Thursday, 15 April 2010

Ex-administradores do Banco Austral voltam a escapar

PGR abstém-se de os acusar

A PGR ao nível da cidade de Maputo acaba de mandar arquivar os autos de instrução preparatória sob o processo Nº53/A/PRC/2009, abstendo-se de acusar Octávio Filiano Muthemba, Jamú Sulemane Hassan, Omaia Salimo e Álvaro Julião Massinga, então arguidos do chamado “Caso Banco Austral”.

Esta decisão, que caiu como uma bomba em certos círculos, é interpretada como falta de vontade política de investigar para apurar os verdadeiros responsáveis pela morte do economista Siba-Siba Macuá­cua e da gestão calamitosa do Banco Austral no seio dos gestores moçambicanos. As baterias viraram para os ma­laios.

O Banco Austral entrou na rota de bancarrota por fraudes e créditos malparados na ordem dos 150 milhões de USD quando estava sob gestão dos malaios da Southern Bank Berhad (SBB) e de alguns moçambicanos com ligações à nomenklatura.

Estes empréstimos empur­raram o extinto Banco Austral a uma situação de falência técnica devido à pesada carteira de crédito malparado, originado por uma gestão danosa da sua Administração que concedeu créditos e financiamentos in­com­patíveis com as disponi­bilidades financeiras da institui­ção. O SAVANA tem evidências do profundo envolvimento de alguns dos administradores em práticas de má gestão no Banco Austral.

Dois despachos

Lembre-se que após a de­tenção de Parente Júnior, em Dezembro de 2008, a PGR exarou, a 19 de Janeiro de 2009, um despacho de abstenção a Octávio Muthemba, Álvaro Massinga, ex-membro do Con­selho Fiscal do Banco Austral; Jamú Hassan e Arlete Patel, ex-administradores do Banco Austral, no processo do assas­sinato de António Siba Siba Macuácua. Estavam igualmente na lista dos que deixaram de ser suspeitos do MP no assassinato de Siba-Siba, Almirante Banze, Mário da Costa, José Costa Rodrigues Soares e Manso Finiche Juízo, Jorge Manuel Ferreira da Costa Marques, José Manuel Lino Barroca, Jerry Hopa Manganhela, António Fabião Maugalisso, Henrique Paulo Morrepa, Pio João Malemba, Abubacar Ismael, Carlitos Fran­cisco Armação, Ilídio Miguel Laque e Momad Assif Satar.

Semana passada, a mesma procuradoria voltou a exarar um despacho de abstenção de Octávio Muthemba, Álvaro Massinga, Jamú Hassan e Omaia Salimo, no processo de gestão danosa do Banco Aus­tral, intentado pelo Banco de Moçambique (BM). Abriu um processo autónomo contra os gestores malaios, uma atitude que é descrita como uma estratégia para desviar atenções dos verdadeiros saqueadores daquela instituição bancária.

O processo

No seu despacho de absten­ção datado de 1 de Abril e assinado pela magistrada Amé­lia Machava, o MP escreve que os factos imputados aos accio­nistas do banco não são cri­minalmente relevantes. Mas o documento faz notar que há espaço para o accionamento de mecanismos para a recupe­ração de dinheiro de que os quatro se beneficiaram em forma de créditos e insta o Banco Central a puni-los mediante processos administrativos.

Porém, no ano passado o Centro de Integridade Pública (CIP), quando se debruçava sobre esta matéria, questionava a inércia do MP no esclare­cimento deste assunto. Uma das questões que levantava era do porque o MP não respon­sabilizava os gestores do banco pelo crime de gestão danosa ou ruinosa. Este crime é punido pelo artigo 104º da lei 15/99, de 1 de Novembro, que prevê factos ilícitos cometidos no âmbito da actividade bancária.

Já o artigo 482º do Código Penal prevê a gestão negligente ou culposa. Para o CIP, este artigo pode ser usado pelo MP para accionar mecanismos de responsabilidade criminal, neste caso do Banco Austral.

Malaios

Em relação aos malaios responsáveis pela gestão co­rrente do banco, nomeadamente Koonjambu Muganthan, Marcus Young e Leong Yit Ket, o MP decidiu pela instauração de um processo autónomo contra os mesmos. Os malaios estão fora de Moçambique há nove anos.

O fundamento da decisão radica na existência de “fortes suspeitas” de o trio ter cometido o crime de violação das regras de gestão, previsto e punido pelo disposto no artigo 12 da Lei 9/87, de 19 de Setembro. Lembre que Koonjambu Muganthan liderava a direcção executiva do banco.

A instrução dos autos ora arquivados teve por base uma solicitação efectuada pelo BM. A entidade supervisora preten­dia que a PGR investigasse se teria havido uma gestão ruinosa no Banco Austral e que teria levado à degradação continuada dos indicadores económicos financeiros do mesmo.

Do enquadramento jurídico

Um dos principais funda­mentos de que o MP se serviu para se abster de acusar os accionistas do banco tem o seu enquadramento jurídico na Lei 9/87, mormente o artigo 12. Dispõe este artigo que comete o crime de violação de regras de gestão, entre outros, todo aquele que for directamente respon­sável pela desorganização de sectores de produção ou de prestação de serviço, pela ausência de direcção, do con­trolo contabi­lístico ou desorga­nização conta­bilística, que causem prejuízo.

Segundo o despacho, à data dos factos, os quatros ac­cionistas ocupavam cargos nos órgãos sociais do banco, po­sições que não lhes permitiam participar da gestão corrente da instituição, porquanto não tinham funções executivas.

Afirma que a direcção exe­cutiva é que tinha poderes para, dentro dos limites das suas atribuições, praticar todos os actos com vista à prossecução do objecto da sociedade, o que incluía a faculdade de conceder ou não crédito. Esta questão, segundo alguns analistas, levanta a velha questão sobre a relevância dos administradores não executivos.

“Dai que qualquer acto susceptível de integrar a desor­ganização da contabilidade e causar prejuízo deva ser im­putado à direcção executiva, salvo se houver prova de envolvimento de outros na actuação desta”, sublinha a magistrada do MP.

Créditos

Os quatros accionistas a quem o MP se absteve de acusar beneficiaram de avultados créditos daquele banco, quer a título individual quer através de empresas por eles participadas. Os créditos pessoais eram por eles solicitados ao banco e os das sociedades em que tinham interesses (participações) eram solicitados pelos gestores das mesmas.

A magistrada Amélia Macha­va indica que no decurso da instrução preparatória, não foram trazidos elementos que demonstrassem de forma objec­tiva alguma ingerência na actuação da direcção executiva por parte dos arguidos Octávio Muthemba, Jamú Hassan, Ál­varo Massinga e Omaia Salimo. Aliás, o despacho diz que os créditos concedidos aos quatros accionistas foram dentro dos limites da alçada da direcção executiva.

“Dai não se lhes pode imputar sob qualquer forma, o crime em que vêm indiciados”, lê-se.

Dois regimes jurídicos

O MP reconhece, porém, que os quatro accionistas quando solicitaram créditos para eles próprios e/ou permitiram que fossem concedidos créditos a empresas por eles participadas e seus familiares, não ignoravam que agiam em violação da lei e do Manual da Política de Crédito.

Acontece que durante o período em que se reportam os factos, as actividades das instituições financeiras e de crédito estiveram sob dois regimes jurídicos diferentes, respectivamente o da Lei 28/91, de 31 de Dezembro, e o da Lei 15/99, de 1 de Novembro.

Nos termos do artigo 37 da Lei 28/91, de 31 Dezembro, não era permitida a concessão de créditos ou a prestação de garantias por uma instituição de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, aos membros dos seus órgãos sociais e aos seus directores, consultores e gerentes ou mandatários. As violações deste dispositivo eram punidas nos termos do artigo 83 e seguintes da lei ora em referência. Mas para a sua aplicação era competente o Governador do BM, nos termos do nº 1 do artigo 90 da Lei 28/91, com a excepção das situações previstas no seu nº 2.

O regime jurídico posterior (Lei 15/99, de 1 de Novembro) veio agravar as sanções pre­vistas para tais práticas, bem como a tipificação do crime de gestão ruinosa.

“No entanto, por força de um dispositivo legal contido nesta mesma Lei, as instituições financeiras e de crédito pré-existentes à Lei 15/99, de 1 de Novembro, tinham um ano para conformarem a sua actividade às novas disposições legais reguladoras da sua actividade”, escreve a magistrada Machava. Para aquelas instituições, as disposições do novo regime jurídico se tornavam efectivas a partir de 1 de Novembro de 2000.

A actuação dos quatro ac­cionistas viola a lei (Lei 15/99, de 1 de Novembro), mas be­neficiaram do princípio da tipicidade/legalidade, que pode ser entendido como sendo a proibição de retroactividade da lei penal: “a lei que institui o crime e a pena deve ser anterior ao facto que pretende punir e só a lei em sentido restrito (formal) pode criar tipos legais e penas criminais”. Na verdade, os actos praticados pelos arguidos repor­tam-se ao período que vai de Setembro de 1997 a Abril de 2001, quando foi interven­cionado pelo Estado, “sendo por isso aplicável o regime previsto na Lei 28/91, de 31 de De­zembro”.

Recuperação de dinheiro

Os contratos de mútuo juntos aos autos atestam que os quatro accionistas receberam valores monetários a título de crédito e que se mostram não reem­bolsados nos termos acordados com o Banco Austral. O des­pacho do MP diz haver lugar para o accionamento dos meca­nismos competentes com vista à recuperação dos montantes, “sendo que a legitimidade para accionar os mecanismos legais recai sobre o próprio Banco Austral”.

Exceptuam-se os casos em que os créditos foram trans­feridos para o Estado, pois, nesses, é competente o MP, representante do Estado em Juízo – artigo 20 do CPC (Código do Processo Civil).

Lembre-se que Tesouro moçambicano continua a cobrar os mediáticos créditos malpa­rados retirados do ex-Banco Austral à velocidade de cama­leão. No âmbito do processo de reprivatização do Banco Austral, foram transferidos para o Esta­do, a 8 de Agosto de 2002, 70 processos de créditos mal­parados, aprovisionados em 100%, no valor de 346.902 mil meticais. Estes 70 processos, considerados “muito sensíveis”, foram transferidos pelo Banco Austral para cobrança estatal, no quadro de um contrato de cessão de créditos celebrado entre ambos.
Porém, é opinião partilhada por fontes bem colocadas, que são estes 70 “devedores especiais”, leia-se “figuras da nomen­klatura”, que terão sido o móbil que precipitou a violenta morte de António Siba-Siba Macuá­cua.

Regras pontapeadas

O manual de política de crédito do Banco Austral proibia a con­cessão de créditos a membros do con­selho de administração e/ou seus cônjuges ou familiares directos (próxi­mos). Proi­bia também a concessão de créditos a empresas (com­panhias) quando um membro do conselho de adminis­tração fosse di­rec­tor da empresa inte­ressada, quan­do tives­se interesses directos ou in­directos em mais de 10% do capital social, quando tivesse controlo sobre os gestores ou influência nas decisões dos gestores da empresa.

A conduta dos quatro accionistas violou as nor­mas regulamentares da activi­dade bancária, prin­cipal­mente o manual da Política de Crédito do Ban­co Austral, os avisos do BM e as contra­venções pre­vis­tas nos termos do artigo 52 da Lei 15/99, de 1 de Nov­embro.

“Tais condutas são pu­níveis mediante processo admi­nis­trativo, cujos termos devem correr no Banco de Mo­çam­bique”, escreve a magistrada. Na prática, a PGR devolveu a bola ao BM, apelando a esta ins­tituição para que re­solva o problema. Mas Octávio Mu­themba tem mais um pro­cesso por en­frentar, que tem a ver com a drenagem de fundos do Banco Austral para financiar empresas com as quais tinha ligações .



Por Emídio Beúla, SAVANA, 09/04/10

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