Monday, 23 November 2015

“Moçambique sempre esteve no lixo” diz o economista António Francisco que sobre a depreciação do metical explica que andamos a viver à custa da poupança de outros com a agravante dos raptos e do ambiente político pantanoso

Se a economia moçambicana tem estado a crescer, a dívida externa de Moçambique é sustentável como não se cansa de repetir o ministro Adriano Maleiane e o Banco de Moçambique até afirma ter tomado medidas para conter a inflação e assegurar a estabilidade macroeconómica afinal o porque a economia em Moçambique entrou em crise? @Verdade foi ter uma aula com o professor António Francisco onde ficou claro que um dos problemas é que andamos à viver à custa da “poupança externa”, o “ambiente político que existe também é pantanoso para investir” e é agravado pelos raptos pois “nenhum estrangeiro e moçambicano que tenha a possibilidade de ter poupanças significativas as vai deixar aqui” e clarifica que, segundo as agências de rating “Moçambique sempre esteve no lixo”. A notícia menos má é que a maioria dos moçambicanos não vai sentir a depreciação do metical e o aumento dos preços, porque vive na pobreza e não tem acesso a electricidade, a água canalizada, não come pão nem outros bens importados.
“A grande surpresa neste ano é a reacção do câmbio, que de uma maneira geral as autoridades e os fluxos de equilíbrio foram mantendo nos anos passados, mas para entender isto é preciso tomar em consideração que o dólar norte-americano estava a 32 meticais, ou a 30, muito em função do conjunto de estabilidade que é muito dependente da importação”, começa por explicar o professor de economia que não tem dúvidas sobre quem tem financiado o crescimento robusto da economia. “É financiado pela poupança externa, o investimento estrangeiro e a ajuda dos doadores. Há 30 anos que Moçambique recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para estabilizar a economia. E há 30 anos que Moçambique vive nesta dependência e nesta estabilidade. Por um lado isto dá-nos uma certa garantia de que temos um papá que nos apoia, mas geralmente o FMI existe para fazer estabilidade, fazer medidas duras etc. que geram muitos descontentamentos, mas é correcção da economia” acrescenta António Francisco.
O economista, que é director de investigação e coordenador do Grupo de Investigação sobre a Pobreza e Protecção Social no Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), recorda que em 1984 o nosso país foi obrigado a recorrer ao FMI porque já não conseguia cumprir as suas obrigações mínimas e o financiamento tinha fechado completamente. “Foi num contexto daquele socialismo que Moçambique julgava que ia ficar livre do capitalismo mas com a pressão da guerra o Governo (na altura de Samora Machel) pensou que dessa forma podia também neutralizar os financiadores da oposição. Eles pensava que com aquilo resolvia o problema da guerra, mas não resolveu, até que tiveram que fazer o acordo de paz em 1992”.



De zona libertada da Humanidade para um dos piores países do mundo


Lembra António Francisco que com o Fundo Monetário Internacional veio a ajuda e também começaram a vir os investimentos. “O FMI é muitas vezes diabolizado pelos esquerdistas mas o Fundo Monetário são os representantes dos Governo que estão ali, aquilo é função pública, são financiados pelos Estados Unidos da América porque têm a grande quota, nós não contribuímos com nada, então não temos voz na matéria. Os do FMI são burocratas que agem para apoiar um país que entra numa situação de incompetência para gerir a economia. É verdade que depois têm aquela cartilha que é igual para todos, mas a verdade também é que todo o ser humano quando precisa de uma intervenção cirúrgica é igual para todos. Em muitos casos o objectivo (do FMI) é a estabilização dos instrumentos que gerem a economia, dar-lhe realismo, no caso de Moçambique havia toda aquela estatização e eles vieram exigir a privatização porque não era comportável tudo aquilo. Tudo isto foi para Moçambique poder integrar-se no sistema capitalista, porque até aquela altura estava completamente isolado. Moçambique estava convencido de que ia fazer parte do mundo socialista, havia o famoso cartaz “Moçambique Zona Libertada da Humanidade”, e estava convencido de que se ia libertar mas na verdade converteu-se num dos países mais pobres do mundo, nos finais de 80” explicou o economista que acrescentou que só a intervenção do FMI e das instituições de Bretton Woods salvaram o nosso país “de se tornar num Estado falhado, estava completamente isolado, com a guerra generalizada e portanto não havia qualquer outra saída”.
Mas o professor volta mais no passado para explicar os problemas actuais da nossa economia. “Quando Moçambique ficou independente em 1975 consumia mais do que produzia, mas estava a consumir mais numa perspectiva de investimentos. Depois havia a ideia de contar com as próprias forças, mas a verdade é que o modelo que optou no fundo não veio estimular a produção, veio a ser controlado pelo Estado mas demonstrou-se que em termos de expansão da produção era inviável o sistema socialista. Podemos dizer que foi por causa da guerra mas noutros países não houve guerra e o socialismo também não funcionou porque é economicamente inviável. Moçambique não entrou numa onda de produzir mais do que consumia porque a lógica era a habitação era um bem de consumo, a educação é um direito, tudo é um direito mas à custa de quem?”.
Segundo o economista, o que faz mover e crescer uma economia não é a poupança, mas sim o consumo só que o equilíbrio surge da forma como se financia esse gasto. “Ou é a sua poupança ou é a poupança dos outros. Nós saímos de uma situação colonial em que a poupança também era dos outros mas ia muito para aumentar a capacidade produtiva. Depois da independência, ou por causa da guerra ou porque os projectos depois não funcionaram, foi uma parte para o investimento para nós passamos a consumir um terço do que vinha de fora. Devíamos ter usado a poupança externa para complementar a interna, nós não tínhamos poupança e tudo era para financiar o investimento e para financiar o consumo. Esta situação veio até ao fim do século. Só neste século é que Moçambique começa a ter um consumo relativamente inferior ao PIB”.
Um estudo do Banco de Moçambique, apresentado em 2014, indicou que apenas 2% dos moçambicanos é que faziam poupança e grande parte dessa poupança era de empresas. “Isso representa apenas cerca de 500 mil pessoas”, enfatiza o professor Francisco.




“O Presidente é o principal latifundiário”


O académico da Universidade Eduardo Mondlane explica que o nosso país “consciente, ou inconscientemente, optou por não investir na sua poupança mas em usar a poupança dos outros”. “Com o fim da guerra, começámos a usar a poupança externa, havia todas as justificações para recuperar as infra-estruturas destruídas etc., e como essa recuperação foi acompanhada pelo Fundo Monetário e outros doadores, no sentido de forçar que a economia começasse a tornar-se realisticamente funcional, ela reverteu e começou a ter uma que só no final do século é que chegou àquele limite mas ainda praticamente sem poupança. Em 1984 Moçambique estava tecnicamente falido, vieram o FMI e os doadores apoiar e, dez anos depois, estava com uma dívida impagável” o que, segundo António Francisco, nos levou à implementação de mais programas pouco populares de estabilização da economia como forma de as organizações internacionais aceitaram rever e perdoar a dívida.
Porém, apesar da entrada no capitalismo, “o Estado continuou a controlar os principais recursos, como a Terra embora tenha liberalizado a habitação, largou a educação, as tais que eram conquistas. Controla os recursos financeiros de fora. Nunca surgiu um ambiente de opção para dizer o que é possível fazer para aumentar a poupança nacional”, explica António Francisco que entende que o facto de a Terra ser do Estado transforma o Presidente da República num “latifundiário” e os funcionários tornaram-se negociantes da Terra com a agravante de pouco ou nada fazerem para melhorarem essa Terra que gerem mal. “Para mim o Estado joga hoje um papel idêntico ao da APIE. Qual foi o papel que o APIE teve para melhorar as condições habitacionais do mercado? Foi nulo. Qual é hoje o papel do Estado para melhorar o principal activo? É nulo. Criou um Direito de Propriedade ilegítimo, no sentido que não reconhece a legalidade aos legítimos donos, que são os cidadãos e as comunidades, porque diz "você não tem direito à Propriedade (da Terra) só tem Direito ao Uso". Converte o povo em inquilino do Estado, se você é inquilino não pode fazer grandes melhorias sem pedir autorização”.
O professor Francisco não tem dúvidas de que tudo isto impede o desenvolvimento da produção privada do cidadão e não contribui para aumentar o nível de produção da nossa economia que é muito baixo. A título exemplificativo afirma que “em 1996 Moçambique produzia num ano o que a África do Sul produzia em sete dias. Neste momento Moçambique produz num ano o que a África do Sul produz em 15 dias”.



Ambiente político pantanoso e raptos


Mas como isto influi na depreciação do metical em relação ao dólar norte-americano? “Uma vez que nós optamos por este crescimento tão dependente de investimento estrangeiro, de ajuda e endividamento - o endividamento não era muito surgiu agora quando se ficou com a sensação de que temos recursos e podemos endividar-nos -, o valor do dólar (norte-americano) é em função disso, não é em função da economia nacional. Por isso, quando nós tínhamos o câmbio a 32 – 33 meticais ele estava no equilíbrio em função desta economia, está adaptada às empresas que funcionam muito à base da importação e a população urbana e consumidora que também depende muito da importação”, explica o director de investigação e coordenador do Grupo de Investigação sobre a Pobreza e Protecção Social no IESE.
Para além disso, as “expectativas podem ter sido, em parte, exageradas, a questão de guerra que se diz que não é guerra, e com o facto de a governação anterior ter sido exageradamente agressiva na busca de investimentos. O ambiente político que existe também é pantanoso para investir, tivemos umas eleições com os resultados que vemos, três meses sem resultados, querer dividir o país, descentralizar. Para agravar a isto, e acho que tem influência forte sobre a taxa de câmbio, são os raptos. Porque isto não são raptos esporádicos que aconteceram, são sistemáticos há dois ou três anos, em que eles vão às pessoas que têm dinheiro e fazem o assalto aos empresários. A implicação disto é que nenhum estrangeiro e nenhum moçambicano que tenha a possibilidade de ter poupanças significativas as vai deixar aqui”, diagnostica António Francisco.
“Eu estou convencido de que não vamos ficar por aqui (com a desvalorização do metical) porque os factores que estamos a subestimar vamos pagar por eles, e um deles é este ambiente de muito risco que estamos a ter, principalmente os raptos. Primeiro eram só indianos, depois começaram a ir para portugueses, depois foi para moçambicanos, gerou-se um ambiente em que qualquer riqueza que você cria aqui vai pô-la no vizinho ou na Europa”, acrescenta o académico que criticou também a política de imigração que afirmou ser anti-desenvolvimento.



“Moçambique sempre esteve no lixo”


Você não quer o estrangeiro aqui, queremos o dinheiro deles. No mundo, o Brasil, a Austrália, a Nova Zelândia, os Estados Unidos da América cresceram com a migração, é verdade que nós temos um passado colonial e isso é demasiado recente. Criámos um sistema formal que é hostil a uma economia formal. Fazemos o mesmo com a Terra, dizemos que não se pode comprar nem vendê-la mas estás a dizer que vai vender e comprar fora do sistema formal, porque ninguém aceita que a Terra não tem valor. Portanto, aquela disposição constitucional é um dos principais instrumentos para desestimular a poupança porque não se reconhece juridicamente o Direito de valorizar na economia formal os activos que se tem. Informalizaram a economia”, analisa o economista e investigador do IESE.
António Francisco explica também que “Moçambique sempre esteve no lixo” para as agências de rating, “sempre foi BB depois passou para B+ e agora passou para B- e está no limiar de entrar quase no incumprimento”, o que não é uma novidade, pois o nosso país não é um ambiente de investimento”.
Mas e os investimentos de que o Governo faz alarido que continuam a entrar? O professor respondeu-nos com outra pergunta “Que tipo? Há investimentos altamente rentáveis, que podem ser lucrativos com guerra ou sem guerra, podem pagar as guerras, ora isto não é um ambiente de investimento”.



Chissano um herbívoro, Guebuza um carnívoro


“Nós estamos a tentar criar um bom ambiente de negócios num mau ambiente de mercado” dispara o académico e explica a diferença. “O ambiente de mercado são aquelas condições para o cidadão, para a pequena ou média empresa, em que você não está a querer fazer lucro rápido, quer fazer vida. No ambiente especulativo que gira em torno destes negócios altamente especulativos que pode pôr-se acima do Estado, da guerra, pode comprar e vender, esse é um ambiente para um número restrito de empresas e nesse ambiente os juros são altos, as taxas são elevadas, funciona tudo a curto prazo”.
Olhando para o ano económico de 2015, o director de investigação e coordenador do Grupo de Investigação sobre a Pobreza e Protecção Social no Instituto de Estudos Sociais e Económicos afirma que “estamos agora a encarar a factura do Governo anterior, que ainda não foi acomodada. E isto é a forma de acomodar. Quando o Governo anterior deixou o país com as obrigações e as indefinições que vemos e que este Governo assumiu”, e em tom de brincadeira acrescentou que se o Presidente Armando Guebuza e os outros são amigos do Presidente Filipe Nyusi “era preferível ele não ter amigos”.
Entretanto, António Francisco, que define o Presidente Joaquim Chissano como um herbívoro, “estilo cabrito come onde está amarrado” e o Presidente Armando Guebuza como um carnívoro, “que vai à caça”, dá ainda o benefício da dúvida ao novo Chefe de Estado. “O Presidente Nyusi ainda não teve tempo para se definir porque, em parte, ele é produto de uma correlação de forças”.
Contudo, o académico diz que o novo Chefe de Estado está-se a mostrar demasiado distraído. “O processo com o Dhlakama foi um desastre, em termos de expectativas cridas. Havia aquela sensação de que ele se ficasse amarrado com o Guebuza não conseguiria governar, mas acho que ele agora ficou pior pois está amarrado e não se sabe muito bem como, mas por muitas forças de bastidores. Mas ao mesmo tempo põe-se numa posição de muito distraído em relação a muitas coisas como, por exemplo, o assalto na Beira não aconteceu, vai para Angola dizer que anda à procura e não consegue contactar. De uma maneira geral dá-se a impressão de que se está à espera da natureza, como dizia o ministro da Defesa Nacional”.



Dívida impagável em 2020


O director de investigação e coordenador do Grupo de Investigação sobre a Pobreza e Protecção Social no Instituto de Estudos Sociais e Económicos prefere não fazer prognósticos para o próximo ano, pois tem a impressão de que nem o próprio Executivo sabe o que fazer para lidar com a crise económica.
Por outro lado, António Francisco disse não “ver como é que eles (o Governo) vão resolver o problema militar, o pior deste tipo de guerra de baixa intensidade, degenerativa, é se Moçambique consegue manter-se unido nos próximos cinco a dez anos. Nunca antes, como desde o início deste ano, a questão foi posta. Tentou pôr-se em forma de autarquias mas as clivagem que vão surgindo entre o Norte e o Sul é preocupante. Eu não ponho de parte uma somalização, mas antes uma sudanização”.
Sobre o impacto desta crise económica na vida dos moçambicanos, o professor declara que “muitas destas dificuldades não chegam à maioria porque eles não fazem parte de uma economia afectada pelo combustível, pelo pão, pela electricidade, pela água canalizada, não têm sequer bilhete de identidade”.
Os afectados serão os que residem nos grandes centros urbanos, com particular incidência em Maputo mas, aí, segundo António Francisco, mesmo novas greves não devem trazer grandes resultados porque o Governo não tem como reduzir os preços que já aumentou. A solução tem sido informalizar a economia permitindo os my loves e outras soluções criativas que os citadinos vão tendo.
Olhando mais na perspectiva de médio prazo, o académico profetiza: “De imediato está visto que o FMI vai tentar estancar a situação, mas tivemos a primeira falência, tivemos a segunda iminente que depois foi convertida em perdão. Eu penso que estamos a caminho de chegar à próxima. Antes de 2020 vamos chegar a uma situação de dívida impagável e depois, como somos bons rapazes e pobrezinhos, porque se perdoaram duas porque não se pode perdoar a terceira vez?”.




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