Tuesday, 27 April 2010

Acidente de Mbuzini

O ponto de vista russo em novo livro sobre a morte de Samora Machel

Será lançado em Lisboa, depois de amanhã, quinta-feira dia 29, o livro, «Samora Machel - Atentado ou Acidente?» da autoria de José Milhazes, investigador português radicado em Moscovo.

Maputo (Canalmoz) - Será lançado em Lisboa depois de amanhã, quinta-feira dia 29, o livro, «Samora Machel - Atentado ou Acidente?» da autoria de José Milhazes, investigador português radicado em Moscovo. Milhazes debruça-se sobre as causas do acidente de aviação em que perdeu a vida o primeiro presidente moçambicano, Samora Machel. “O aparelho Tupolev 134 e a tripulação eram soviéticos, daí ser importante saber o que pensam os especialistas da antiga URSS sobre isso”, refere o autor que reside em Moscovo desde 1977.
No mesmo dia em que o livro é lançado em Lisboa o Armando Guebuza inicia uma visita de Estado a Portugal a convite do seu homólogo Cavaco Silva.

José Milhazes

De 51 anos de idade, José Milhazes é doutorado pela Universidade do Porto, tendo-se dedicado à tradução de obras literárias e políticas de língua russa para o português. Foi correspondente do jornal «Público» em Moscovo, e colaborador do canal televisivo, SIC. Presentemente trabalha como correspondente da LUSA na capital Russa, que aquando do acidente era a capital da extinta União Soviética.
Milhazes é autor do livro, «Angola – O Princípio do fim da União Soviética», publicado o ano passado pela Editora Vega. Em «Samora Machel - Atentado ou Acidente?» José Milhazes afirma ter “conseguido encontrar fontes, escritas e orais, que põem um ponto final na discussão” em torno do acidente de Mbuzini.. “Mas essa decisão” acrescenta, “irá pertencer aos leitores”. O novo livro de José Milhazes sairá com a chancela da editora Aletheia.

O Livro de Sérgio Vieira

O mais recente livro a abordar o acidente de Mbuzini foi lançado em Maputo o mês passado. Trata-se de «Participei, por isso testemunho» da autoria de Sérgio Vieira. O autor defende que Samora Machel foi vítima de um “acto de terrorismo de Estado”, que teria contado com o envolvimento do Reino Unido e dos Estados Unidos. (pp. 489-490) Todavia, Vieira não fornece pistas concludentes que substanciem a sua tese, assentando as alegações que faz em chamadas telefónicas recebidas das representações diplomáticas britânica e americana em Maputo poucos dias a seguir ao acidente. Conforme relata o autor, os diplomatas apenas informaram que os seus países não tencionavam integrar a comissão de inquérito instituída pela África do Sul.
No livro, Sérgio Vieira refere que as investigações sobre o acidente de Mbuzini efectuaram-se de acordo com as “regras da IATA”. (p. 486) A IATA é uma associação internacional de transportadoras aéreas que trata exclusivamente de questões comerciais. A instituição que lida com acidentes de aviação é a ICAO, e foi ao abrigo deste organismo das Nações Unidas que a Comissão de Inquérito sul-africana investigou o acidente.
Alega o autor que os radares sul-africanos haviam “segui[do] o voo presidencial desde Mbala e Lusaka”. (p. 491) O raio de acção desses radares, porém, não excedia os 320 km, portanto muito aquém quer da Base Aérea de Mbala, quer da capital zambiana, que distam da fronteira sul-africana 2,500 km e 800 km, respectivamente.
O autor põe em causa a idoneidade e a competência das individualidades estrangeiras que integraram a Comissão de Inquérito. O americano Frank Borman e aos britânicos Sir Edward Eveleigh e Geoffrey Wilkinson são descritos como “personalidades com posicionamento de extrema-direita e pró-apartheid”. (pp. 490-491) Na opinião do autor, Borman “não dispunha de credenciais como perito para estudar acidentes aéreos”. (p. 489)
Engenheiro de aeronáutica, Frank Borman iniciou a carreira como piloto de aviões de combate, desempenhando depois as funções de piloto operacional e de piloto de voos de ensaio. Foi professor assistente de termodinâmica e mecânica de fluidos na Academia de West Point. Em 1968, quando desempenhava as funções de instrutor de aviação na Base Aérea de Edwards, Califórnia, foi escolhido pela NASA para chefiar a Missão Espacial Apolo 8. No ano anterior, havia integrado a comissão de inquérito que procedeu à investigação das causas de um acidente envolvendo uma nave espacial do Programa Apolo.
Igualmente engenheiro de aeronáutica, Geoffrey Wilkinson era, à altura do acidente de Mbuzini, chefe do Departamento de Investigações de Acidentes Aéreos (AAIB) do Reino Unido, sendo então considerado como o único investigador do Ocidente com experiência em investigações de acidentes envolvendo aviões Tupolev-134.
Formado pela Universidade de Oxford, Sir Edward Eveleigh era juiz do Tribunal de Recurso do Reino Unido, contando com vasta experiência em casos jurídicos envolvendo acidentes de aviação.
Sobre Cecil Margo, que chefiou a Comissão de Inquérito sul-africana, o autor considera que esse juiz “distinguira-se por um veredicto sobre o assassinato de Steeve (sic) Biko” e que contrariando um médico, “o senhor Margoo (sic) decidiu que Biko se suicidara dando cabeçadas nos muros da sua cela!”. (p. 490) Cecil Margo não teve qualquer envolvimento, directo ou indirecto, no caso. Marthinus Prins, um magistrado de Pretória, foi quem presidiu ao inquérito judicial instaurado para se apurarem as causas da morte de Biko. A tese do suicídio não foi sequer evocada no decurso do inquérito judicial, tendo Prins concluído que a morte de Biko se devera a "uma briga" com agentes da polícia que o haviam interrogado. Para além do inquérito judicial realizado em 1978, nesse mesmo ano a família Biko moveu uma acção contra o Estado sul-africano, exigindo uma indemnização pela morte do activista anti-apartheid. O caso não foi a julgamento pois o governo da África do Sul e a família Biko chegaram a acordo quanto à indemnização a pagar. Em 1980, o Comité Disciplinar da Ordem dos Médicos da África do Sul ilibou os médicos que haviam tratado Biko pouco antes da sua morte. Não satisfeitos com esta decisão, em 1985 um grupo de membros da mesma Ordem moveu uma acção junto do Tribunal Supremo de Pretória, tendo esta instância decretado que se efectuasse um inquérito à conduta dos médicos que haviam tratado de Biko. Na sequência do inquérito, W.G. Boshoff, juiz presidente do Transvaal, considerou haver provas de conduta imprópria por parte dos referidos médicos, embora o autor de “Participei, por isso testemunho” considere um deles de “eminente patologista”. (p. 490) O caso Biko voltou a ser alvo de um novo inquérito no âmbito da Comissão da Reconciliação e Verdade. Cecil Margo não teve qualquer participação em nenhum dos inquéritos.
Afirma o autor que, “abruptamente, a parte sul-africana deu, unilateralmente, por terminado o seu inquérito, quando toda a comissão desejava que se averiguasse o sinal localizado na zona de Mbuzini e que, aparentemente, haveria fornecido falsas informações aos aparelhos electrónicos do TU134B (sic) do Presidente”. (p. 490)
Tanto Moçambique como a União Soviética retiraram-se da Comissão de Inquérito no momento em que esta se preparava para analisar os dados contidos no Relatório Factual elaborado por peritos representando os três Estados. Não obstante a posição assumida pelos dois países, a Comissão de Inquérito averiguou em profundidade a questão do chamado VOR falso, tendo concluído que a alegação era infundada. Inclusivamente, a Comissão solicitou a Moçambique que autorizasse a utilização do espaço aéreo moçambicano para se efectuar um ensaio à propagação das ondas do VOR de Matsapha. Segundo a parte soviética, o sinal emitido pelo VOR de Matsapha não poderia ter sido captado pelo Tu-134A presidencial devido a obstruções causadas pelos montes Libombos. Não obstante o facto do governo moçambicano ter indeferido a autorização solicitada, viriam a ser efectuados ensaios ao VOR de Matsapha com recurso a voos não oficiais envolvendo dois «Mirage» da Força Aérea Sul-Africana e aviões cargueiros de uma empresa privada. Em ambos os voos foi possível sintonizar o VOR do aeroporto suázi.
Lamenta o autor que os “serviços competentes” da África do Sul não tenham dado atenção às declarações do senhor Hans Louw. (p. 491) Entrevistado no programa televisivo Special Assignment da SABC 3, Louw afirmou que se encontrava no local onde o Tupolev se havia despenhado, como parte de uma unidade portadora de mísseis terra-ar com o objectivo de abater o avião presidencial. Hans Louw precisou ter avistado o avião a aproximar-se, “preparando-se para aterrar, com o trem de aterragem descido” e que “o piloto pensava que estava a aterrar em Moçambique”.
De acordo com o Relatório Factual atrás citado, no momento da colisão, o trem de aterragem do Tupolev presidencial encontrava-se recolhido. A audição do CVR, efectuada na Suíça (e não na África do Sul, como escreve o autor de “Participei, por isso testemunho”, p. 488), prova que a três segundos da colisão, quer o navegador, quer o piloto, não sabiam onde se encontravam, nem para onde ir. Por conseguinte, o piloto não “pensava” que estava a aterrar:

Navegador: Não, não, não há para onde ir, não há NDBs, não há nada.

Piloto: Nem NDBs, nem ILS.

Um indivíduo que reúne todas as características de impostor, que para além de especular sobre as intenções da tripulação de uma aeronave em pleno voo, inventa pormenores técnicos que contrariam o parecer de peritos qualificados, não pode, obviamente, ser objecto de atenção dos serviços competentes do país vizinho.

(João Cabrita, CANALMOZ, 27/04/10)

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