Thursday, 11 September 2014

Por que é que eu desconfio de Filipe Nyusi?



 Tenho visto, pelos meios de comunicação social nacionais, um “spot” publicitário produzido para disseminar a campanha eleitoral do candidato às eleições presidenciais pelo partido actualmente no poder em Moçambique, Filipe Nyusi. No mesmo, um denominador comum é apresentado aos eleitores: meia dúzia de jovens a depor a favor do candidato dizendo “Nyusi, eu confio em ti”.
Achei a expressão muito interessante. Decidi então fazer alguma pesquisa instantânea em torno do conceito de confiança e as suas diversas “nuances”, para melhor perceber a extensão e a compreensão desse discurso propandístico. Regra geral, confiança é um sentimento de segurança ou a firme convicção que alguém tem relativamente a outra pessoa ou a algo. Confiar pode também ser a crença de que uma expectativa sobre algo ou alguém será concretizada no futuro, tomando como base experiências e resultados anteriores que reforçam tal sentimento. Portanto, para se confiar em algo ou em alguém há que se ter necessariamente provas anteriores. Sem essas provas ou evidências, o indivíduo que tem de confiar em algo ou em alguém tende a basear-se apenas na informação dada (frases simples do tipo “Nyusi, eu confio em ti”), acabando por seguir potencialmente uma linha de pensamento longe da verdade.


 Questões para reflexão


Como é que podemos estar seguros de que Nyusi será um bom Presidente da República? Apenas porque é o candidato do partido no poder? Ou porque já foi Ministro da Defesa? Ou ainda porque foi também um funcionário sénior dos Caminhos de Ferro de Moçambique? Ou porque foi Presidente do Clube Ferroviário de Nampula e com ele venceu o Campeonato Nacional de Futebol de 2004? Em sã consciência, estas “experiências e resultados anteriores” não reforçam convincentemente a confiança que Nyusi supostamente transmite. Todos os que têm olhos de ver sabem que a escolha de Nyusi como candidato da Frelimo às eleições presidenciais é resultado mais das dinâmicas internas de distribuição de poder naquele partido do que de qualidades pessoais de liderança e/ou de realização que ele possui. Era “inadiável” a hora de se designar um Presidente da República oriundo de uma região diferente da do sul de Moçambique e, porque dos históricos fundadores do movimento de libertação nacional “herdado” pelo partido Frelimo, Alberto Chipande era o nome que se seguia. Devido à sua idade avançada, este obviamente usou do seu poderoso “lobby” interno para apadrinhar e promover Nyusi, de origens iguais à sua. Mais nada. Em paralelo, as provas de liderança de Filipe Nyusi são quase todas construídas com pilares de caniço. Ele foi Ministro da Defesa sim, mas todo o mundo sabe que este é um cargo para o qual o Presidente da República designa apenas pessoas de confiança política absoluta. Portanto, não estaria muito longe da limpidez da verdade se dissesse que não foi devido a qualquer elemento de competência técnica pessoal de Nyusi que ele foi nomeado Ministro da Defesa. Certamente que o mesmo não pode ser dito do cargo que Nyusi exerceu com funcionário sénior dos Caminhos de Ferro de Moçambique, devido à sua área de formação como engenheiro, mas o argumento morre de morte súbita ao se tentar relacionar com o facto de ter sido campeão nacional de futebol como dirigente desportivo. É que todo mundo sabe que qualquer clube ferroviário do país tem na sua estrutura directiva quadros de alto escalão junto dos Caminhos de Ferro de Moçambique – logo, estes cargos não são ocupados por competência dos seus usuários mas sim por cultura ou normas de protocolo interno – e, só por essa via, qualquer um dos seus dirigentes máximos não pode vir a ser um bom Presidente da República somente porque já venceu um e outro campeonato nacional.
Por outro lado, confiança também tem a ver com a familiaridade na forma de tratamento. Normalmente, nós confiamos “instintivamente” nos nossos pais, irmãos, parceiros, amigos ou colegas. Portanto, nas pessoas com as quais temos convivido no nosso dia-a-dia e com as quais temos tido relações profissionais, sociais ou afectivas. Ora, objectivamente, o povo moçambicano não tem nenhum laço de empatia com Filipe Nyusi anterior à sua escolha como candidato presidencial da Frelimo. As únicas pessoas que conheciam Nyusi, para além dos seus familiares e amigos, eram os seus camaradas na Frelimo e os colegas nos Caminhos de Ferro, no Ministério da Defesa Nacional e no Clube Ferroviário de Nampula. Só para relembrar, Nyusi era o pré-candidato menos cotado junto das massas partidárias da Frelimo e da opinião pública nacional, inicialmente. Foi literalmente imposto aos demais pela centena e meia de membros que formam a elite dirigente da Frelimo junto da sua Comissão Política. Não foi por acaso que, depois da sua escolha, se orquestrou uma “estratégia consensual” de apoio e uma pesada campanha industrial de propaganda, sem memória no país, para a promoção da sua imagem bem como das suas “experiências e resultados anteriores”. É por aqui onde eu situo aqueles jovens que aparecem nos “spots” propagandísticos a testemunhar a sua confiança cega em Nyusi. É aqui onde eu situo os “amigos de Nyusi” em voga pelos meios de comunicação e redes sociais. Jovens que congelaram voluntariamente a sua consciência no frigorífico da confiança obrigatória em Nyusi, imposta pelas elites dirigentes e fabricada nos fornos de um consenso artificial vendido aos potenciais eleitores com requintes coloridos de unanimidade.
Concluindo, confiança supõe uma suspensão da incerteza relativamente às acções de algo ou de alguém em quem confiamos no futuro. Portanto, quando confiamos em algo ou em alguém, nos esquecemos plenamente de todo o mal que provavelmente nos possa vir a ser feito por sua causa. Quando alguém nos aparece a dizer que confia em Nyusi ou que quer que nós confiemos nele, nas telas dos nossos televisores, nas nossas ruas e mercados ou nos nossos murais nas redes sociais, está a dizer para enterrarmos toda e qualquer dúvida a seu respeito. Eu não sou tal idiota. Eu desconfio de Nyusi, particularmente por dizer que o seu manifesto eleitoral é integralmente a continuidade da governação presidencial anterior. É que a governação anterior alcançou níveis históricos de descontentamento popular (expresso pelos sistemáticos levantamentos e manifestações populares e pela viragem para a oposição nas últimas eleições autárquicas), para além de ter sido uma sucessão invariável de políticas públicas falhadas traduzidas na erosão da qualidade de vida, de ensino e de provisão de saúde aos cidadãos (lembre-se dos relatórios sobre o índice de desenvolvimento humano produzidos por instituições nacionais e internacionais), no descalabro da segurança pública (conflito armado entre o Governo da Frelimo e a Remano, recrudescimento do crime violento e de crimes associados à desigual redistribuição de riqueza), no triunfo da corrupção e o sequestro dos bens, recursos e serviços do Estado (envolvendo membros seniores do partido no poder), bem como no surgimento exponencial de ilhas de prosperidade (mansões, condomínios e complexos turísticos de luxo) cercadas por mantos oceânicos de pobreza extrema nas zonas urbanas, de expansão e rurais. Se confiar em Nyusi significa automática e cegamente votar nele e na continuidade disto, então prefiro desconfiar dele. E, até, começar a denunciá-lo.



(Edgar Barroso, Canalmoz)

1 comment:

Anonymous said...

Ficar ao Lado de Nyusi é perder meu apelido ou roubar no país e fugir para um país que não é meu, perder a minha forma real de ser.