Sobre o que está a acontecer, avisos não faltaram.
Multiplicámos, aqui neste espaço, apelos para que se tomasse uma outra postura para inverter a galopante cavalgada da intolerância e da banalização do outro. Avisámos, aqui neste mesmo espaço, que não se podia brincar ao “a ver vamos”, num país em que as feridas do ódio e dos abusos do passado não estavam devidamente saradas nem os machados da anterior confrontação devidamente enterrados.
Fomos ignorados, e hoje estamos aqui, com um país dividido e a alguns palmos para a violência generalizada e o seu oportunismo em anexo.
Mas vale a pena recordar ao estimado leitor que o país não foi arrastado até aqui onde está por mera obra do acaso. Ao investir-se em material de guerra, quando todos pediam tolerância e aproximação, era um prenúncio de que os senhores da guerra no Governo já tinham no horizonte todo este espectáculo de sangue.
Não é por acaso que o Governo vibra com esta ideia de escoltas militares para sair de Moçambique do Norte para Moçambique do Sul, e vice-versa, quando, em contramão, os automobilistas preferem andar sem os homens armados do Governo e enfrentarem, por si sós, os homens armados da Renamo. O que o Governo está a fazer é pura propaganda.
Quer demonstrar que está alegadamente do lado do povo, num exercício bastante inútil, quanto é sabido quem é que, de facto, anda, desde 2013, à procura de uma nova guerra.
E a parte mais triste desta propaganda governamental é supor-nos a todos como tolos. Esquece-se o Governo que todos nós vimos, só no ano passado, e em menos de um mês, três tentativas governamentais para assassinar Afonso Dhlakama, que incluem o cerco à sua residência, para recuperarem as armas que perderam naqueles actos criminais.
O Governo acredita mesmo que os blocos noticiosos e os “cafés da manhã” servidos pela Rádio Moçambique, pela Televisão de Moçambique e pelos seus jornais podem mesmo embrutecer todo um povo e levá-lo a apreciar os verdadeiros promotores da guerra como inocentes?
Acreditam mesmo que o G40 e os seus desdobramentos internacionais serão capazes de apagar a fraude eleitoral, os atentados de Zimpinga e de Gondola, os sequestros dos membros da oposição, a suspensão das actividades da Renamo em Maputo?
Na nossa óptica, é um exercício para lá do acéfalo investir na propaganda numa altura em que se requer responsabilidade para tirar o país do barril de pólvora. O que os moçambicanos querem é paz e não propaganda. As imagens de um homem com os braços atados e com sinais de espancamento exibidas há dias pela TVM como sendo guerrilheiro da Renamo são
um tiro no próprio pé do Governo.
Primeiro, porque não é novidade que os serviços secretos têm estado a trabalhar nesta questão de propaganda de guerra. Depois de várias vezes o SISE ter apresentado os seus próprios elementos, incluindo presos que se encontram a cumprir penas, como sendo desertores da Renamo, o que nos garante que aquele homem não é um prisioneiro que foi tirado de uma cela qualquer, espancado, amarrado e com pauta indicativa de confissão?
Quem nos garante? Ninguém.
Se as mesmas forças armadas incendiaram casas da população em Tsangano e em Morrumbala, atacaram civis em Manica, e agora, mais recentemente, assaltaram, na semana passada, uma empresa, para espancar trabalhadores, tentaram assassinar um dirigente da oposição, que credibilidade têm agora para vir a público e apresentar um homem torturado como malfeitor?
É que, em matéria de malfeitores, parece-nos que, para o público, já não há qualquer tipo de dúvidas.
Não é a TVM e o SISE que nos vão dar termos de referência sobre bandidos.
Os bandidos desta guerra são conhecidos. Vimo-los quando tentaram recuperar as armas que perderam no assalto à residência do presidente do maior partido da oposição.
Nesta matéria de bandidos desta guerra, estamos conversados.
Apenas insistimos que esta guerra é desnecessária, e alimentá-la, como se está a fazer, pode trazer efeitos desastrosos, como no passado.
Insistir no argumento constitucional parece-nos desculpa de mau pagador, porque o que se exige, pelo menos a nível de espírito, é a descentralização, que, de resto, é progressista e é tudo o que “as províncias” desejam: estar libertas de Maputo, pois acreditam que nesses locais há gente com capacidade de raciocinar e de criar soluções para os seus problemas.
As assimetrias começam ali: quando as pessoas das províncias são vistas como incapacitadas e, por isso, devem esperar pelos iluminados de Maputo. O mais curioso é que os que insistem na parafernália constitucional são os mesmos que, no processo das eleições, executaram o estupro da Constituição.
(Canal de Moçambique)
Editorial do Canalmoz, 29 de Fevereiro de 2016
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