Wednesday, 31 August 2016

Ser “negado” três vezes


Na cultura moçambicana, no sentido mais amplo, o “ser negado” recebe a conotação de desqualificação. Não raramente, recebe o significado de estigmatizado, humilhado. Ouço comumente dizer-se “fulano foi negado”, “beltrana foi negada”, à frente já se sabe o que é. Todos se riem.
Todo aquele que é “negado” é alvo de chacota. Age como um búfalo ferido, porque o ser “negado” tem uma certa carga semântica no português corrente com o “inapto” ou o “ineficiente”. O “negado”, por causa da comiseração, sofre consequências sociais que o levam a agir fora do âmbito normal, acima do bem comum, acima do interesse social geral. É daí o motivo por que temos visto muito “negado (a)” queimar o carro, a roupa do consorte, numa atitude desesperada de reclamar para si a dignidade perdida. O bem mais precioso do ser humano.
Este intróito, ser “negado”, vem a propósito das motivações e razões de fundo que estão por detrás dos conflitos armados, digamos guerra, no meu país.
Vejamos: o nosso processo de paz é composto por uma “troika”.
Há os medicadores, os “negados” e os “negadores”. Os primeiros tentam dar aspirina para acalmar as partes. Temos dois promitentes interessados na cura, ou seja, um grupo de cidadãos, por ora “negados” e finalmente os “negadores”.
A missão dos “negados” é reclamar que estão sendo recusados.
A dos negadores é de se recusarem sempre, mesmo perante evidências verídicas e testemunhos.
A história é longa: os “negados” e “negadores” firmaram um acordo entre si. Foram a umas núpcias em Roma. Num dos hotéis tiveram lá as suas intimidades, diria, andaram aos beijinhos e passearam pelas ruas a sua classe de enamorados. Admiraram-se mutuamente pelos encantos.
O Padre da Capela Sistina benzeu-os e pariram um contrato chamado AGP. Quando regressaram ao país, para tomar o curso normal das suas vidas em comum, o “negadores” disseram que os tinham enganado no hotel, que o celebraram foi só para os aceitarem de tão sofridos que estavam pelo fogo ardente do namoro.
Fizeram-no para se desembaraçarem dos outros e assim “regressarmos de mãos dadas a casa”. Os “negados” sentiram-se atraiçoados na sua dignidade e reclamaram a reposição do que estava em falta. Mas em vão, pois a contraparte diz que já estava satisfeito com as núpcias e o casamento de papel assinado.
Os “negados” começaram a chorar pelos cantos, as pessoas a comentarem o óbvio: ele foram “negados”, deve ser chantagem, e estão com uma mão à frente e outra atrás.
O que passa no nosso meio é que nunca se dá ouvidos aos “negados”, particularmente quando a contraparte deste é abastada, que vai ventilando como gozou com o outro na noite de núpcias. Inventam-se conciliações e mediações de conflitos, e o “negado” acaba por ser sempre o “negado” e o “negador” aparece sempre em cima, gerando a dicotomia vilão e herói.
No que é comum, o “negado” sofrendo a perfídia e humilhações do “negador” acaba por adoptar acções defensivas e selvagens. Ele justifica-se que vai para aí três vezes que o “negador” o humilha. Ainda, o tentou matar por três vezes, por uma questão de afirmação absoluta da supremacia dos “negadores”, esses que ainda vão dizendo ao mundo que o “negado” sempre foi um promíscuo, e patati e patatá.
Todavia, o último acontecimento onde os “negadores” estiveram em alta deu-se há dias, quando eles voltaram a negar tudo, mesmo aquilo que assinaram preto no branco. Até deram uma conferência de imprensa para vincar a sua posição de negadores. Os “negados” já estão alerta: sabem que tudo o que se vier a assinar será posteriormente negado e rasgado pelos negadores, que se burlaram dos pacientes medicadores ao não assumirem o óbvio, na dita conferência de imprensa.
Ninguém está surpreendido pela conduta dos negadores, porque de outro jeito não teríamos negadores na cena teatral da política doméstica, onde, por certo, continuaremos a ouvir que aos “negados” é recusado todo e qualquer protagonismo pelos “negadores”.
Moral da estória: E ratatá ratatá, os “negados” parece que voltarão a se fazerem ouvir por estes meios, por aqueles que sempre continuarão a lhes negar a audição e as convenções que assinam de livre e espontânea vontade.





Adelino Timóteo, CANALMOZ , 29 de Agosto de 2016

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