Sunday, 14 April 2013

O imperativo da paz e a irracionalidade da arrogância

Quando no último trimestre do ano passado o governo e a Renamo sentaram-se à mesa de conversações sobre o futuro político de Moçambique, tivemos a oportunidade de dizer, neste espaço, que o governo tinha adoptado uma estratégia que iria inevitavelmente conduzir a um impasse.
Na verdade, depois de três rondas de negociações, o processo atingiu uma situação de impasse, acabando por ser completamente abandonado.
De uma forma de certo modo desestruturada, a Renamo tinha uma série de
questões sobre as quais esperava respostas por parte do governo. O governo
tinha consciência das fragilidades da Renamo na apresentação dos seus pontos
de vista, e ficou apenas à espera do momento certo para provar que não havia
condições objectivas para que se prosseguisse com as negociações.
Por outro lado, sabia também que as reivindicações apresentadas pela Renamo
não tinham qualquer tipo de resolução fora da esfera legal.
Entendia o governo que estas condições lhe dariam a força moral para justificar qualquer falta de progresso.
Mas é esta abordagem do governo que constitui o principal obstáculo para que
qualquer processo negocial seja bem sucedido.
Se as negociações que conduziram ao Acordo Geral de Paz (AGP) em 1992
tivessem que estar agarradas às questões de natureza legal, claro que nenhum
acordo teria sido possível. As questões que a Renamo apresenta são de natureza política, e por isso requerem uma solução política.
A base operacional do governo é de que tudo quanto fosse contencioso a
discutir com a Renamo esgotou-se no AGP.
Por seu lado, a Renamo acredita que há espaço ainda para negociações e acusa
o governo de ter agido de má fé na implementação do acordo de Roma.
Uma das contestações da Renamo é de que o governo utilizou as suas forças
militares residuais, aquelas que não podiam caber no quadro das novas Forças
Armadas, para reforçar a Força de Intervenção Rápida (FIR), uma unidade
policial de choque.
Segundo a Renamo, é a esta força que o governo tem estado a recorrer sistematicamente para acções de repressão contra manifestações pacíficas da Renamo e de outras forças da oposição ou da sociedade civil.
Sendo assim, a Renamo exige que o governo aceite também a incorporação de
alguns dos seus militares na FIR. E insiste nesta questão como condição para
a realização de futuras eleições, defendendo que caso haja fraude, o governo já não poderá recorrer a uma FIR partidarizada para reprimir qualquer manifestação de protesto.
A Renamo acusa ainda o governo de estar a desmobilizar prematuramente
militares das Forças Armadas oriundos das suas fileiras, para além do partido
no poder, a Frelimo, estar a privatizar o Estado em proveito próprio.
Se as reivindicações da Renamo têm ou não cabimento, o facto é que o rompimento das negociações conduziu às violentas confrontações registadas na semana passada nas províncias de Manica e Sofala.
Embora desenquadradas do ponto de vista legal, as reivindicações da Renamo
não podem ser entendidas como totalmente descabidas. E o erro que o governo está a cometer é de entender que a sua relação de parceiro da Renamo
no AGP esgotou-se a partir do momento em que se realizaram as primeiras
eleições multipartidárias em 1994.
Não pretendendo endossar a linguagem de certo modo menos estadista e belicista que tem sido utilizada pela Renamo para fazer valer as suas reivindicações, é importante assumir que o AGP foi feito por seres humanos, dentro dos condicionalismos de tempo que se impunham, e que portanto ao longo do tempo, ele se tenha tornado ultrapassado. Há, por exemplo, questões humanitárias relacionadas com os seus homens a que a Renamo não se pode desprender simplesmente porque não cabem no AGP. Para garantir uma estabilidade sustentável do país, o governo não pode simplesmente virar as costas a estas questões, tendo em conta que a sua resolução requer recursos que só o governo pode disponibilizar. Para que a paz prevaleça em Moçambique e para que o país continue na rota do desenvolvimento, não haverá outra alternativa se não um diálogo sem preconceitos, e em que ambas as partes se comprometam a dar concessões uma à outra.
A Renamo deve reconhecer as instituições do Estado e aceitar a legitimidade
dos órgãos deste mesmo Estado tal como a sua constituição vem preconizada na Constituição da República.
Por seu turno, o governo deve reconhecer a legitimidade da Renamo não só
como um partido político de referência no contexto da construção de uma
sociedade democrática em Moçambique, mas também como seu parceiro estratégico no processo de consolidação da paz.
Neste capítulo, deve ser igualmente garantida a participação da Renamo e dos
seus quadros no processo do desenvolvimento sócio-económico do país, incluindo ao nível das empresas públicas ou participadas pelo Estado, sem qualquer tipo de discriminação.
Só nestas condições é que se pode construir um Moçambique forte e próspero;
um país que inspira respeito e confiança para o seu povo e no concerto das outras nações do mundo.


Editorial do Savana, 12/04/12

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