A PGR ao nível da cidade de Maputo acaba de mandar arquivar os autos de instrução preparatória sob o processo Nº53/A/PRC/2009, abstendo-se de acusar Octávio Filiano Muthemba, Jamú Sulemane Hassan, Omaia Salimo e Álvaro Julião Massinga, então arguidos do chamado “Caso Banco Austral”.
Esta decisão, que caiu como uma bomba em certos círculos, é interpretada como falta de vontade política de investigar para apurar os verdadeiros responsáveis pela morte do economista Siba-Siba Macuácua e da gestão calamitosa do Banco Austral no seio dos gestores moçambicanos. As baterias viraram para os malaios.
O Banco Austral entrou na rota de bancarrota por fraudes e créditos malparados na ordem dos 150 milhões de USD quando estava sob gestão dos malaios da Southern Bank Berhad (SBB) e de alguns moçambicanos com ligações à nomenklatura.
Estes empréstimos empurraram o extinto Banco Austral a uma situação de falência técnica devido à pesada carteira de crédito malparado, originado por uma gestão danosa da sua Administração que concedeu créditos e financiamentos incompatíveis com as disponibilidades financeiras da instituição. O SAVANA tem evidências do profundo envolvimento de alguns dos administradores em práticas de má gestão no Banco Austral.
Dois despachos
Lembre-se que após a detenção de Parente Júnior, em Dezembro de 2008, a PGR exarou, a 19 de Janeiro de 2009, um despacho de abstenção a Octávio Muthemba, Álvaro Massinga, ex-membro do Conselho Fiscal do Banco Austral; Jamú Hassan e Arlete Patel, ex-administradores do Banco Austral, no processo do assassinato de António Siba Siba Macuácua. Estavam igualmente na lista dos que deixaram de ser suspeitos do MP no assassinato de Siba-Siba, Almirante Banze, Mário da Costa, José Costa Rodrigues Soares e Manso Finiche Juízo, Jorge Manuel Ferreira da Costa Marques, José Manuel Lino Barroca, Jerry Hopa Manganhela, António Fabião Maugalisso, Henrique Paulo Morrepa, Pio João Malemba, Abubacar Ismael, Carlitos Francisco Armação, Ilídio Miguel Laque e Momad Assif Satar.
Semana passada, a mesma procuradoria voltou a exarar um despacho de abstenção de Octávio Muthemba, Álvaro Massinga, Jamú Hassan e Omaia Salimo, no processo de gestão danosa do Banco Austral, intentado pelo Banco de Moçambique (BM). Abriu um processo autónomo contra os gestores malaios, uma atitude que é descrita como uma estratégia para desviar atenções dos verdadeiros saqueadores daquela instituição bancária.
O processo
No seu despacho de abstenção datado de 1 de Abril e assinado pela magistrada Amélia Machava, o MP escreve que os factos imputados aos accionistas do banco não são criminalmente relevantes. Mas o documento faz notar que há espaço para o accionamento de mecanismos para a recuperação de dinheiro de que os quatro se beneficiaram em forma de créditos e insta o Banco Central a puni-los mediante processos administrativos.
Porém, no ano passado o Centro de Integridade Pública (CIP), quando se debruçava sobre esta matéria, questionava a inércia do MP no esclarecimento deste assunto. Uma das questões que levantava era do porque o MP não responsabilizava os gestores do banco pelo crime de gestão danosa ou ruinosa. Este crime é punido pelo artigo 104º da lei 15/99, de 1 de Novembro, que prevê factos ilícitos cometidos no âmbito da actividade bancária.
Já o artigo 482º do Código Penal prevê a gestão negligente ou culposa. Para o CIP, este artigo pode ser usado pelo MP para accionar mecanismos de responsabilidade criminal, neste caso do Banco Austral.
Malaios
Em relação aos malaios responsáveis pela gestão corrente do banco, nomeadamente Koonjambu Muganthan, Marcus Young e Leong Yit Ket, o MP decidiu pela instauração de um processo autónomo contra os mesmos. Os malaios estão fora de Moçambique há nove anos.
O fundamento da decisão radica na existência de “fortes suspeitas” de o trio ter cometido o crime de violação das regras de gestão, previsto e punido pelo disposto no artigo 12 da Lei 9/87, de 19 de Setembro. Lembre que Koonjambu Muganthan liderava a direcção executiva do banco.
A instrução dos autos ora arquivados teve por base uma solicitação efectuada pelo BM. A entidade supervisora pretendia que a PGR investigasse se teria havido uma gestão ruinosa no Banco Austral e que teria levado à degradação continuada dos indicadores económicos financeiros do mesmo.
Do enquadramento jurídico
Um dos principais fundamentos de que o MP se serviu para se abster de acusar os accionistas do banco tem o seu enquadramento jurídico na Lei 9/87, mormente o artigo 12. Dispõe este artigo que comete o crime de violação de regras de gestão, entre outros, todo aquele que for directamente responsável pela desorganização de sectores de produção ou de prestação de serviço, pela ausência de direcção, do controlo contabilístico ou desorganização contabilística, que causem prejuízo.
Segundo o despacho, à data dos factos, os quatros accionistas ocupavam cargos nos órgãos sociais do banco, posições que não lhes permitiam participar da gestão corrente da instituição, porquanto não tinham funções executivas.
Afirma que a direcção executiva é que tinha poderes para, dentro dos limites das suas atribuições, praticar todos os actos com vista à prossecução do objecto da sociedade, o que incluía a faculdade de conceder ou não crédito. Esta questão, segundo alguns analistas, levanta a velha questão sobre a relevância dos administradores não executivos.
“Dai que qualquer acto susceptível de integrar a desorganização da contabilidade e causar prejuízo deva ser imputado à direcção executiva, salvo se houver prova de envolvimento de outros na actuação desta”, sublinha a magistrada do MP.
Créditos
Os quatros accionistas a quem o MP se absteve de acusar beneficiaram de avultados créditos daquele banco, quer a título individual quer através de empresas por eles participadas. Os créditos pessoais eram por eles solicitados ao banco e os das sociedades em que tinham interesses (participações) eram solicitados pelos gestores das mesmas.
A magistrada Amélia Machava indica que no decurso da instrução preparatória, não foram trazidos elementos que demonstrassem de forma objectiva alguma ingerência na actuação da direcção executiva por parte dos arguidos Octávio Muthemba, Jamú Hassan, Álvaro Massinga e Omaia Salimo. Aliás, o despacho diz que os créditos concedidos aos quatros accionistas foram dentro dos limites da alçada da direcção executiva.
“Dai não se lhes pode imputar sob qualquer forma, o crime em que vêm indiciados”, lê-se.
Dois regimes jurídicos
O MP reconhece, porém, que os quatro accionistas quando solicitaram créditos para eles próprios e/ou permitiram que fossem concedidos créditos a empresas por eles participadas e seus familiares, não ignoravam que agiam em violação da lei e do Manual da Política de Crédito.
Acontece que durante o período em que se reportam os factos, as actividades das instituições financeiras e de crédito estiveram sob dois regimes jurídicos diferentes, respectivamente o da Lei 28/91, de 31 de Dezembro, e o da Lei 15/99, de 1 de Novembro.
Nos termos do artigo 37 da Lei 28/91, de 31 Dezembro, não era permitida a concessão de créditos ou a prestação de garantias por uma instituição de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, aos membros dos seus órgãos sociais e aos seus directores, consultores e gerentes ou mandatários. As violações deste dispositivo eram punidas nos termos do artigo 83 e seguintes da lei ora em referência. Mas para a sua aplicação era competente o Governador do BM, nos termos do nº 1 do artigo 90 da Lei 28/91, com a excepção das situações previstas no seu nº 2.
O regime jurídico posterior (Lei 15/99, de 1 de Novembro) veio agravar as sanções previstas para tais práticas, bem como a tipificação do crime de gestão ruinosa.
“No entanto, por força de um dispositivo legal contido nesta mesma Lei, as instituições financeiras e de crédito pré-existentes à Lei 15/99, de 1 de Novembro, tinham um ano para conformarem a sua actividade às novas disposições legais reguladoras da sua actividade”, escreve a magistrada Machava. Para aquelas instituições, as disposições do novo regime jurídico se tornavam efectivas a partir de 1 de Novembro de 2000.
A actuação dos quatro accionistas viola a lei (Lei 15/99, de 1 de Novembro), mas beneficiaram do princípio da tipicidade/legalidade, que pode ser entendido como sendo a proibição de retroactividade da lei penal: “a lei que institui o crime e a pena deve ser anterior ao facto que pretende punir e só a lei em sentido restrito (formal) pode criar tipos legais e penas criminais”. Na verdade, os actos praticados pelos arguidos reportam-se ao período que vai de Setembro de 1997 a Abril de 2001, quando foi intervencionado pelo Estado, “sendo por isso aplicável o regime previsto na Lei 28/91, de 31 de Dezembro”.
Recuperação de dinheiro
Os contratos de mútuo juntos aos autos atestam que os quatro accionistas receberam valores monetários a título de crédito e que se mostram não reembolsados nos termos acordados com o Banco Austral. O despacho do MP diz haver lugar para o accionamento dos mecanismos competentes com vista à recuperação dos montantes, “sendo que a legitimidade para accionar os mecanismos legais recai sobre o próprio Banco Austral”.
Exceptuam-se os casos em que os créditos foram transferidos para o Estado, pois, nesses, é competente o MP, representante do Estado em Juízo – artigo 20 do CPC (Código do Processo Civil).
Lembre-se que Tesouro moçambicano continua a cobrar os mediáticos créditos malparados retirados do ex-Banco Austral à velocidade de camaleão. No âmbito do processo de reprivatização do Banco Austral, foram transferidos para o Estado, a 8 de Agosto de 2002, 70 processos de créditos malparados, aprovisionados em 100%, no valor de 346.902 mil meticais. Estes 70 processos, considerados “muito sensíveis”, foram transferidos pelo Banco Austral para cobrança estatal, no quadro de um contrato de cessão de créditos celebrado entre ambos.
Porém, é opinião partilhada por fontes bem colocadas, que são estes 70 “devedores especiais”, leia-se “figuras da nomenklatura”, que terão sido o móbil que precipitou a violenta morte de António Siba-Siba Macuácua.
Regras pontapeadas
O manual de política de crédito do Banco Austral proibia a concessão de créditos a membros do conselho de administração e/ou seus cônjuges ou familiares directos (próximos). Proibia também a concessão de créditos a empresas (companhias) quando um membro do conselho de administração fosse director da empresa interessada, quando tivesse interesses directos ou indirectos em mais de 10% do capital social, quando tivesse controlo sobre os gestores ou influência nas decisões dos gestores da empresa.
A conduta dos quatro accionistas violou as normas regulamentares da actividade bancária, principalmente o manual da Política de Crédito do Banco Austral, os avisos do BM e as contravenções previstas nos termos do artigo 52 da Lei 15/99, de 1 de Novembro.
Por Emídio Beúla, SAVANA, 09/04/10
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