O artigo 73 da Constituição da República de Moçambique (CRM), cuja epigrafe é “SUFRÁGIO UNIVERSAL”, determina que o povo moçambicano exerce o poder político através do sufrágio universal, directo, igual, secreto e periódico para a escolha dos seus representantes.
O termo igualdade que consta do texto supra tem de ser concretizado no âmbito das eleições, de tal modo que à partida, todos os actores políticos disponham das mesmas condições.
Conforme o artigo 74 da CRM, os partidos políticos expressam o pluralismo político, concorrem para a formação e manifestação da vontade popular (através de eleições) e são instrumento fundamental para a participação democrática dos cidadãos na governação do país.Sendo os partidos políticos os principais actores eleitorais, que nos termos da Constituição concorrem para a conquista do poder, é a eles que, em primeiro lugar, se deve aplicar o princípio da igualdade, no exercício da formação da vontade popular (artigos 2, 73 e 74 da CRM).
Portanto é justo e lógico que sejam os partidos políticos a dirigir e a supervisar o processo eleitoral através da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e do STAE, porque o processo eleitoral lhes pertence e é o instrumento ao seu dispor para atingir o poder.
É por isso que a Lei 4/2013, de 22 de Fevereiro (Lei das Assembleias Provinciais), nos seus artigos 5 e 26, a Lei 7/2013, de 22 de Fevereiro (Lei das Autarquias), nos seus artigos 5 e 39, a Lei 8/2013, de 27 de Fevereiro (Lei para a eleição do Presidente da República e dos Deputados da Assembleia da República) nos seus artigos 5 e 21, preconizam a observância do princípio da igualdade entre os actores eleitorais durante o processo eleitoral.
É de todo legítimo que a CNE, Órgão do Estado que organiza e dirige os processos eleitorais e referendos, seja integralmente composta por personalidades indicadas pelos partidos políticos, da mesma maneira que o Governo é composto por personalidades indicadas pelo partido que o forma.
O nr. 3 do artigo 135 da CRM, cuja epígrafe é “PRINCÍPIOS GERAIS DO SISTEMA ELEITORAL”, determina que a supervisão do recenseamento e dos actos eleitorais cabe à CNE, órgão independente e imparcial, cuja composição, organização, funcionamento e competências são fixadas por lei.
A composição da actual CNE está no cerne do diferendo que opõe a Frelimo e a Renamo, com a primeira a defender o critério da representatividade parlamentar e a segunda a defender o princípio da paridade.
Sobre este diferendo, convém salientar que a CRM (Constituição da República de Moçambique) no nr. 3 do artigo 135, não fixa nenhum critério em concreto (representatividade parlamentar, paridade ou qualquer outro) limitando-se a remeter a regulamentação da composição da CNE para a lei ordinária.
Consequentemente é falso e destituído de qualquer fundamento o argumento de que a CRM exige que, na eleição de personalidades pela Assembleia da Republica para a composição da CNE, se observe o princípio da representatividade parlamentar.
É obrigatório observar o princípio da representatividade parlamentar apenas nos casos em que a CRM o exige, como são as circunstâncias previstas na alínea g) do nr. 2 do artigo 164, a propósito da eleição de membros do Conselho de Estado pela Assembleia da República; nr. 2 do artigo 193, acerca da Comissão Permanente da Assembleia da República; alínea d) do nr. 2 do artigo 221 sobre a eleição de membros do Conselho Superior da Magistratura Judicial pela Assembleia da República; alínea b) do nr. 1 do artigo 242, sobre a designação de Juízes do Conselho Constitucional pela Assembleia da República.Fica claro, pois, que a CRM remeteu para o legislador ordinário a liberdade de definir a composição da CNE, sem lhe impor critérios, princípios ou condicionalismos de qualquer ordem.Não existem fundamentos, quer constitucionais, quer legais ou doutrinais, para rejeitar a composição da CNE observando o princípio da paridade.
É apenas uma questão de vontade política.
Só a paridade pode garantir a igualdade dos partidos políticos nos processos eleitorais, onde na CNE nenhum partido ou actor eleitoral disponha de maioria, permitindo assim que as suas decisões sejam tomadas de forma imparcial, equilibrada e independente, conformando-se com o determinado no nr. 3 do artigo 135 da CRM.
Por outro lado, deve-se ter em conta que a Lei 6/2013, de 22 de Fevereiro, que estabeleceu a composição da actual CNE, enferma de vícios de inconstitucionalidades.
Assim, o nr. 1 do seu artigo 6, que constitui a actual CNE, determina que está é composta por (i) 5 representantes da Frelimo, (ii) 2 representantes da Renamo e (iii) 1 representante do MDM, etc., em violação da última parte do nr. 2 do artigo 169 da CRM que determina que a Assembleia da República aprova leis de deliberações de caracter genérico.
Com efeito, segundo a doutrina, a lei “é geral, isto é, define os seus destinatários por meio de conceitos ou categorias universais, sem individualização de pessoas, e é abstracta, isto é, define situações da vida a que se aplica também por meio de conceitos ou categorias” – in Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 10 reimpressão da Edição de 2001, pág. 171.
Ou seja, na lei “se formula abstractamente a previsão de circunstâncias que poderão vir a dar-se e que servem de pressuposto do preceito da conduta a seguir em geral por todos quantos venham a encontrar-se nessas circunstâncias” – in Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10 Edição, Tomo II, Lisboa 1973, pág. 436.
Tendo em conta que a lei é aprovada para ter uma vigência indeterminada até que seja revogada, a disposição legal atrás citada, para além de inconstitucional, sugere que a Assembleia da República terá, perpetuamente, a actual composição, sem possibilidade de entrada de outros partidos, ao longo de mandatos saídos de futuras eleições.
O que também viola o nr. 1 do artigo 135 da CRM.
A indicação do número de personalidades por cada Bancada Parlamentar para compor a CNE, só tem cabimento na concretização da norma genérica e abstracta contida na lei, e é feita através duma Resolução da Assembleia da República, pois trata-se da aplicação da lei a um caso concreto.
A alínea d) do nr. 1 do artigo 6 da Lei 6/2013, de 22 de Fevereiro, que determina que um Juiz indicado pelo Conselho Superior da Magistratura faça parte da CNE, é também inconstitucional, na medida em que viola o artigo 219 da CRM, que determina que os Magistrados Judiciais, em exercício, não podem desempenhar quaisquer outras funções públicas ou privadas, excepto a actividade de docente ou de investigação jurídica ou outra de divulgação e publicação científica, literária, artística e técnica, mediante previa autorização do Conselho Superior da Magistratura Judicial.
A inconstitucionalidade constatada na composição da CNE, estende-se às Comissões Provinciais, Distritais e de Cidade, nos termos do artigo 44 da Lei 6/2013.
Conclusão: Para além da Lei 6/2013 parecer ter sido feita em cima do joelho, ou seja às pressas, é inconstitucional e não serve para o actual momento político. É bom que a Assembleia da República volte a reapreciá-la e reveja a redacção do nr. 1 do artigo 6 da lei acima citada de modo a que na composição da CNE seja observado o princípio da PARIDADE.
Gabinete de Estudos da Renamo, Maputo, aos 15 de Abril de 2013.
Fonte: Canal de Moçambique – 17.04.2013
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