O Financial Times apresentou nesta sexta-feira a reestruturação de dívida proposta pela Empresa Moçambicana de Atum (Ematum) como uma fábula e um alerta para os investidores sobre os perigos da dívida dos mercados emergentes na África subsaariana.
"Aquilo que era suposto ser uma iniciativa positiva para Moçambique - a criação de uma frota pesqueira para dar nova vida à sua economia - acabou por colocar debaixo de um holofote desconfortável a maneira como as nações em desenvolvimento utilizam a dívida e o papel dos bancos internacionais nos empréstimos e conselhos aos mercados de fronteira", lê-se na edição de hoje do Financial Times.
No extenso artigo assinado pelos jornalistas Andrew England e Elaine Moore, é passada em revista a história da Ematum, principalmente desde a emissão de dívida de 850 milhões de dólares há três anos, 500 milhões dos quais acabaram por ir parar ao Orçamento, no capítulo dedicado ao Ministério da Defesa, "o que fez dispara o peso da dívida", dizem.
A maior parte da dívida externa de Moçambique, lembra o artigo, foi emitida em moeda estrangeira, e representa agora 70 por cento do PIB, 60% dos quais em dívida pública externa, incluindo as garantias estatais - de acordo com os cálculos da agência financeira Bloomberg, o peso da dívida da Ematum no total da dívida pública moçambicana ultrapassa os 40%.
O FT cita uma entrevista com o presidente da Ematum, António do Rosário, concedida antes da proposta de recompra de obrigações e da consequente descida do 'rating' do país pela Standard & Poor's e pela Fitch, na qual o responsável defende que a compra da frota pesqueira e o equipamento militar naval era "um desenvolvimento imperativo" para beneficiar dos 2.500 quilómetros de costa que Moçambique tem e para a exploração da pesca de atum.
"Para outros, no entanto, a saga das 'obrigações do atum' é uma espécie de fábula sobre o endividamento das nações mais pobres durante o forte crescimento dos mercados emergentes - alimentado por investidores à procura de lucro num ambiente económica global de taxas de juro baixas - que agora acabou de forma abrupta", escreve o FT.
Os países e empresas dos mercados emergentes bateu o recorde de 1,4 biliões de dólares em 2014, segundo os cálculos da Dealogic, mas no último trimestre do ano passado o valor desceu pela primeira vez desde a crise financeira que desaguou numa recessão mundial em 2009, sinalizando de forma clara que o abrandamento chinês e a desvalorização das moedas africanas face ao dólar diminuiu a atractividade destes mercados aos olhos dos investidores.
"O problema é a qualidade destes activos que foram financiados pelo crescimento da dívida", sintetizou o economista-chefe do BIS, Hyun Song Shin, apontando ao FT que "todas as fraquezas estão agora a ser descobertas".
A Ematum é o exemplo perfeito, considera o jornal britânico, lembrando que o Fundo Monetário Internacional considerou que a empresa é "uma fonte de risco financeiro substancial" para Moçambique.
Em 2013, um veículo financeiro especial da Ematum emitiu 500 milhões de dólares de dívida, que assim não ficou obrigado a tanta transparência como se fosse uma emissão de dívida soberana por parte do país.
Mais tarde, a esses 500 milhões vendidos a investidores pelo Credit Suisse e BNP Paribas juntaram-se mais 350 milhões organizados pelo VTB Capital, totalizando 850 milhões de dólares apresentados aos investidores como obrigações com garantia do Estado e uma taxa de juro anual de 6,305%, mas como foram vendidos com um ligeiro desconto no preço inicial, na prática "isto dava aos investidores um atrativo rendimento real de 8,5%", lembra o FT.
No prospecto, no entanto, não havia qualquer referência a navios militar ou lanchas rápidas de cariz militar, apenas eram abordadas as actividades piscatórias da Ematum.
"Comprámos os títulos como se fossem 'equivalentes' a títulos de dívida soberana de Moçambique, diz o director de investimentos da Allianz, um dos maiores detentores de dívida da Ematum.
"Era suposto que o dinheiro fosse para companhia moçambicana de atum para comprar barcos mas infelizmente viemos a saber depois que uma boa parte do dinheiro acabou na guarda costeira de Moçambique a comprar navios", lamenta Greg Saichin.
Os investidores, apesar de parecerem inclinados a aceitar a proposta de recompra de obrigações, aliciados por um juro mais alto e um prémio de recompra de 5%, apesar de uma extensão das maturidades em três anos, de 2020 para 2023, estão cépticos, diz o FT.
"A realidade nua e crua de investir nestes mercados é que o dinheiro pode desaparecer; neste caso há uma falta de transparência. Se tivesse havido uma declaração de que o dinheiro ia ser usado para navios militares para proteger a costa, isso teria feito sentido, mas não houve", disse o gestor de investimentos da holandesa NN Investment Partners.
Para Marco Ruijer, cuja firma é a quinta maior detentora de dívida da Ematum, toda a saga destes títulos é "chocante".
No extenso artigo assinado pelos jornalistas Andrew England e Elaine Moore, é passada em revista a história da Ematum, principalmente desde a emissão de dívida de 850 milhões de dólares há três anos, 500 milhões dos quais acabaram por ir parar ao Orçamento, no capítulo dedicado ao Ministério da Defesa, "o que fez dispara o peso da dívida", dizem.
A maior parte da dívida externa de Moçambique, lembra o artigo, foi emitida em moeda estrangeira, e representa agora 70 por cento do PIB, 60% dos quais em dívida pública externa, incluindo as garantias estatais - de acordo com os cálculos da agência financeira Bloomberg, o peso da dívida da Ematum no total da dívida pública moçambicana ultrapassa os 40%.
O FT cita uma entrevista com o presidente da Ematum, António do Rosário, concedida antes da proposta de recompra de obrigações e da consequente descida do 'rating' do país pela Standard & Poor's e pela Fitch, na qual o responsável defende que a compra da frota pesqueira e o equipamento militar naval era "um desenvolvimento imperativo" para beneficiar dos 2.500 quilómetros de costa que Moçambique tem e para a exploração da pesca de atum.
"Para outros, no entanto, a saga das 'obrigações do atum' é uma espécie de fábula sobre o endividamento das nações mais pobres durante o forte crescimento dos mercados emergentes - alimentado por investidores à procura de lucro num ambiente económica global de taxas de juro baixas - que agora acabou de forma abrupta", escreve o FT.
Os países e empresas dos mercados emergentes bateu o recorde de 1,4 biliões de dólares em 2014, segundo os cálculos da Dealogic, mas no último trimestre do ano passado o valor desceu pela primeira vez desde a crise financeira que desaguou numa recessão mundial em 2009, sinalizando de forma clara que o abrandamento chinês e a desvalorização das moedas africanas face ao dólar diminuiu a atractividade destes mercados aos olhos dos investidores.
"O problema é a qualidade destes activos que foram financiados pelo crescimento da dívida", sintetizou o economista-chefe do BIS, Hyun Song Shin, apontando ao FT que "todas as fraquezas estão agora a ser descobertas".
A Ematum é o exemplo perfeito, considera o jornal britânico, lembrando que o Fundo Monetário Internacional considerou que a empresa é "uma fonte de risco financeiro substancial" para Moçambique.
Em 2013, um veículo financeiro especial da Ematum emitiu 500 milhões de dólares de dívida, que assim não ficou obrigado a tanta transparência como se fosse uma emissão de dívida soberana por parte do país.
Mais tarde, a esses 500 milhões vendidos a investidores pelo Credit Suisse e BNP Paribas juntaram-se mais 350 milhões organizados pelo VTB Capital, totalizando 850 milhões de dólares apresentados aos investidores como obrigações com garantia do Estado e uma taxa de juro anual de 6,305%, mas como foram vendidos com um ligeiro desconto no preço inicial, na prática "isto dava aos investidores um atrativo rendimento real de 8,5%", lembra o FT.
No prospecto, no entanto, não havia qualquer referência a navios militar ou lanchas rápidas de cariz militar, apenas eram abordadas as actividades piscatórias da Ematum.
"Comprámos os títulos como se fossem 'equivalentes' a títulos de dívida soberana de Moçambique, diz o director de investimentos da Allianz, um dos maiores detentores de dívida da Ematum.
"Era suposto que o dinheiro fosse para companhia moçambicana de atum para comprar barcos mas infelizmente viemos a saber depois que uma boa parte do dinheiro acabou na guarda costeira de Moçambique a comprar navios", lamenta Greg Saichin.
Os investidores, apesar de parecerem inclinados a aceitar a proposta de recompra de obrigações, aliciados por um juro mais alto e um prémio de recompra de 5%, apesar de uma extensão das maturidades em três anos, de 2020 para 2023, estão cépticos, diz o FT.
"A realidade nua e crua de investir nestes mercados é que o dinheiro pode desaparecer; neste caso há uma falta de transparência. Se tivesse havido uma declaração de que o dinheiro ia ser usado para navios militares para proteger a costa, isso teria feito sentido, mas não houve", disse o gestor de investimentos da holandesa NN Investment Partners.
Para Marco Ruijer, cuja firma é a quinta maior detentora de dívida da Ematum, toda a saga destes títulos é "chocante".
No comments:
Post a Comment