Os investidores na operação de recompra de títulos de dívida da Empresa Moçambicana de Atum (Ematum) não foram informados de um outro empréstimo concedido pelos mesmos bancos envolvidos na operação, no valor de 622 milhões de dólares.
De acordo com a edição de segunda-feira do Wall Street Journal, "o que os investidores não sabiam é que em 2013 o Credit Suisse e o VTB [os dois bancos que organizaram a operação de recompra de obrigações da Ematum este ano] emprestaram 622 milhões de dólares a outra empresa estatal chamada Proindicus para financiar a compra de navios e instalações de radar para combater a pirataria".
O Wall Street Journal conta ainda que no ano seguinte, "os bancos abordaram os investidores para alargarem o empréstimo para um valor até 900 milhões de dólares", mas não esclarece se essa operação foi concretizada.
"Porque é que isso não foi revelado?" - questionou um gestor de fundos da Candriam Investors Group, em Londres, para dar a resposta logo de seguida: "Isso seria claramente um aspeto negativo" na avaliação da operação de recompra de obrigações da Ematum, Março, que permitiu a Moçambique alargar o prazo de pagamento dos 850 milhões de dólares de dívida em três anos, de 2020 para 2023, ainda que suportando uma taxa de juro anual maior, de 6,5% para 10,5%.
"O Credit Suisse não disse aos detentores de títulos da Ematum até ao dia 24 de Março, um dia depois de a maioria dos investidores ter aprovado a reestruturação", escreve o jornal norte-americano, notando que "a informação foi disponibilizada por causa da descida de 'rating' da Standard & Poor's, dia 15, que desencadeou uma cláusula que torna os empréstimos imediatamente reembolsáveis", segundo a interpretação das fontes conhecedoras do processo.
O grande problema, do ponto de vista dos investidores, é que a existência de mais empréstimos escondidos pode diminuir as hipóteses de pagamento se Moçambique não tiver condições para pagar a dívida pública.
"Entre os títulos de dívida e os empréstimos, o Credit Suisse e outros bancos ajudaram Moçambique a pedir emprestado pelo menos 1470 milhões de dólares só em 2013, o que representa um aumento de 25% face aos 6 mil milhões de dívida reportada no final de 2012", escreve o Wall Street Journal.
Para o jornal, a conclusão é simples: os títulos de dívida da empresa emitidos com garantia estatal estão ser estigmatizados e "Moçambique está a tornar-se um caso de estudo sobre os perigos de apostar rapidamente em mercados nas margens do sistema financeiro mundial".
A importância da Ematum para Moçambique extravasa a pertinência desta empresa pública cuja dívida vale 41% da dívida externa do país: para os analistas e observadores internacionais, é um exemplo das dificuldades que afectam os mercados emergentes africanos, nomeadamente na capacidade de gerirem bem os empréstimos internacionais, mas também das oportunidades que os recursos naturais oferecem a estes países, que por causa disso são observados com interesse pelos investidores.
O escândalo da Ematum envolve uma empresa atuneira detida por várias entidades públicas, incluindo a secreta moçambicana, que se endividou à custa da intervenção do Governo como avalista e à revelia das contas do Estado e dos financiadores externos.
Inicialmente tido como um negócio privado, através de empréstimos de centenas de milhões de dólares para a aquisição de uma frota pesqueira em França, foi recentemente assumido que a Ematum serviu também para a compra de equipamento militar e, por pressão dos países doadores, o negócio acabou por ser inscrito num orçamento rectificativo no ano passado.
As contas da Ematum, nomeadamente a emissão de dívida de 850 milhões de dólares com garantia estatal, têm sido recorrentemente apresentadas pelas instituições financeiras internacionais como um exemplo negativo do estado das contas do país, nomeadamente em termos de transparência.
Moçambique é um dos países mais pobres do mundo e está com dificuldades de pagamento da sua dívida devido à descida do preço das matérias-primas e ao abrandamento da China, que originou uma significativa desvalorização do metical no ano passado, o que, por seu turno, encarece ainda mais os pagamentos dos empréstimos contraídos em dólares.
Lusa
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