Emboscadas. Raptos. Fome. Aldeias devastadas a tiro. Casas e celeiros incendiados por forças governamentais. Gangs armados à solta nas cidades. Estradas e caminhos do Interior disputados na ponta das armas. E milhares de fugitivos procurando asilo nos países vizinhos. Eis Moçambique, quatro décadas depois de um crime a que chamaram “independência”.
Nós nem sonhamos o que está a acontecer em Moçambique, essa antiga pérola do Índico que em 1975 os portugueses deixaram à voracidade do comunismo, da cleptocracia e da violência mais primitiva. Quarenta e um anos depois, a antiga província ultramarina portuguesa está retalhada pela guerra e mergulhada na desorganização económica e no caos social que caracterizaram, até hoje, a administração da Frelimo.
E não sonhamos porque a Europa não quer saber: os seus jornais e os seus homens públicos recusam-se a reconhecer um erro histórico e escondem-nos a dimensão da catástrofe. A África descolonizada vive entre a riqueza obscena das cliques no poder e a miséria sórdida dos noventa e nove por cento de destituídos.
Quem conheceu Moçambique no tempo da administração portuguesa, quem testemunhou o seu crescimento, a sua pujança, a sua harmonia social, não pode hoje deixar de sentir uma profunda tristeza. E quem lá viveu e trabalhou, e lá deixou tudo o que tinha, tem razões de sobra para condenar um regime que tudo destruiu em nome de uma ideologia de ódio e miséria colectiva.
Melhor do que nós, milhares de refugiados moçambicanos nos países limítrofes falam por si sobre a situação na ex-colónia. Todos os dias saem de Moçambique colunas esfarrapadas de fugitivos, buscando refúgio no não menos miserável Zimbabué, na poderosa África do Sul, na Tanzânia, no Malawi. Neste último país, sobretudo: porque as suas fronteiras confinam com as províncias moçambicanas mais causticadas pela miséria, pelo caos, pela guerra.
Saem de noite, em grupos furtivos, para não serem detectados pelo exército. Pois é a tropa oficial, o braço armado do Governo, que os obriga a deixar as suas casas e as suas machambas, como revelou este Domingo, num despacho de rara coragem, o repórter Michel Santos, da Euronews: “Os soldados chegaram em veículos do governo para queimar casas e celeiros. Disseram que dávamos abrigo aos militantes da Renamo”, contou-lhe Omali Ibrahim, agricultor de 47 anos, um dos muitos refugiados que procuraram o Malawi para não serem trucidados.
As autoridades malawianas têm sido condescendentes: na verdade, o país não é rico e debate-se com os seus próprios problemas de subsistência. Mas não podem fechar os olhos ao estado depauperado em que chegam os moçambicanos, após terem percorrido a pé 70 quilómetros desde as suas terras de origem – Mazibaue, Ndande, Macolongwe, Kabango, Ndinde, Nagulo.
Não se sabe ao certo quantos moçambicanos se refugiaram além-fronteiras nos últimos meses. Em Kapise, nas montanhas 45 quilómetros a Sudeste da vila fronteiriça de Mwanza, está o maior de todos os campos de refugiados de Moçambique em solo do Malawi. Foram instalados em cabanas de pau-a-pique e em tendas brancas do ACNUR, o órgão das Nações Unidas que se ocupa dos refugiados (e que o português António Guterres chefiou até Dezembro). Mas o Governo de Lilongwe previne: não poderá receber muitos mais refugiados do país vizinho.
A maior vaga de fugitivos veio de Tete e de Sofala. Só em Kapise estão cerca de quatro mil. Escaparam à morte, à perseguição cruel. Mas enfrentam agora condições duras no campo de refugiados: escassa comida, mesmo alguns dias de privação, saneamento quase inexistente, água potável contada a gotas, o frio gelado da montanha.
Em Maputo, antiga Lourenço Marques, os governantes do ar condicionado têm relutância em admitir a palavra “refugiados”: nas suas fatiotas de dois mil dólares, com os seus relógios Rolex faiscando no pulso, preferem falar de “deslocados”, para não ofenderem a paz celestial em que vive Filipe Nyusi, o todo-poderoso Presidente do regime da Frelimo.
O Diabo
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