Em apenas dois dias, duas agências de notação financeira vieram colocar em causa a capacidade de Moçambique lidar com a atual crise, desencadeada pela descoberta de perto de 1.400 milhões de dólares de dívidas não orçamentadas em empresas do setor de Defesa. Uma delas, a Mozambique Asset Management, entrou na segunda-feira em incumprimento numa dívida garantida pelo Estado moçambicano. E o país parece cada vez mais à deriva, numa perfeita tempestade nos mercados financeiros.
Na semana passada, o ministro das Finanças disse no Parlamento que decorriam negociações para reestruturar a dívida da MAM, deixando uma nota de otimismo em relação a um desfecho positivo. Segundo Reuters, os credores rejeitaram a proposta moçambicana para reestruturar pagamentos do crédito (VTB Bank). E a MAM entrou em incumprimento, falhando um pagamento de 178 milhões de dólares, segundo a mesma fonte. Agora, as negociações continuam.
A divulgação da dívida pública oculta (1.400 milhões de dólares) veio revelar significativas obrigações de reembolso de curto prazo, que os analistas financeiros acreditam que podem precipitar a curto prazo uma crise na balança de pagamentos de Moçambique. Por esta razão, a Fitch Ratings desceu na segunda-feira, horas antes do pagamento da MAM, a notação da dívida de Moçambique (IDRs) de ‘CCC’ para ‘CC’, indicando a “probabilidade de um incumprimento de algum tipo”.
“A incerteza aumentou acerca da capacidade da MAM para o serviço da sua dívida e se o governo vai intervir para honrar as obrigações”, afirma a Fitch. “Embora o governo pudesse recorrer a reservas para pagar a amortização da MAM, isso seria colocar graves tensões sobre as reservas e poderia acrescentar às pressões externas e de câmbio. Uma alternativa é a busca de outras fontes de financiamento externo, como empréstimos, principalmente bilaterais”, o que “pode ajudar a evitar desequilíbrios macroeconómicos a curto prazo, mas traria riscos para a sustentabilidade da dívida”, adianta.
“As posições fiscais e externas de Moçambique continuam a deteriorar-se, em parte devido à decisão dos doadores e organizações multilaterais de suspender o apoio orçamental programado até que a crise da dívida seja resolvida”, diz ainda a Fitch.
A missão do FMI a Maputo terá lugar apenas no próximo mês, quando esteve inicialmente prevista para abril e maio, fazendo antever que quaisquer pagamentos do Fundo a Moçambique, que viriam aliviar a situação financeira, só terão lugar em julho, na melhor das hipóteses.
No final da semana passada, a agência Moody´s iniciou um processo de reavaliação da notação das obrigações soberanas de Moçambique (Caa1) pela Moody ‘s Investors Service, que iniciou reavaliação do “rating” para avaliar as consequências da crise das dívidas escondidas. A dívida pública, estima, estará próximo dos 70% do PIB.
A revelação de dívidas anteriormente não declaradas, adianta, “minou a solvabilidade” do Estado de Moçambique, os níveis de dívida são agora mais elevados do que o previsto anteriormente, “e as pressões sobre seu fluxo de caixa e sobre a balança de pagamentos do país são mais graves, com o serviço de dívida em moeda estrangeira custar mais do que o previsto anteriormente”.
A Moody´s “irá avaliar o risco de que o governo venha a reestruturar ou concordar com a reestruturação de qualquer dívida do governo ou garantida pelo governo, quer como condição para a manutenção do apoio externo, por exemplo, ao abrigo de um programa do FMI, quer como decisão política independente”. A Revisão também permitirá “avaliar a veracidade dos relatos de imprensa recentes que sugerem que o governo de Moçambique não vai honrar suas garantias sobre as obrigações recentemente divulgadas”.
Segundo o Briefing Africa Monitor de hoje, o incumprimento do pagamento da MAM acentua degradação da reputação do país junto dos investidores internacionais, o que cria problemas também ao desenvolvimento das reservas de gás natural, onde estão depositadas as esperanças de crescimento económico futuro.
Na situação atual, “torna-se ainda mais difícil para os promotores de grandes projetos de investimento conseguir financiamento em termos favoráveis, de que necessitam para avançar com os projetos de desenvolvimento do gás natural”, enquanto o Estado vê “debilitada também a posição negocial perante estes investidores (Eni, Anadarko), quando há ainda por definir acordos de partilha de produção”.
“O evento vem também demonstrar a crescente intransigência e inflexibilidade dos credores moçambicanos, que se sentiram defraudados com as revelações que se seguiram ao processo negocial que levou à reestruturação da dívida da EMATUM”. “Ficam indicações de um Estado sem soluções, estratégia ou capacidade de resposta, com pouco mais do que um discurso apaziguador para lidar com aquela que será já a maior crise financeira da sua história”, adianta o Briefing.
Fonte: Africa Monitor, no MOZREAL
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