A vitória de Filipe Nyussi corresponde a uma recomposição do poder no seio do Partido Frelimo. Nyussi representa agora o eixo por onde vão girar os interesses de Armando Guebuza, Joaquim Chisssano e Alberto Chipande. O Ministro da Defesa era um dos três pré- candidatos da Comissão Política e, nessa perspectiva, foi sempre visto como correia de transmissão da voz e poder de Guebuza (tal como os outros dois), que perpetuaria, por via disso, o seu controle da Ponta Vermelha, o palácio presidencial moçambicano.
Mas nos corredores da política mais chegados ao poder, sabe-se que a preferência inicial de Guebuza era José Pacheco (o mais experiente dos três do ponto de vista de governação e acção política, incluindo na manipulação da força repressiva do Estado, e também do ponto de vista empresarial, e aqui não se esquece a sua propensão para negócios pouco claros à luz da transparência).
Quando rebentou a polémica que culminou com a impugnação da proposta eleitoral da Comissão Política, o cenário abriu-se para novas dinâmicas, incluíndo cedências relativas da parte Guebuza. Cedências relativas porque, para Guebuza, foi sempre claro que qualquer que fosse o eleito, este teria de ter o seu beneplácito. Outro cenário era impensável.
E começou a emergir Nyussi, que não era propriamente a primeira preferência de Guebuza. Aliás, sabe-se agora que Nyussi foi uma imposição de Alberto Chipande dentro da Comissão Política. Uma fotografia histórica do antigo Bureau Político da Frelimo propunha, nos anos 80, uma linha de sucessão clara: Samora Machel, Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Alberto Chipande... A crer na vaga especulativa que rodeou aquela imagem, a vez de Chipande só chegaria depois de Guebuza e o facto de ele ser, hoje, a par de Guebuza, o único sobrevivente histórico na Comissão Política reforçou a crença.
À luz destes factos, Chipande teria de ter um peso relativamente forte na determinação do sucessor de Guebuza. Chipande é maconde assim como Nhussi e isso explica muito. Aliás, no contexto da actual de ascenção de dirigentes de etnia macua na Frelimo, Vaquina, sendo macua, não teria muitas chances; e Pacheco já estava praticamente reprovado no julgamento da opinião pública.
Nyussi era, então, o único em que Guebuza poderia apostar nas novas circunstâncias, pois qualquer outro canditado posterior à impugnação (como foram os casos de Luísa Diogo e Ayres Aly) representaria um risco enorme para os seus interesses políticos e empresariais. E Chipande conseguiu finalmente impôr-se, alargando o seu campo de acção na guerra interna pelo controlo de recursos, ele que teve mais espaço para exercer o seu lobbie empresarial, centrado nos transportes e comunicações, quando Chissano era o Presidente.
Luisa Diogo, por mais reputação que tenha dentro e fora do país, não recebia a anuência de Guebuza: ela é uma figura com esperteza suficiente para reorientar o sentido da acumulação primária de capital por parte das elites (agora centrada nas famigeradas Parcerias Público Privadas, as quais incluem projectos como hotéis de luxo!), besliscando a actual tendência de concentração na família de Guebuza e noutras famílias sonantes como a de Machel. Reorientar o sentido da acumulação não significa tornar as coisas mais transparentes, abrindo oportunidades para mais moçambicanos. Significa disputar as oportunidades e até certo ponto questionar certa opções. E Guebuza não parece estar preparado para isso.
Mas Diogo também não era bem vista em certos círculos da opinião pública – alguns deles girando à volta de figuras de relevo do Partido – pela forma como geriu o dossier Banco Autral (desde a recapitalização até a venda ao ABSA, passando pela recuperação da dívida e por uma alegada falta de postura na forma como “ignorou” o assunto Siba Siba Macuacua”); alías, na semana do conclave os seus detractores externos ao Partido questionavam algumas nuances do rombo ao BCM (Millenium Bim), sugerindo coisas nada abonotárias contra uma figura que já representou o país em altos organismos internacionas e foi catapultada, enquanto governante, para os píncaros da fama mundial por revistas como Forbes e Time. Seja como for, Luisa Diogo não passou porque Guebuza não quis. O resto é uma parte acessória do enredo.
“O candidato que sair daqui será o nosso canditado”, disse Guebuza na abertura do conclave da Matola da semana passada. O “nosso” representava duas coisas: que Nyussi, sendo canditado da Comissão Política, e embora tendo sido imposto por Chipande, era também “seu” ; e por isso, ele também tinha legimitadade para controlá-lo.
Para além de Guebuza, só duas outras pessoas da Frelimo têm algum “controlo” sobre Nyussi: Chipande, de quem já falamos, e Joaquim Chissano. O antigo Presidente é uma figura com muita reputação entre macondes. Casado com Marcelina (maconde), Chissano grangeia enorme respeito no seio de uma boa parte da geração de antigos combatentes que, como se sabe, tem uma boa base étnica maconde e Nyussi cresceu dentro desse quadro de valores de luta anti-colonial e de afinidades para com o “cunhado”. Também ele olha para Chissano com o zelo de um filho obediente. E agora, com a sua ascenção, nada faz crer que Nyussi possa vir as costas àquela figura tutelar. Ou seja, o canditado da Frelimo terá sempre um canal aberto ao vencedor do Prémio Mo Ibrahim, que deixou o poder antes de iniciar o presente cash in com os negócios dos recursos naturais.
A percepção de que seria Nyussi o eleito explica a deferência do antigo Presidente relativamente aos seus pares no dia da votação . Subscritor da carta de impugnação, Chissano esboçou o seu sentido de luta contra o institinto maquiavélico de Guebuza, mas naquele dia estava manso e afável, como quem tivesse suspirado de alívio pela relativa reconquista de canais de decisão no jogo das oportunidades geradas pelos recursos minerais em Moçambique: o antigo presidente ja não vai ver navios a passar...
A eleição de Nhussi para candidado foi um mero formalismo, tal como fora em 2003 a eleição de Guebuza. O Partido faz transparencer a imagem de quem permite uma democracia limpa, mas, no fim, como alías em muito escolas partidárias, há quem comanda o jogo. E determina o “consenso final”. Uma coisa é certa, com Nyussi, Guebuza mantém-se maestro (aliás é ele quem manda no Partido, deixando, sobre isto, no ar, uma interrogação: até quando?), mas terá agora, em certa medida, de engolir uns sapos vivos, negociando com Chipande e Chissano alguns dos dossiers mais sensíveis. Uma batata quente para o canditado da nova geração, mas umbilicamente ligado à geração do 25 de Setembro, seu berço por excelência.
Marcelo Mosse, no Moçambique para todos
Mas nos corredores da política mais chegados ao poder, sabe-se que a preferência inicial de Guebuza era José Pacheco (o mais experiente dos três do ponto de vista de governação e acção política, incluindo na manipulação da força repressiva do Estado, e também do ponto de vista empresarial, e aqui não se esquece a sua propensão para negócios pouco claros à luz da transparência).
Quando rebentou a polémica que culminou com a impugnação da proposta eleitoral da Comissão Política, o cenário abriu-se para novas dinâmicas, incluíndo cedências relativas da parte Guebuza. Cedências relativas porque, para Guebuza, foi sempre claro que qualquer que fosse o eleito, este teria de ter o seu beneplácito. Outro cenário era impensável.
E começou a emergir Nyussi, que não era propriamente a primeira preferência de Guebuza. Aliás, sabe-se agora que Nyussi foi uma imposição de Alberto Chipande dentro da Comissão Política. Uma fotografia histórica do antigo Bureau Político da Frelimo propunha, nos anos 80, uma linha de sucessão clara: Samora Machel, Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Alberto Chipande... A crer na vaga especulativa que rodeou aquela imagem, a vez de Chipande só chegaria depois de Guebuza e o facto de ele ser, hoje, a par de Guebuza, o único sobrevivente histórico na Comissão Política reforçou a crença.
À luz destes factos, Chipande teria de ter um peso relativamente forte na determinação do sucessor de Guebuza. Chipande é maconde assim como Nhussi e isso explica muito. Aliás, no contexto da actual de ascenção de dirigentes de etnia macua na Frelimo, Vaquina, sendo macua, não teria muitas chances; e Pacheco já estava praticamente reprovado no julgamento da opinião pública.
Nyussi era, então, o único em que Guebuza poderia apostar nas novas circunstâncias, pois qualquer outro canditado posterior à impugnação (como foram os casos de Luísa Diogo e Ayres Aly) representaria um risco enorme para os seus interesses políticos e empresariais. E Chipande conseguiu finalmente impôr-se, alargando o seu campo de acção na guerra interna pelo controlo de recursos, ele que teve mais espaço para exercer o seu lobbie empresarial, centrado nos transportes e comunicações, quando Chissano era o Presidente.
Luisa Diogo, por mais reputação que tenha dentro e fora do país, não recebia a anuência de Guebuza: ela é uma figura com esperteza suficiente para reorientar o sentido da acumulação primária de capital por parte das elites (agora centrada nas famigeradas Parcerias Público Privadas, as quais incluem projectos como hotéis de luxo!), besliscando a actual tendência de concentração na família de Guebuza e noutras famílias sonantes como a de Machel. Reorientar o sentido da acumulação não significa tornar as coisas mais transparentes, abrindo oportunidades para mais moçambicanos. Significa disputar as oportunidades e até certo ponto questionar certa opções. E Guebuza não parece estar preparado para isso.
Mas Diogo também não era bem vista em certos círculos da opinião pública – alguns deles girando à volta de figuras de relevo do Partido – pela forma como geriu o dossier Banco Autral (desde a recapitalização até a venda ao ABSA, passando pela recuperação da dívida e por uma alegada falta de postura na forma como “ignorou” o assunto Siba Siba Macuacua”); alías, na semana do conclave os seus detractores externos ao Partido questionavam algumas nuances do rombo ao BCM (Millenium Bim), sugerindo coisas nada abonotárias contra uma figura que já representou o país em altos organismos internacionas e foi catapultada, enquanto governante, para os píncaros da fama mundial por revistas como Forbes e Time. Seja como for, Luisa Diogo não passou porque Guebuza não quis. O resto é uma parte acessória do enredo.
“O candidato que sair daqui será o nosso canditado”, disse Guebuza na abertura do conclave da Matola da semana passada. O “nosso” representava duas coisas: que Nyussi, sendo canditado da Comissão Política, e embora tendo sido imposto por Chipande, era também “seu” ; e por isso, ele também tinha legimitadade para controlá-lo.
Para além de Guebuza, só duas outras pessoas da Frelimo têm algum “controlo” sobre Nyussi: Chipande, de quem já falamos, e Joaquim Chissano. O antigo Presidente é uma figura com muita reputação entre macondes. Casado com Marcelina (maconde), Chissano grangeia enorme respeito no seio de uma boa parte da geração de antigos combatentes que, como se sabe, tem uma boa base étnica maconde e Nyussi cresceu dentro desse quadro de valores de luta anti-colonial e de afinidades para com o “cunhado”. Também ele olha para Chissano com o zelo de um filho obediente. E agora, com a sua ascenção, nada faz crer que Nyussi possa vir as costas àquela figura tutelar. Ou seja, o canditado da Frelimo terá sempre um canal aberto ao vencedor do Prémio Mo Ibrahim, que deixou o poder antes de iniciar o presente cash in com os negócios dos recursos naturais.
A percepção de que seria Nyussi o eleito explica a deferência do antigo Presidente relativamente aos seus pares no dia da votação . Subscritor da carta de impugnação, Chissano esboçou o seu sentido de luta contra o institinto maquiavélico de Guebuza, mas naquele dia estava manso e afável, como quem tivesse suspirado de alívio pela relativa reconquista de canais de decisão no jogo das oportunidades geradas pelos recursos minerais em Moçambique: o antigo presidente ja não vai ver navios a passar...
A eleição de Nhussi para candidado foi um mero formalismo, tal como fora em 2003 a eleição de Guebuza. O Partido faz transparencer a imagem de quem permite uma democracia limpa, mas, no fim, como alías em muito escolas partidárias, há quem comanda o jogo. E determina o “consenso final”. Uma coisa é certa, com Nyussi, Guebuza mantém-se maestro (aliás é ele quem manda no Partido, deixando, sobre isto, no ar, uma interrogação: até quando?), mas terá agora, em certa medida, de engolir uns sapos vivos, negociando com Chipande e Chissano alguns dos dossiers mais sensíveis. Uma batata quente para o canditado da nova geração, mas umbilicamente ligado à geração do 25 de Setembro, seu berço por excelência.
Marcelo Mosse, no Moçambique para todos
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