Entre dialogar, bombardear ou ilegalizar a Renamo
O insistido coro de alguns sectores da Frelimo, semana passada, para a ilegalização da Renamo ou então para a continuação de bombardeamentos na serra da Gorongosa, abriu o capítulo 2 da maior contradição de sempre na história do partido, envolvendo membros e um presidente daquela formação política.
O sinal de abertura manifestado por Filipe Nyusi, a 16 de Junho último, para o restabelecimento da paz em Moçambique, pode ter irritado os sectores mais radicais dentro do seu partido, que sempre defenderam a via militar para com a Renamo de Afonso Dhlakama.
O que é certo é que não tardou a contradição a um presidente que, segundo analistas políticos, levará o seu tempo para ter uma Frelimo que o dê ouvidos.
“Não será em cinco anos que se vai apagar o que vem de há mais de 10 anos”, vaticinava em Janeiro, ao SAVANA, o politólogo João Pereira, nas vésperas da II Sessão Extraordinária do Comité Central (CC) da Frelimo.
Dizia o professor universitário que, apesar de ser filho de antigos combatentes, o presidente Nyusi não é veterano da luta e isso não joga a seu favor.
Na mesma senda, o docente de ciência política, Domingos do Rosário, mostrava-se céptico quanto à afirmação imediata de Filipe Nyusi na Frelimo, afirmando que “há poderes que bloqueiam o presidente” e que o fariam por muito mais tempo.
“Nyusi não vai governar este País”, sentenciava, na altura, indicando ainda que o presidente até poderia fazer alterações na Comissão Política e no Comité Central, mas as mudanças não se fazem por decreto.
O tempo, esse, vai se encarregando por mostrar as divergências entre Filipe Nyusi e alguns dos seus teóricos subordinados que, na prática, parecem ser seus superiores, que por detrás de sombra ditam regras no partido e no Governo.
Nem a retirada, a saca-rolhas, de Armando Guebuza da presidência da Frelimo, na “sangrenta” IV Sessão Ordinária do Comité Central de Março de 2015, parece não ter dado o verdadeiro martelo que o engenheiro do planalto de Mueda necessita para governar ao seu estilo.
Foi assim que, uma semana depois de Filipe Nyusi ter recuado da negação de haver observadores no diálogo com a Renamo, devolvendo esperança aos moçambicanos, os deputados da bancada parlamentar do seu partido, na sua maioria descritos como saudosistas do que na gíria ficou conhecido como guebuzismo, voltaram a enviar um “não, senhor presidente”, em sede da Assembleia da República.
Decorria a sessão reservada à apresentação e debate do informe da procuradora-geral da República sobre o Estado da Justiça, quando os deputados da Frelimo defenderam, de viva voz, a necessidade urgente de ilegalização da Renamo, o maior partido da oposição.
Num tom bastante intransigente, os deputados, com o pontapé de saída dado por aquela que já foi conhecida como senhora das patinhas, Lucília Hama, bateram-se duro para que a Renamo e o seu líder sejam responsabilizados em sede da justiça, transferindo para o campo legal um assunto meramente político que num passado mais recente até mereceu amnistia.
Na verdade, vários sectores de opinião, incluindo de dentro do partido governamental, não entendem a pertinência do apelo para a ilegalização da Renamo, precisamente na altura em que o presidente da República e do partido parece estar a abrir a mão rumo à paz.
Insistem que essa só pode ser obra de quadros de topo do partido no poder, os mesmos que, alegadamente, no passado, tudo fizeram para reduzir o timbre mais conciliatório que Nyusi tem dado a Dhlakama, o rival eterno dos “libertadores”.
É que, ao que se comenta, a exigência a ferro e fogo dos deputados não inspira confiança para a Renamo e Afonso Dhlakama irem à mesa de negociações.
Aliás, depois de passos significativos para a paz, Dhlakama voltou a colocar na ordem do dia aquilo que chama de falta de condições de segurança para sair das matas da Gorongosa, desde que a 9 de Outubro de 2015 viu sua residência assaltada na Beira, por forte contingente misto das forças governamentais, pelo que, para o restabelecimento da confiança, um discurso reconciliatório precisa-se.
Em reacção à preocupação dos seus camaradas para ilegalizar a Renamo, a procuradora Beatriz Buchili prometeu agir, assegurando ter tomado nota do pedido. Em resposta, também com tom ameaçador, a chefe da bancada parlamentar da “perdiz”, Ivone Soares, disse que o seu partido está à espera de ver quem é esse que vai “ilegalizar a Renamo”.
A divergência da semana passada abre a segunda fase da maior contradição de sempre na história da Frelimo, entre membros e presidente.
A primeira vez foi em 2015, logo depois de Filipe Nyusi se ter reunido com o presidente da Renamo, a quem terá recomendado o envio ao Parlamento do Projecto Lei sobre as autarquias provinciais para ser aprovado com o que Afonso Dhlakama descreveu como tratamento especial igual ao dado a nova legislação eleitoral, em 2014.
Em reposta, membros da Frelimo, sobretudo elementos da poderosa Comissão Política, na altura dirigida por Guebuza, desdobraram-se pelas províncias deixando claro que a Frelimo nunca irá permitir tal partilha de poder com um inimigo por abater.
Entretanto e coincidentemente, na mesma semana em que os deputados da Frelimo apregoaram a ilegalização da Renamo, o antigo presidente da República, Joaquim Chissano, que este ano foi apontado pela Africa Inteligence como estando em sintonia com o seu sucessor Armando Guebuza, numa estratégia para encurralamento da Renamo, voltou a defender bombardeamento contra a Renamo.
Chissano, que durante muito tempo foi visto como o homem da paz, tem vindo a defender, nos últimos tempos, as incursões armadas contra a Renamo, numa estratégia de diálogo debaixo de fogo que considera normal.
No SAVANA de 15 de Janeiro passado, João Pereira dizia que na Frelimo houve sempre vários grupos de interesse, mas sempre reinou a noção de coesão para a salvaguarda do partido. Vincava que os camaradas sempre foram especialistas em fazer alianças para manter a coesão interna.
O que fica por saber agora é qual será o caminho para a paz. Se será ilegalizar e bombardear a Renamo ou com ela se dialogar.
Armando Nhantumbo, SAVANA – 01.07.2016, no Moçambique para todos
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