Sunday, 12 January 2014

Eusébio é Moçambicano!...

Ontem, pela primeira vez tive de fazer um recesso num debate. Porque simplesmente não queria acreditar no que lia. Moçambique mudou muito. As suas gentes, também. E pelos vistos, a sua matriz histórica também. E tudo isso, por Decreto, mesmo a propósito da impossibilidade de Eusébio ser moçambicano por direito adquirido. Ora então vamos lá ver onde tudo começou.
Em 1976 foi aprovada uma rídicula lei de Nacionalidade que estipulava entre outros, que mulheres com cinco ou mais gerações de antepassados nascidos aqui deixavam de ser moçambicanas de um momento para o outro. Mas já lá vamos.
Eusébio da Silva Ferreira, como é de conhecimento geral, nasceu em solo moçambicano, filho de progenitores de Moçambique e Angola. Ora, de acordo com a Lei de Nacionalidade aprovada pelo Comité Central do Partido FRELIMO e logo na alínea a) do seu art. 1, frise-se, era Moçambicano de nacionalidade originária, dentre vários, todo aquele nascido em Moçambique filho de pai ou mãe de nacionalidade moçambicana. E não, como tentaram por aqui dizer, pelo cumulativo de todas a alíneas do supracitado artigo. Sendo assim, aos 25 de Junho de 1975 Eusébio da Silva Ferreira era moçambicano de direito adquirido, visto que nacionalidade ORIGINÁRIA não se requer!
A mesma lei referia-se no seu artigo 7, quem não poderia obter nacionalidade moçambicana, ou seja, enquadrava implicitamente na comunidade de ex-colonos portugueses com cerca de 20 anos de permanência em Moçambique, quem é que poderia ser moçambicano se esse fosse seu desejo. Eusébio da Silva Ferreira não se enquadra aqui como é óbvio.
Apenas nos art. 14 e 15 da mesma lei é que estabelece claramente quem perde a nacionalidade moçambicana, com base na qual, o cúmulo do rídiculo verifica-se quando cidadãos ORIGINÁRIOS no artigo anterior perdem automaticamente a nacionalidade por terem adquirido outra, sem contudo explicitar o modo como essa aquisição poderia ser feita. E é aqui onde a porca torce o rabo.
Com efeito, Eusébio estando em Portugal, para onde se teve de deslocar pois não dispunha nem meios financeiros, e nem sequer disposição por parte do regime da FRELIMO em colocá-lo no devido pedestal, teve de pedir um Passaporte português para comer e beber. Mas também, algumas compatriotas nossas casadas com estrangeiros, algumas até de famílias oriundas de Nachingweya e Bagamoyo, que ficaram privadas da sua nacionalidade, e como tal, porque não poderiam residir em Estado estrangeiro na condição de apátridas, optaram pela nacionalidade do Estado acolhedor!
A questão que se coloca desde logo, é saber se isto tinha ou não razão de ser. Do ponto de vista histórico, tinha, pois a FRELIMO estava determinada na construção do Homem Novo, como tal dispôs-se a fazer uma revolução social escangalhando aquilo que achava ser obstáculo ao seu objectivo. Mas do ponto de vista antropológico e sociológico, não se justificava e era até uma contradição ao princípio imanado da mesma lei, no qual se colocava em destaque muito especial, todos aqueles que no exterior desejassem regressar a terra-mãe ou mesmo estrangeiros, sem ligações culturais de espécie alguma, mas que pela confluência ideológica com a FRELIMO haviam adquirido o direito de serem moçambicanos. Por exemplo, Aquino de Braganca.
Com o tempo, esta situação embaraçou o próprio Comité Central que havia aprovado esta lei. Imaginem Joaquim Chissano, com um filho em Angola a servir de piloto de MIGs na FAPA/DAA. Decretava-se a sua nulidade como moçambicano? E até outro seu familiar, tradutor de Inglês do Ze-Du, como é que Moçambique lidaria com ele? Como estrangeiro? Mas o ADN, os laços seculares, apagam-se por Decreto?
Estava claro que isso tinha de mudar.
E não tardou que gradualmente fossem eliminados os escolhos que tratavam a diáspora como inimiga declarado do Estado moçambicano de 1976. Pois, foi-se verificar, por exemplo, no caso dos mineiros da RSA, que 90% deles tinham (e têm) dupla nacionalidade. Facilita-lhes a vida. Permite-lhes protecção legal. Sindical. E muito mais.
Por conseguinte, próximo do AGP em 1992 começou a ser aceite oficiosamente pelas autoridades migratórias de Moçambique, a segunda nacionalidade implícita, o que por outras palavras, se trata, de facto, de uma dupla nacionalidade.
Um princípio sacrossanto, que é o mesmo da Lei de 1976 no art. 17, clarifica que quem, em solo moçambicano for identificado como tal, não poderá reivindicar outra nacionalidade no caso de qualquer litígio, disputa, etc. Deve se sujeitar aos ditâmes da Lei de Moçambique. Esse princípio vigora até hoje.
No entanto, a assinatura do AGP em 1992 levantou um problema muito sério para o legislador. É que, nos termos da lei, muitos dirigentes da Oposição ou simples cidadãos imigrados poderiam simplesmente serem impedidos de concorrer a cargos de soberania em virtude de deterem, até hoje, por motivos profissionais, económicos outros, documentação de Estado estrangeiro. Mas também muito quadros da FRELIMO regressados do exterior foram também apanhados na mesma situação. O finado Carlos Tembe da Matola, por exemplo, participou activamente das acções da JSD enquanto viveu em Portugal onde estudava. Ora, o partido PSD, pelo que se saiba, não admite membros de nacionalidade que não a portuguesa. E muitos mais.
Por isso, não foi com surpresa que a revisão Constitucional clarificou juridicamente quaisquer dúvidas quanto à segunda nacionalidade de moçambicanos na diáspora, anulando todas as disposições da Lei de 1976, que por decreto haviam retirado a nacionalidade originária a moçambicanos. E isso, está muito claro no TÍTULO VI, CAPÍTULO I e Art. 147 da Magna Lei.
Quando se diz no seu número 2 que:
“...Podem ser candidatos a Presidente da República os cidadãos moçambicanos que cumulativamente:
a)tenham a nacionalidade originária e não possuam outra nacionalidade;...”
O legislador está a clarificar quem de facto pode ser PR. É que seria um contra-senso ser ORIGINÁRIO e ao mesmo tempo não ser!
É evidente que quando se está a dizer que não se admite uma segunda nacionalidade para os candidatos a PR, implica, de facto, que não se aceita - de facto - dupla nacionalidade!
Sendo assim, por absurdo, a LEI admite a existencia da dupla nacionalidade.
Ora, tanto quanto sei, Eusébio da Silva Ferreira, nunca se envolveu em política. Nem aqui. Nem em Portugal...mas serve para demonstrar juridicamente que Eusébio era moçambicano por direito inaliavelmente adquirido. Não necessitando de REQUERER nacionalidade moçambicana se em momento algum o tivesse manifestado a qualquer missão diplomática moçambicana no exterior. A menos que tivesse renunciado verbalmente (nunca se provou) ou documentalmente (tambem nao) a sua condicao de mocambicano. Basta ver novamente a entrevista que ontem passou na STV. E muito mais.
Por último, apenas alguns reparos. Em 1983-84, Eusébio abraçou e colaborou activamente do projecto ABRAÇO A MOCAMBIQUE para dar de comer aos milhares de moçambicanos que morriam a fome em Moçambique por causa da seca de 1982 e da guerra civil. Quando em 1984 o Zubaida o trouxe ca pela DACAPO numa selecção de Velha Glórias foi recebido como herói por Samora Machel que mandou ao abrigo da mesma Lei de 1976 conceder-lhe um Passaporte Diplomático moçambicano que Eusébio por motivos que desconheço não fez uso, para além de uma moradia na Julius Nyerere, salvo o erro, em compensação pela expropriação de que fora alvo, profusamente contada na imprensa, pelo que não me vou alongar nisso. Põe-se em causa que Machel tenha outorgado um Passaporte a Eusébio. Socorro-me de uma entrevista do falecido Dr. Domingos Arouca nos anos 90, no DEMOS ou SAVANA, não me recordo bem, que reclamou injustiça por Machel não lhe ter feito o mesmo. Desabafando assim: - Se calhar, é porque eu pensava com a cabeça. Enquanto Eusébio o fazia com os pés! Num improviso, Samora disse o que Guebuza e Chissano voltaram a dizer: Eusébio era o desportista mocambicano mais famoso de todos os tempos. É filho da Mafalala! Mas agora, que morreu em Portugal, que lhe acolheu e o vai propôr ao Panteão Nacional por iniciativa da bancada do PSD, lembraram-se até que o pai era angolano para lhe esvaziarem a condição de Moçambicano...
Por isso, acho uma fanfarronice espalhafatosa dizer que o fizeram por conveniência política. Não acredito nisso!
Eusébio é moçambicano. Gostem os dito-cujos de gema ler isto, ou não...
Mas o que é ser de gema com sangue oriundo dos antigos PRAZOS DA ZAMBÉZIA? E onde encontram a gemada nos nativos oriundos dos povos da Costa Moçambicana, de Inhambane a Mocímboa da Praia?
Parece que teríamos de excluir mais de 60% da população. Fora a diáspora!

Disse e ponto final.

Fonte: Livre Pensador, Facebook, Marcacão Cerrada - 07.01.2014

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