Maputo (Canalmoz / Canal de Moçambique) - Dois assuntos estão a dar que falar: a declaração de bens dos dignitários do Estado e a modificação ou não da Constituição, para se acomodar um terceiro mandato de Armando Guebuza na Presidência da República.
Sobre a declaração de bens dos dignitários do Estado, sente-se que o tema está a causar sintomas de “sarna” aos visados, que a todo o custo querem manter em segredo os seus bens, e simultaneamente permanecerem pendurados no Estado. Porquê tanto segredo? Se as fortunas não são ilícitas, porquê tanto medo da transparência? E por que razão quem não quer ser transparente quer juntamente exercer cargos públicos? Ninguém proíbe que alguém tenha uma vida oculta. Cumpre o que está legislado, usa a iniciativa e enriquece quem consegue. É lícito. Como é lícito que os cidadãos exijam que quem pretende exercer cargos públicos seja transparente. Mas porque será que quem tem tanto jeito para enriquecer não se reserva à vida privada? Porquê esta apetência desenfreada por estar na privada e no Estado conjuntamente. Não será precisamente por causa da faculdade que os cargos públicos oferecem para permitir a fácil “captura” das “vítimas” e das “oportunidades” (inside information) e ao mesmo tempo enriquecimento lícito e ilícito?
Sobre a eventual alteração da Constituição, independentemente do método que se pretenda seguir, “mudança ou revisão”, – que o secretário da Mobilização do partido Frelimo, Edson Macuácua, insiste em distinguir, como se os demais moçambicanos fossem ingénuos, – sente-se que há uma enorme apetência para levar por diante uma iniciativa que assegure continuidade no poder a quem insiste em viver à custa da sua auto-estima desmesurada, mesmo que ela espezinhe a dos outros e chegue mesmo a ser escandalosa.
Os dois temas, declaração de bens e mais um mandato para Guebuza, aparentemente nada têm um a ver com o outro, mas quem não estiver distraído facilmente encontrará relação entre eles. Com um pretende-se continuar a negar aos cidadãos instrumentos que lhes permitam fazer uma avaliação das condições que um outro cidadão reúne para estar no Governo ou em determinadas funções do Estado. A todo o custo pretende-se assegurar a continuidade, sem perturbações, do repasto que os fundos públicos, as benesses e as oportunidades proporcionam a quem sempre vive pendurado no Estado, nem que seja encobrindo os frutos da corrupção. Ao alterar-se a Constituição para se permitir que uma determinada pessoa continue na Presidência da República, pretende-se assegurar que o repasto dure o mais possível e tudo continue a gravitar em torno do actual chefe da “Grande Família” que, de saco tão cheio que já anda, recorre agora a uma nobre “Valentina” (de que se ouve falar tanto como em tempos de Nyimpine), para não dar tanto nas vistas. Se é que assim o consegue!
Não pode ser! Muito francamente, não pode ser! Ou somos um Estado, ou somos uma pradaria de cabritos desamarrados.
São bem conhecidas as críticas suscitadas pelas últimas eleições.
Sabe-se que os dois terços do partido Frelimo na Assembleia da República e a vitória de Armando Guebuza nas últimas eleições foram conseguidos com a exclusão dos opositores por uma CNE manhosa e numas eleições em que menos de 50% dos cidadãos com capacidade activa foi às urnas.
Embora legitimada pelos órgãos eleitorais, a “esmagadora” e “retumbante” vitória do partido Frelimo não lhe dá legitimidade para alterar a Constituição no que respeita a questões sacramentais da Democracia e, sobretudo, do Estado. Está implícito ainda que foi com base num Pacote Eleitoral ardiloso que a Frelimo ganhou as últimas eleições. Não fosse assim, a revisão da legislação eleitoral não estaria agendada para a primeira sessão da Assembleia da República, quando se sabe que, a menos que as coisas se precipitem, o país só voltará a ter eleições daqui a quatro anos – as autárquicas – e daqui a cinco anos – as legislativas, as presidenciais e as provinciais.
Já vimos no que deu o monopartidarismo. Para aqueles que, dentro da Frelimo, não sabem ou não se recordam, procurem saber, junto dos mais velhos, o que foi preciso o falecido Rafael Maguni insistir – numa reunião do Comité Central do então partido marxista-leninista, no então Palácio do IV Congresso, hoje Assembleia da República, – para que Samora Machel cedesse e permitisse que alguns dos poderes que até esse dia lhe estavam reservados como Chefe do Estado, fossem endossados a um Primeiro-Ministro, cargo criado nesse dia.
Alguns de nós somos do tempo em que Moçambique ainda vivia a euforia da Independência. Nessa altura a Frelimo não dispunha de dois terços na Assembleia da República. Era constitucionalmente “a força dirigente do Estado e da Sociedade”. Tinha 100%. Os seus dirigentes ficaram alucinados com tanto poder e levaram o país para a maior catástrofe da nossa história. Quem quer voltar atrás?
Quem quer fazer a história repetir-se só pode estar doido e o Estado não é lugar para quem deva antes estar no manicómio.
Revoltados com o curso que a Frelimo, com o seu poder hegemónico estava a imprimir à governação, alguns moçambicanos começaram a rebelar-se. A Guerra Civil, vergonha de todos nós, já estava a começar e ainda Jorge Rebelo continuava a dizer que não havia oposição à Frelimo.
Hoje é esse mesmo Jorge Rebelo que defende que todos os dignitários do Estado devem apresentar as declarações de bens pessoais, antes, durante e depois de exercerem cargos públicos. Aliás, isso até já está na Lei. Falta apenas que se torne público para que aos cidadãos se reconheça o direito de tomar conta do seu Estado. A idade certamente que amadureceu o então sisudo secretário do Trabalho Ideológico. Sabe hoje, seguramente, que o descontentamento que se está a gerar e a generalizar contra os corruptos nada tem a ver com a intolerância face ao enriquecimento.
O Povo Moçambicano, ao lutar contra o regime que vigorava em Moçambique antes do Acordo Geral de Paz, demonstrou claramente que o livre acesso a bens e à riqueza lhe agrada. A Paz foi conseguida, muito também porque passou a poder-se viver sem certos condicionalismos hipócritas que chegaram a vigorar no país, ainda que só para alguns.
Sabe-se hoje perfeitamente que o enriquecimento de muitos moçambicanos é ilícito na maior parte dos casos e sabe-se que a “esmagadora” e “retumbante” ala de endinheirados é de quem esteve ou está em altas funções no Estado e no Governo. Porque será? Só coincidência?
(Editorial do Canal de Moçambique/Canalmoz)
2 comments:
Tudo menos um 3 mandato. Queremos outros lideres!
Amigo Torres, vamos torcer para que isso não aconteça.
Um abraço!
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