Tuesday, 5 July 2016

Carlos Mesquita: um exemplo de transparência na corrupção

 Tinha razão o filósofo alemão Georg Christoph Lichtenberg quando, no auge das arbitrariedades do Governo alemão, afirmou que, “quando os que mandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito”. Definitivamente, a falta de vergonha tomou conta, de forma eloquente, dos servidores públicos nacionais e está em progressiva via de se tornar instrumento oficial de actuação.
Qualquer cidadão medianamente esclarecido deve ter ficado profundamente chocado quando, na passada quarta-feira, viu pela televisão o ministro dos Transportes e Comunicações, Carlos Mesquita, a assinar, em representação do Governo, memorandos de entendimento com quatro concessionárias dos portos de Maputo, Beira, Nacala e Quelimane, visando a conceder benefícios exclusivos de exploração a estas quatro empresas. Para afastar suspeitas, foi dito que o memorando visa a “revitalização da cabotagem”. Até aqui, tudo bem.
Mas o que o estimado leitor pode não saber é que, na verdade, Carlos Mesquita assinou contratos consigo mesmo. Confuso? A seguir, explicamos: Carlos Mesquita, o ministro dos Transportes e Comunicações, é também o mesmo Carlos Mesquita dono da “Cornelder de Moçambique” e da “Cornelder Quelimane”, duas das quatro empresas com quem o Carlos Mesquita ministro assinou o memorando de concessão de facilidades. Em poucas palavras, o Mesquita-ministro assinou dois contratos com o Mesquita-empresário.
À luz do referido memorando, haverá redução de tarifas portuárias em 60% no porto da Beira e em 50% nos portos de Maputo, Nacala, Quelimane e Pemba. Espera-se também a redução em 40% das taxas de prestação de serviços aos operadores de cabotagem, cobradas pelo Instituto Nacional da Marinha, e da taxa de ajudas à navegação, cobrada pelo Instituto Nacional de Hidrografia e Navegação.
A “Cornelder Moçambique S.A.R.L.” é uma sociedade entre a empresa “Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique E.P.” e a empresa holandesa “Cornelder B.V.”. Carlos Mesquita foi presidente do Conselho da Administração dessa empresa. Quando foi chamado por Filipe Nyusi para fazer parte do Governo como ministro dos Transportes e Comunicações, em 2015, Carlos Mesquita indicou o seu irmão Adelino Mesquita para ficar na “Cornelder”.
A outra empresa, a “Cornelder Quelimane”, é directamente propriedade de Carlos Mesquita. Foi fundada em Julho de 2004 com o objecto social de gestão e operação do porto de Quelimane. A “Cornelder Quelimane” é participada pela multinacional holandesa “Cornelder” e pela empresa “Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique E.P.” e tem como sócios, Carlos Mesquita, que é ministro dos Transportes e Comunicações, Rui Fonseca (que na altura da constituição da sociedade era presidente do Conselho de Administração dos CFM), Domingo Bainha (que na altura da constituição da sociedade era membro do Conselho de Administração dos CFM) e Miguel Matabele.
Portanto, não resta qualquer tipo de dúvidas de que as duas empresas com quem Carlos Mesquita assinou um memorando são sua propriedade.
A Lei 16/2012, de 14 de Agosto, a Lei de Probidade Pública, é muito clara em relação à situação em que Carlos Mesquita se encontra.
Segundo a alínea a) do Artigo 25 da Lei de Probidade Pública, é proibido ao servidor público: usar o poder oficial ou a influência que dele deriva para conferir serviços especiais, nomeações ou qualquer outro benefício pessoal que implique um privilégio para si próprio, seus familiares, amigo ou qualquer outra pessoa, mediante remuneração ou não.
Neste caso, Carlos Mesquita, usando do poder discricionário que detém como ministro dos Transportes e Comunicações, criou um memorando para meter dinheiro no seu próprio bolso através das duas “Cornelders”.
Estamos perante uma gritante situação de conflito de interesses. De forma crua e nua, Carlos Mesquita esquartejou a lei para enriquecer. O Artigo 33 da mesma Lei de Probidade Pública diz que ocorre conflito de interesses quando o servidor público se encontra em circunstâncias em que os seus interesses pessoais interfiram ou possam interferir no cumprimento dos seus deveres de isenção e imparcialidade na prossecução do interesse público.
Neste caso, é cristalino como água que Carlos Mesquita beneficiou as suas empresas, em detrimento das demais que podiam concorrer e preencher tais vagas. Não houve isenção e muito menos imparcialidade.
Dada a falta de vergonha que caracteriza esta gente, é provável que o ministro e os seus acólitos venham dizer que, no caso da “Cornelder Moçambique”, o ministro já se desligou dela. Mas o Artigo 37, na alínea c), da mesma Lei de Probidade Pública, estabelece que existe conflito de interesse decorrente de relações de parentesco quando o servidor público tenha de tomar decisões, praticar um acto ou celebrar um contrato em que nele tenha interesse financeiro, ou de qualquer natureza, qualquer parente até ao segundo grau da linha colateral. Ora, na “Cornelder Moçambique” está o irmão do Mesquita.
O que nos parece é que a Lei de Probidade Pública em vigor na República de Moçambique não é aplicável ao ministro dos Transportes e Comunicações. É um cidadão especial. Porque, se fosse aplicável, Carlos Mesquita não assinaria esses memorandos com ele mesmo à luz do dia e com direito a cobertura televisiva.
Se calhar, porque a comunidade internacional anda a exigir transparência, Carlos Mesquita decidiu dar o pontapé de saída no novo paradigma do Governo: tornar a corrupção transparente e não deixar qualquer margem para dúvidas. Na nossa opinião, isto já dá para um Prémio Nobel da falta de escrúpulos. O próximo passo será abolir as leis e suspender o Estado de Direito democrático. Estamos muito próximos. Carlos Mesquita é apenas uma amostra de tipo de governantes-empresários que avacalham o Estado à luz do dia.





(Editorial, Canal de Moçambique/CanalMoz)

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