Friday, 29 July 2016

Os cunhados do Estado: uma questão de razoabilidade


Já havíamos anotado, em reflexões anteriores, que há uma cruzada aparentemente imparável de falta de vergonha praticada de forma abusivamente estilosa pelos servidores públicos nacionais. Essa actuação está em via acelerada de se tornar política oficial: a falta de vergonha rumo ao avacalhamento do Estado.
O tema principal da presente edição envolve um indivíduo já referido muito recentemente aqui neste mesmo espaço: o actual ministro dos Transportes e Comunicações e as suas teias ilegais de favoritismo ao serviço de si mesmo. E como que a confirmar uma marca registada, eis que o “actor” regressa agora com mais um número vergonhoso, e, mais uma vez, em prejuízo do Estado.
Com ajuda de um membro de bom senso no Conselho de Administração das Linhas Aéreas de Moçambique, ficámos a saber que há um funcionário, naquela empresa, que vive numa luxuosa “suite” presidencial de um dos melhores hotéis da capital do país. Mora lá simplesmente porque assim decidiu. A alegação é que veio transferido de Johannesburg para ser administrador comercial e “não tem casa”.
A empresa é obrigada a pagar pela estadia do ilustre administrador uma factura diária de 14.000,00 meticais. Das contas feitas pelo “Canal de Moçambique”, até aqui o ilustre administrador está a custar mais de dois milhões de meticais.
No dia 8 de Julho, o ministro das Finanças, Adriano Maleiane, foi à Assembleia da República apresentar um Orçamento Rectificativo restritivo, para responder a uma exigência de austeridade que o Estado teve de impor-se, devido à falta de dinheiro. Quando o ministro disse que era um orçamento restritivo, que incluía medidas de austeridade e de racionalização da despesa pública, provavelmente não sabia que o mesmo Estado, do qual se diz que não tem dinheiro, tem funcionários a viver em “suites” presidenciais à grande e à francesa, e, no nosso caso, a viver “à ‘Cardoso’”.
O local em que vive o administrador comercial da LAM e toda a sua envolvente de cunho presidencial desmente qualquer conversa de austeridade, de falta de dinheiro ou de crise e destapa mais uma vez a extravagância da classe governamental nacional e revela uma tendência insana para o luxo injustificado e sustentado pelo dinheiro que devia comprar medicamentos para os hospitais, carteiras para as escolas e insumos agrícolas para a produção de comida.
O que se diz na LAM, e é verdade, é que só é permitido ao ilustre e especial administrador viver como presidente porque é cunhado do ministro que tutela a empresa, o senhor Carlos Mesquita. Nenhum outro administrador tem tal tratamento de majestade como o Grande Cunhado.
Carlos Mesquita, que foi superiormente escolhido para ser ministro dos Transportes e Comunicações, casou-se, no dia 16 de Abril de 2016, com a senhora Fátima Sacugy, que é irmã do administrador. Mas antes, no dia 8 de Fevereiro, o ministro presenteou o irmão da senhora Fátima Sacugy com um cargo de administrador comercial, e, dois meses, depois casou com a irmã do administrador. O estimado leitor deve estar maravilhado com tamanha e tão feliz coincidência dentro do Estado.
Como consequência desta coincidência oficial, o Estado foi obrigado a ter um cunhado, a quem, por inerência, tem de pagar uma “suite” presidencial por longos meses, porque “veio transferido”.
Há aqui duas questões para análise: por um lado, um futuro cunhado presenteado com um cargo de administrador numa empresa do Estado; por outro lado, essa empresa, que está numa clara situação de falência técnica, é colocada a financiar quartos de luxo para acomodar cunhados em regimes excepcionais manifestamente ilegais.
Existe na LAM uma Comissão de Remuneração, que é o órgão que propõe à Assembleia-Geral da empresa a aprovação das remunerações e das regalias para os membros dos órgãos sociais. Segundo um documento denominado “Acta da Comissão de Remuneração da LAM”, que nos foi facultado por um antigo PCA da LAM, os administradores não têm direito a casa. Quem tem direito a casa é apenas o presidente da Comissão Executiva.
A Lei da Probidade Pública, na alínea a) do Artigo 25, estabelece que é proibido ao servidor público: usar o poder oficial ou a influência que dele deriva para conferir serviços especiais, nomeações ou qualquer outro benefício pessoal que implique um privilégio para si próprio, seus familiares, amigo ou qualquer outra pessoa, mediante remuneração ou não. 
Mas se for trabalhoso usar a via da Lei da Probidade Pública, basta usar uma norma de gestão interna da LAM.
Portanto, esta determinação interna também foi violada. Só Carlos Mesquita e o cunhado nos podem dizer em que se basearam para fortificar o seu laço de familiaridade usando o Estado.
Se isso não for suficiente, podemos convocar os princípios mais elementares da razoabilidade humana. Como é que alguém num estado psíquico saudável nomeia o seu futuro cunhado e depois coloca-o a viver num hotel de luxo em nome do Estado, ao arrepio de quase todas as normas? Das duas, uma: ou a lei e as suas instituições não servem, ou o ministro Maleiane anda a mentir sobre a crise, porque pelo menos a Câmara dos Cunhados diz que… “não há crise”.
Lembramos ao estimando leitor que Carlos Mesquita assinou, há dias, contratos de cabotagem com ele mesmo, com o braço esquerdo representando o ministro Mesquita que superintende a área dos Transportes e Comunicações, e com o braço direito representando o empresário Mesquita com interesses na “Cornelder Moçambique” e na “Cornelder Quelimane”. Hoje é o caso do cunhado a desmentir materialmente a narrativa da crise. A conclusão a que se chega é que o Estado foi revogado, e as leis seguiram o mesmo caminho.





 (Editorial,  Canal de Moçambique/CanalMoz)

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