É alarmante: quatro em cada dez crianças menores de cinco anos sofrem de desnutrição crónica em Moçambique. A situação é tão grave que especialistas recomendam ao governo para declarar uma emergência para remediar este desastre.
Estas conclusões aparecem no Relatório de Avaliação do Impacto do Plano de Acção para Redução da Pobreza Absoluta (PARPA 2006- 2009) na área de nutrição, elaborado por uma equipa de técnicos do governo, Nações Unidas e sociedade civil.
Subjacente a todos os diagnósticos aparece um facto incontornável - a pobreza. Apesar de alguns avanços, mais da metade dos 20.5 milhões de moçambicanos, especialmente o 70% de população rural, vive em baixo da linha de pobreza.
A maioria das famílias rurais tem um ganho em efectivo de menos de trinta meticais por semana, segundo dados preliminares do Inquérito do Trabalho Agrícola (TIA) de 2008 do Ministério da Agricultura. A maior parte estava mais pobre em 2008 que em 2002, revelou o TIA.
“Tal vez metade da população total esta a afundar-se cada vez mais na pobreza. Tem poucos bens, quase sempre come do que produz e depende de insignificantes quantias de dinheiro ganhas em trabalho temporário ou pequeno comercio. E tão pobre que não come o suficiente,” escreveu o professor Joseph Hanlon no livro “Há mais bicicletas - mas há desenvolvimento?” de 2008.
Para as pessoas com emprego formal, há vários anos que o salário mínimo não cobre a cesta básica de alimentos para uma família, segundo cálculos do Ministério da Saúde.
O salário mínimo varia entre 1,485 e 2,400 meticais segundo o sector de emprego. O custo da cesta básica é de 5.229 meticais, representando o consumo básico de arroz, feijão, farinha de milho, amendoim, peixe, vegetais e legumes, pão, óleo, açúcar, carvão vegetal, petróleo de iluminação, transporte e sabão (excluindo água, luz, telefone e lazer) para uma família de cinco pessoas.
Este panorama de pobreza ocorre apesar do país registar um crescimento económico anual médio de sete por cento nos últimos anos. O Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) descreve esta situação como o paradoxo central do desenvolvimento em Moçambique.
“O desenvolvimento económico que o país regista não se traduz em benefícios automáticos para as pessoas necessitadas”, disse Maaike Arts, especialista em nutrição do Unicef. “Isto pode ser porque existe distribuição desigual da riqueza, pois uma parte da população se beneficia mais que a outra”.
O relatório analisa causas da desnutrição em vários níveis:
• Consumo inadequado de alimentos;
• Fraca saúde;
• Insegurança alimentar;
• Fraco estado nutricional das mães antes e durante a gravidez; pouco aleitamento materno exclusivo; baixo peso a nascença.
• Disponibilidade inadequada de serviços de saúde, saneamento e água potável;
• Pouca educação das mães; hábitos alimentares inadequados;
• Falta de recursos humanos e naturais, ou gestão inadequada dos recursos disponíveis.
As províncias com taxas mais elevadas da desnutrição crónica infantil (baixa altura para idade) são Cabo Delgado e Nampula, com mais de 50%, seguindo-se Zambézia, Niassa, Tete, e Manica, acima do 45%.
Se bem que entre 2003 e 2008 Moçambique conseguiu reduzir a prevalência da desnutrição crónica entre crianças menores de cinco anos de 48% para 44%, ainda continua no nível mais crítico definido pela Organização Mundial da Saúde
É igualmente alarmante a prevalência da desnutrição crónica em crianças menores de seis meses, uma idade em que não se espera taxas altas. Isto acontece porque ”a desnutrição crónica é um fenómeno intergeneracional que começa antes da criança nascer, resultando do estado nutricional da mãe antes da gravidez”, explica o relatório.
A desnutrição crónica afecta negativamente o progresso físico e mental e o desempenho escolar das crianças, o que prejudica o potencial nacional em termos da futura força de trabalho.
Fome permanente
A insegurança alimentar não é apenas crónica ou transitória devido às secas, cheias e ciclones, e complicada pela epidemia do HIV/SIDA. A insegurança alimentar é permanente para muitos. Em 2008, 450 mil pessoas viviam com insegurança alimentar extrema. O período mais critico e entre Outubro e Fevereiro, antes da colheita, quando já consumiram os excedentes da colheita anterior.
A insegurança alimentar é calculada pela disponibilidade e acesso aos alimentos e na qualidade de dieta, número médio de refeições consumidas e a quantidade e tipo de alimentos consumidos.
A dieta alimentar dos moçambicanos é baseada em milho, mapira, arroz, mandioca no norte, e feijão. O consumo de proteínas - carne, ovos e leite - é muito baixo.
“Há uma fraca educação alimentar, as pessoas podem ter acesso a produtos locais com capacidade de oferecer uma dieta saudável, como exemplo, verduras, couve, matapa, alface, feijão, fígado, peixe, moelas e frutas da época, mas não consomem tais alimentos”, disse Edna Germack Possolo, chefe do Departamento de Nutrição do Ministério da Saúde
Um estudo de 2009 entre famílias urbanas revela que 40% têm baixa diversidade da dieta, consumindo menos de três grupos de alimentos.
“Falta diversidade de alimentos pois as pessoas não têm condições financeiras para comprar alimentos ”, considera Nádia Osman, oficial de nutrição do Programa Mundial de Alimentação em Moçambique.
Outro problema preocupante é a carência de micronutrientes: 74% das crianças menores de cinco anos são anémicas, 69% tem falta da vitamina A, e quase 70% das crianças em idade escolar sofre de deficiência de iodo.
Não ajuda que 64% da população carece de cuidados de saúde num raio de 30 minutos das suas casas e 56% dos moçambicanos continuam sem água potável.
Critérios pouco claros
Finalmente, fazem falta recursos humanos, disse o relatório. Calcula-se que são necessários 275 técnicos de nutrição e dietética em todo o país. Actualmente há 90.
“Os critérios de colocação não são claros,” diz o relatório. Províncias com altas taxas de desnutrição como Cabo Delgado, Niassa e Tete têm o menor número de técnicos, enquanto que as duas províncias com taxas menores - Maputo Cidade e Maputo Província – têm maior concentração. Sete de cada dez hospitais rurais e gerais não possuem técnicos de nutrição.
O estudo conclui que “não houve uma priorização nem uma coordenação para as intervenções na área da desnutrição crónica”.
Alves Talala, SAVANA, 16/04/10
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