeições deplorantes
O menú limita-se a uma massa de farinha de milho acompanhada de feijão temperado com sal. Na Sexta-feira, por causa da visita da ministra, foi acrescido repolho no feijão. A refeição é distribuída uma vez por dia e cabe ao recluso gerir a sua quota para o almoço e jantar.
O SAVANA pode testemunhar que o grosso dos reclusos encarcerados naquela cadeia depende das refeições daquele estabelecimento. Na última Sexta-feira, apenas 123 reclusos de um total de 800 é que tinham recebido comida vinda dos seus familiares.
Benvinda Levy foi ainda informada que a violência protagonizada pelos agentes de segurança teve aval do director da cadeia, Renato Jaime, em conluiu com o chefe da segurança de nome Gabriel Djevo.
Alexandre José, recluso, contou à ministra que foi torturado na noite de 31 de Março. Sofreu lesões e fracturas, mas não lhe foi canalizada assistência médica e todo o tratamento limitou-se à administração de uma dose de analgésicos, no posto médico local.
Atrasou à formatura de efectividade (a efectividade consiste na contagem de reclusos à saída das celas para o banho solar bem como o seu regresso).
Foi recolhido pela guarda prisional para Cela Disciplinar (CD) onde encontrou outros reclusos.
Na Cela Disciplinar, Alexandre José foi espancado por reclusos que se encontram naquele local.
Depois de tanta pancadaria, Alexandre José foi socorrido por um recluso que se encontrava noutra cela e que ouvindo gritos sensibilizou-se e bateu à porta da sua cela alertando a segurança da cadeia do que estava acontecer na CD.
Chegados ao local, os agentes de segurança, em vez de o socorrer, retiraram-no da cela e foram algemá-lo a uma árvore. Aí, cada um dos agentes foi distribuindo cacetadas de acordo com a sua força.
Alexandre não terá resistido e ficou inanimado. Mesmo assim, ninguém se manifestou preocupado. Disse ainda que permaneceu toda a noite algemado e ensanguentado.
No dia seguinte, tentou informar do sucedido à direcção da cadeia mas não foi bem sucedido.
Afirmou que toda a tortura foi coordenada por um chefe de turno conhecido por comandante Cossa.
Alguns reclusos que falaram à ministra assumiram que violaram as regras internas do funcionamento da cadeia porque desobedeceram a hora da recolha às celas, e outros porque foram surpreendidos com telemóveis nas celas, factos proibidos no regulamento interno da cadeia. Outros disseram que não conheciam as motivações que culminaram com a sua tortura, tendo para tal referido que cerca das 15 horas do dia 7 de Abril, um oficial de permanência de nome Cossa mandou abrir celas e de lá tirou reclusos para tortura.
“Era feriado mas, o director da cadeia estava presente. Acompanhou todos os acontecimentos e em vez de minimizar a situação disse apenas que dá mais 10 cacetadas na minha conta”, contou um dos reclusos torturados.
Depois de ouvir os reclusos, a ministra da Justiça repudiou as agressões e disse que haverá responsabilização criminal ou disciplinar, conforme os resultados do inquérito que decorre neste momento, para apurar os culpados que serão conhecidos dentro de 15 dias.
Disse que estes actos vêm pintar a preto o sucesso que o governo moçambicano vinha alcançando na luta contra a violação dos Direitos Humanos.
Por sua vez, Renato Jaime reconheceu a ocorrência das agressões, negando, no entanto, o seu envolvimento como mandante.
Afirmou que quando registou a ocorrência de agressões comunicou à Direcção Nacional das Prisões. Só que, estranhamente, Benvinda Levy disse que tomou conhecimento da ocorrência de torturas na B.O através da Liga dos Direitos Humanos.
O SAVANA tem informações segundo as quais os guardas que estiveram por detrás da tortura de reclusos continuam a exercer as suas funções normalmente e nenhum processo disciplinar terá sido instaurado.
Tal como o director da cadeia mentiu à imprensa referindo que comunicou à Direcção Nacional das Prisões sobre as torturas, mentiu novamente aos jornalistas bem como à ministra quando referiu que os agentes estão suspensos.
Violência policial, torturas e execuções sumárias
Torturam, retiram presos das celas, amarram e executam, desfigurando a cara das vítimas para ocultar a identificação. Gangsters? Não. São agentes da polícia moçambicana, segundo revela o Relatório Anual sobre Direitos Humanos em Moçambique, lançado esta quarta-feira em Maputo.
A violação dos direitos dos cidadãos pelos agentes da Policia da Republica de Moçambique (PRM) é frequente e poucas vezes penalizada, revela o relatório da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos.
“Não se verifica nenhuma melhoria quanto à violação dos direitos dos cidadãos pela Policia”, disse João Nhamposse, do Gabinete de Advocacia e Pressão da Liga.
O mais alarmante para a Liga, são as 15 execuções sumárias perpetradas por agentes da polícia como forma de impedir a fuga de supostos criminosos.
Segundo o relatório, na maioria dos 15 execuções sumárias reportadas entre Janeiro a Agosto de 2008 na cidade e província de Maputo, polícias balearam as vítimas na cabeça ou peito, quando o procedimento habitual para parar uma fuga e atirar nas pernas.
”O facto de Moçambique não ter ainda uma lei especifica contra tortura e execuções sumárias pode ser um ponto fraco que e aproveitado pelos agentes da PRM”, explica o relatório.
Mesmo os poucos casos de condenação de polícias são por ofensas corporais voluntárias ou por homicídio e nunca por crime de tortura ou execuções sumárias, crimes que ainda não existem no ordenamento jurídico moçambicano, embora o país ter ratificado a Convenção contra a Tortura em 1991.
Os casos de execução sumária incluem vários corpos descobertos no distrito da Moamba, província de Maputo, e dois manifestantes baleados na sequência de protestos contra os preços dos transportes em Fevereiro de 2008. Em outros quatro casos, os cidadãos foram abordados pela polícia na rua e baleados.
Em dois casos da Moamba, os mortos estiveram detidos na cadeia ou no comando da polícia.
CASO COSTA DO SOL
Por outra parte, o Relatório considera um efeito positivo o despertar da justiça moçambicana em 2008, com a processo de três policiais envolvidos nas execuções sumárias de cidadãos indefesos na zona da Costa do Sol, em Maputo. Os policiais foram condenados a 21 anos de prisão e foram pagas de indemnizações às famílias das vítimas
Neste caso, a Liga deplora as divergências entre a Policia e a Procuradoria-Geral da Republica (PGR) da Cidade de Maputo face as denuncias feitas por populares da chacina num pequeno matagal perto de um campo de futebol.
Enquanto a polícia alegou que os supostos malfeitores foram baleados quando tentavam fugir da custodia policial, o inquérito da PGR apurou que a policia executou-os sumariamente, alvejando-os na nuca e a curta distância, o que mostra “uma determinação irrefutável de homicídio”, segundo o relatório.
Para Nhamposse, o mais grave são as execuções sumarias e os casos de retirada de presos das celas na calada da noite para ser assassinados. Embora não existe uma ordem expressa, as hierarquias superiores da Policia estão coniventes nas execuções sumarias, opina Nhamposse.
“Falta monitoria das cadeias por parte do Governo, a Liga sozinha não tem capacidade para cobrir todo o pais”, disse Nhamposse ao SAVANA.
A Liga e o Governo assinaram recentemente um memorando de entendimento que visa facilitar o acesso dos activistas as cadeias, o que poderá reduzir os abusos protagonizados por policias sobre os presos.
(A.M)
Causas da violência policial
Segundo a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, várias são as causas da violência policial:
• Discursos violentos e preconceituosos contra os criminosos
• Má preparação dos polícias
• Falta de domínio das técnicas de prevenção e investigação dos crimes
• Associação criminosa entre polícias e bandidos
• Más condições de trabalho
• Corporativismo na protecção dos culpáveis
• Impunidade e falta de lei que condene execuções sumárias e torturas
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