Entre Save e Muxúnguè, centro de Moçambique, os carros só passam quatro vezes por dia desde que as Forças de Defesa e Segurança montaram escoltas militares contra emboscadas na principal via do país, entretanto tornada em "estrada fantasma".
A Lusa fez o troço de cem quilómetros entre Save e Muxúnguè, província de Sofala, tanto dentro da escolta militar como fora dela, numa estrada que evoca um cenário de guerra, exibindo seis viaturas queimadas, incluindo autocarros, lembrando o conflito político-militar entre Governo e Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), entre 2013 e setembro de 2014.
O cenário de destruição contrasta com dois novos blindados "golfinhos" e centenas de militares estatais estacionados em três posições estratégicas no troço para acudir à eventual eclosão de repetição dos ataques das últimas semanas e que têm sido atribuídos aos homens armados da Renamo, no âmbito da sua reivindicação de governar pela força nas seis províncias onde reclama vitória eleitoral.
Um camião-tanque veloz da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), força especial da polícia, liga a sirene e acende pirilampos liderando o início da coluna em Muxúnguè.
Cinco minutos depois, as viaturas já vão lançadas a mais de cem quilómetros por hora e começam as ultrapassagens dos condutores que insistem em desfazer as posições iniciais indicadas pelos agentes policiais para os carros da coluna.
"Não vou atrás de nenhum carro suspeito. Sobretudo esses autocarros que andam a carregar militares", avisa um automobilista antes de partir de Muxúnguè, que calha exatamente atrás de uma viatura da transportadora Nagi Investiment, a companhia que já sofreu duas emboscadas, uma delas causando dois mortos, supostamente por suspeita que levava tropas estatais.
Ao fim de quase meia hora de viagem, as viaturas estão largamente separadas umas das outras e ainda mais do "rebenta minas", como são conhecidos os camiões-tanques que lideram a coluna para não ficarem demasiado perto do que será o principal alvo de um eventual ataque.
Os que tiverem avarias no troço ficam por sua conta, exceto se tiverem a sorte de pararem próximos de uma posição militar, que disponibiliza proteção.
"Tive avaria na coluna de manhã para Muxúnguè, mas agora vou sair porque o camião já foi reparado", disse à Lusa um camionista carregado de toros de madeira, parado próximo ao rio Gorongosa, no distrito de Chibabava, garantindo que ia seguir viagem sem esperar pela próxima escolta, porque "não houve chatice de militares de nenhum lado".
Paradoxalmente, alguns automobilistas fazem questão de separar das escoltas porque se sentem mais protegidos sem elas e chegam a inventar avarias para se distanciarem das viaturas militares.
Outros vão em velocidade reduzida para não ficarem colados aos carros das escoltas, sobretudo os que transportam os polícias da UIR.
"Essas escoltas só são de nome. Desta vez, foi ideia unilateral do Khalau [Jorge Khalau, ex-comandante-geral da Polícia, exonerado a 02 de março). Por isso vêm poucos militares para aqui", confidencia um elemento do Exército quando se arrumava aquela escolta de Save-Muxúnguè, com mais de duas horas de atraso.
O mesmo homem do Exército disse que "os djangos (alcunha dos militares) entraram só há poucos dias com a maquinaria para parar com a brincadeira da Renamo", referindo-se às emboscadas atribuídas ao braço armado da oposição.
Para contrariar o cenário de guerra, miúdos vendem distraidamente a "sura", uma bebida tradicional extraída de palmeiras silvestres, no rio Ripembe, a zona do troço da N1 onde foram realizado três ataques contra as colunas escoltadas pelas Forças de Defesa e Segurança no mês passado.
A vida entre escoltas corre entre ensaios de danças divertidas, em grupinhos de jovens durante "sentadas de sura" em várias casas de estacas de madeira e capim, nas bermas da N1.
Após a passagem de blindados e cortejo de viaturas civis, a N1, uma das mais movimentadas do país, torna-se numa "estrada fantasma" e as danças e a "sura" são uma forma de disfarçar a agonia de novas movimentações militares.
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