Com um rescaldo de destruição e de vidas humanas injustamente sacrificadas, tudo indica que se vai agora a uma negociação para se pôr termo à ameaça de guerra civil que perdura há já muito tempo. Pelo menos a nível formal há essa indicação pública de Filipe Nyusi, mesmo sabendo-se que a expedição de efectivos militares e de material bélico continua.
Na semana passada, foram aos milhares os jovens que cruzaram o Save para a região centro a “caminho da guerra”. Na Gorongosa e em Manica, as confrontações continuam, não se sabendo sob ordens de quem as Forças de Defesa e Segurança continuam as incursões.
Na nossa modesta opinião, uma manifestação inequívoca desse interesse de negociar devia ter sido antecedido por uma ordem de suspensão imediata da perseguição ao presidente da Renamo e da vaga de raptos e assassinatos dos seus membros.
Se se dá corpo à mobilização da negociação com estas questões assim como estão, dar-se-á então razão ao justo cepticismo que já se criou.
E quando se fala de cepticismo terão razão as vozes que forem a afirmar que a única entidade que neste momento tem de provar seriedade e boa vontade é o Governo.
Está tudo nas mãos do Governo, apesar da propaganda avulsa que se pretenda fazer, para depois indexá-la a uma alegada intransigência da direcção da Renamo.
É preciso esclarecer aos estimado leitor que a cronologia e a racionalidade dos últimos acontecimentos provam que é o Governo que se deve aplicar, não apenas para ser, mas também para parecer, comprometido, e a fazer jogo limpo.
Não pode Filipe Nyusi pensar que assim, do dia para a noite, se pode sensibilizar Afonso Dhlakama para sair das matas para Maputo, tendo ele sido cobaia de três tentativas públicas de assassinato orquestradas pelo Governo, que incluem uma sessão de humilhação pública na sua residência na cidade da Beira. É preciso que Nyusi apague da cabeça, primeiro, de Afonso Dhlakama, e depois, dos moçambicanos, que desistiu da ideia de assassinar o presidente da Renamo.
Se calhar é esta a oportunidade que Nyusi tem de se distanciar publicamente daqueles actos, ou assumi-los e pedir perdão pela sua incomensurável gravidade e inaceitabilidade.
É que, para nós, se a mobilização para negociação ignorar estas questões e as varrer para debaixo do tapete, então estaremos em mais um exercício de ganhar tempo, em que serão distribuídos sorrisos e palmadinhas, e no dia seguinte estaremos aqui na estaca zero e com os beligerantes de armas em punho, mais uma vez.
E a posição da Renamo em relação a estes convites para a mesa de negociações deverá ser muito importante.
Dissemos aqui, no passado, que o maior problema de Afonso Dhlakama, apesar da sua perícia militar, cuja patente de general os factos comprovam, é continuar a ser um eterno estagiário político. Foi por ter-se comportado como estagiário da “real politik” que acabou enganado e infantilizado, depois do Acordo de Setembro de 2014.
Dhlakama deve ir a estas negociações ciente de que a sua credibilidade está pela rua das amarguras junto dos seus apoiantes, que embarcaram na promessa de governação em Março. Dhlakama deve ir a estas negociações ciente de que a crueldade da idade já não lhe permite um outro desdobramento militar, caso isto não dê em nada.
Se for inteligente, Dhlakama saberá que tem agora a cartada da sua honra para jogar. É uma questão de escolha: ou fica eternizado como o homem que desafiou positivamente a Frelimo e o seu estabelecimento, ou como um eterno falhado, e certamente que a última opção não é insígnia que fez bons homens.
Para isso, Dhlakama deverá deixar de ser um simples e corriqueiro Dhlakama. Deve sair do abstracto e deixar de se contentar em saírem parangonas jornalísticas com declarações bombásticas efémeras e cansativas. Isso passa por apresentar questões concretas, sérias, nacionais e, acima de tudo, exequíveis.
Contratos-promessa revelaram que carecem de boa-fé, coisa que a Frelimo nunca teve nestas questões.
De todas as vezes que a Renamo embarcou em promessas de boa-fé da Frelimo, acabou infantilizada e objecto de chacota pública.
A Renamo deve entender que questões como a decentralização, a desfrelimização do Estado e das suas oportunidades, o fim da instrumentalização das Forças de Defesa e Segurança, são uma agenda nacional e que mobiliza a todos.
Se a Renamo souber trabalhar nestas questões e apresentar propostas muito concretas, terá dado um grande passo.
(Editorial do Canal de Moçambique e do Canalmoz, no Moçambique para todos)
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