Friday, 17 January 2014

É fácil morrer na guerra dos outros

Empurrado para uma guerra que não quer, não compreende e, quiçá, julga injusta, um polícia de 21 anos foi morto em sede de um conflito que exigiu o seu sangue, mas discute os direitos de uma minoria. As manifestações de repúdio inundaram as redes sociais e agora não se trata de mais um mero dado estatístico. Não é mais um para engrossar as fileiras dos mortos da paridade. É um jovem que auferia menos de 3.500 meticais e que nas horas vagas, livre da farda, se transforma num cidadão comum. Um pobre como os outros. Com os mesmos dramas, dívidas, sonhos e frustrações.
Imediatamente – ao contrário do que é suposto ouvir quando se fala de baixas do lado do Governo – o polícia tornou-se humano, ganhou nome e alguma dignidade. Dignidade essa que a farda nunca lhe conferiu. Descobrimos então que se tratava do filho de uma família ou mesmo um pai que pagava as suas contas religiosamente. Amaldiçoamos a guerra e tudo o que ela representa.
Não sabemos, no entanto, se é pelo facto de ser polícia que lamentamos a sua morte ou se foi pelo facto de este incidente ter despertado, na nossa consciência colectiva, a dimensão do ser humano. Ou seja, não sabemos se compreendemos agora que a farda esconde um homem como outros. Homem, esse, que muitas vezes dispara contra o povo a contragosto. Homem que veste a camisola da FIR ou das FADM e até da PRM e até da Renamo, mas, mal despe o fardamento com o qual nos oprime e restringe os direitos também ele, por sua vez, é oprimido pelo transporte, pela guerra que também não lhe permite visitar parentes e pelo salário de miséria que lhe é igualmente pago para proteger um sistema que o (nos) marginaliza.
Esse mesmo sistema de injustiça e enriquecimento de uns poucos que lhe retira, regra geral, a dimensão humana e o transfigura no maior inimigo do povo. Esse mesmo povo que sofre tudo enquanto os governantes tomam whiskys e andam de carros topo de gama nas artérias de um país que sangra pelos poros. Foi preciso uma morte para – do nosso ponto de observação – conseguirmos compreender que o polícia é um cidadão. Que foi um irmão que tombou. Que a guerra, seja qual for o motivo, não deve beber o sangue das vítimas da arrogância dos donos do país. O poder não pode custar a vida de cidadãos que nem sequer têm onde cair depois de exaustos.
Agora compreendemos que esse polícia é tão vítima como nós. Aliás, ele é duas vezes vítima. O homem afinal não dispara porque quer, mas porque jurou proteger um poder que não lhe liga patavina.
E morrem todos os dias, por causa dessa guerra estúpida, militares, guerrilheiros, polícias e civis. Contudo, o que nos mata, enquanto povo – sem generalizações – é a nossa mania de seleccionar o repúdio e definir os nossos amigos por trás das armas que nos tiram a vida. Quem levanta uma arma não pode, de forma alguma, ser tido como inocente no meio da história. Os que matam camponeses precisam de ser julgados, mas também aqueles que tiram a vida a um mero polícia de 21 anos.
Esse que é, como dissemos, duplamente vítima. E o pior é que não sabe e jamais saberá de que valeu a sua morte...



Editorial, A Verdade

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