Camarada Macondinho,
A população de Nacarôa, onde você tem a sua casa de campo, seu acampamento de fim-de-semana, com dois contentores melhorados acoplados num só, com ar condicionado e retrete para defecar de gatas, permita-me o termo, está com saudades suas.
Também na minha cidade, onde nos seus áureos tempos de adolescente e jovem, como estudante liceal, o camarada andava de machimbombo pelas soturnas noites para rever os cadernos, porque não havia luz, em resultado de sabotagem dos bandidos armados, termo este cunhado e imposto aos jornalistas por Marcelino dos Santos para diabolizar a antiga guerrilha, a população está com saudades de si.
A população de Nacarôa, Camarada Macondinho, diz que o Camarada Samora Machel deve estar muito entusiasmado consigo, porque o camarada Macondinho foi o único ousado, depois dele, que quase conseguiu, em três vezes, matar o cabecilha dos bandos armados. E mais diz a população que o entusiasmo do camarada Samora Machel deve ser muito grande, porque toda gente viu os meios materiais e humanos que você mobilizou, para acabar de uma vez por todas com o banditismo, que ele próprio, Samora, não conseguiu, Chissano não conseguiu, Guebuza falhou, naquele dia 23 de Outubro de 2013, em Santungira, quando você mesmo era o líder daquela mesma empreitada.
O povo diz que tem visto todo o seu empenho sobrenatural na luta pelo retorno ao monopartidarismo, toda a sua abnegada dedicação pelo regresso ao totalitarismo, incluso manda dar-lhe as boas vindas, ainda que tardias, pelo seu regresso de Angola, onde você foi estagiar na alta academia de eliminação da liderança da oposição, onde você foi aprender, com o mestre Zedu, as tácticas dialécticas e militares, as piruetas e gincanas, para acabar com a cabecilha do banditismo.
O povo diz que certamente o camarada Samora deve estar não só entusiasmado, como orgulhoso, pelo esforço que tem demonstrado nas três frentes de luta contra o banditismo, nomeadamente na liquidação, limpeza e amnistia.
O povo, Camarada Macondinho, diz que também viveu grande entusiasmo, durante aqueles dias em que acompanhou pela televisão milhares de bandoleiros entregando-se ao nosso Governo. O que espanta ao povo é que, mesmo depois de tanta rendição, depois de desdobradas acções militares de recolha de armas em mãos alheias, os bandoleiros não acabaram. Parece que se multiplicaram por Inhambane, Sofala, Manica, Tete, Zambézia, mesmo aí em Nampula.
O povo está ciente de que nesta guerra há duas frentes, a urbana e a campestre. Na urbana, é onde ocorrem os raptos, assassinatos contra opositores; na campestre, é onde a guerrilha recolhe armas aos nossos soldados, que antes as têm recolhido na cidade. É o ciclo vicioso.
Como pode ver, diz o povo, o seu energético e desdobrado esforço para acabar com os bandoleiros, tem conhecido repercussões colaterais até na sua vida social, pois daqui a pouco o Camarada termina o seu mandado e, pelos vistos, pelo ritmo em que as coisas vão, com a guerra que se intensifica e se alastra, corre o risco de não ter acesso ao seu alojamento em Nacarôa.
Camarada Macondinho, no dia da Páscoa vimo-lo participando na missa. Todavia, uma fotografia que ilustra como o senhor dormia, espelha a sua crise de fé. Dirigir um país é como conduzir um carro, pois, se faltar perícia, pode chocar com o carro no posto ou no muro. Vê-lo cansado, a dormir, num acto sagrado, de intercessão com Deus, porque se lhe podia pedir a Paz, causou susto a muitos, apesar de compreendermos o esforço sobre-humano que tem desenvolvido nestes dias, para acabar com aqueles que pensam diferente dos membros do seu partido.
Pensemos juntos: a guerra, por mais sobre-humanos que sejamos, desvia-nos de todas as atenções e esgota a nossa capacidade física e intelectual de resistirmos ao cansaço. E, se bem que isso é verdade, então é tempo de arrumar a casa. Melhor negociar um acordo com dignidade, do que negociar humilhantemente um acordo.
E se é assim, não vejo o que lhe impede de telefonar ao seu desavindo irmão, para se encontrarem e juntos resolverem de uma vez por todas as vossas divergências, à luz do diálogo, sentados, como é o costume nas nações civilizadas, pois o povo diz que os seus filhos estão a morrer e não vêem de que sirva insistir no seu oculto plano quinquenal de liquidação da oposição.
E se é a língua portuguesa a causa de fracasso, de redundância que está na origem do aborto de todos os outros acordos, sugeria-lhe que, desta feita, se dialogasse em maconde e ndau.
(Adelino Timóteo, Canalmoz)
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