Friday, 5 February 2016

Da incompetência à mentira


 No passado fim-de-semana, em Adis Abeba, na Etiópia, Filipe Nyusi fez declarações curiosas, tentando justificar a sua comprovada incapacidade de resolver o actual conflito armado entre a Renamo e os homens armados do Governo.
Se alguém ainda duvidava da nossa constatação de que este país não tem liderança, por isso está à deriva, encontrou nas palavras de Filipe Nyusi a resposta.
“Nós estamos a ter alguma dificuldade com o interlocutor-base. A confusão que há é entre o Governo e a Renamo. Esse dilema com a Renamo é um problema, se calhar, de crise de liderança. Como se pode falar, e com quem? Onde está a pessoa? A estrutura da Renamo não permite que se compreenda quem segue quem, e isso, muitas das vezes, cria desconfiança dentro da própria organização” – palavras de Filipe Nyusi.
Citado pelo “Notícias”, o jornal do Governo, Nyusi afirmou que, numa organização onde não há hierarquia sequenciada, muitas vezes não se sabe quem manda e quem não manda, ou quem está acima, e depois de quem.
“Sabemos que o líder é Dhlakama mas, e depois? Falamos com quem? Fazemos o quê? Entre eles, sabe-se quem é o primeiro? Ou, se calhar, cada um pensa que é o segundo ou o terceiro. Isso não está a ajudar”, disse.
Lidas estas declarações, a primeira questão que salta à vista é a desonestidade de Filipe Nyusi, sendo a mentira descarada o “pivot” dessa postura.
Está claro para qualquer e mais comum cidadão que o problema desta guerra na qual o país está mergulhado não é a alegada falta de um organigrama do partido Renamo. O problema desta guerra é a Frelimo. A Frelimo foi mal assessorada para adoptar a via armada como única solução para resolver o assunto Renamo/Afonso Dhlakama.
Mais: as forças governamentais que cumprem ordens ilegais da Comissão Política do partido Frelimo é que são o verdadeiro perigo para este país, porque, mais do que pisotear a sua vocação constitucional, vulgarizaram-se, tornando-se um grupo armado perigoso, que segue a propaganda de guerra. Os milhares de moçambicanos que estão refugiados em Muanza, no Malawi, são testemunhas vivas da delinquência que tomou conta das tropas que se esperava que fossem do Estado, mas que estão ao serviço do partido Frelimo. São tropas governamentais que estão a incendiar as casas da população e a violentar cidadãos, com a acusação banal de estarem a proteger membros da Renamo.
Filipe Nyusi aborda a questão organizacional da Renamo como a principal causa do caos que se instalou no país. Pois bem, tentaremos trazer aqui alguns factos cronológicos para ajudar a esclarecer Filipe Nyusi que, para nós, das duas, uma, ou é mentiroso, ou sofre de amnésia.
Facto Um: no dia 12 de Setembro de 2015, as tropas governamentais, teoricamente dirigidas por Filipe Nyusi, tentaram assassinar Afonso Dhlakama em Amatongas, na província de Manica. Houve feridos.
Facto Dois: ao nível mais alto da hierarquia do Estado não houve sequer uma palavra de condenação da atitude banditesca dos homens armados do Governo.
Facto Três: em vez de investigar, a Polícia veio a público informar que Afonso Dhlakama se havia atacado a si mesmo.
Facto Quatro: antes do dia 25 de Setembro de 2015, o ministro da Defesa nomeado por Nyusi veio a público insinuar que o fim de Afonso Dhlakama estava próximo.
Facto Cinco: no dia 25 de Setembro, Afonso Dhlakama escapa a um atentado em Zimpinga, na província de Manica, executado pelos homens armados do Governo, e nove pessoas perderam a vida.
Facto Seis: a Polícia volta a informar que, mais uma vez, Dhlakama atacou-se a si mesmo, e ao nível mais alto da hierarquia do Estado ninguém condenou aquele crime.
Facto Sete: no dia 9 de Outubro de 2015, depois de Dhlakama ter saído das matas onde se refugiou quando o tentaram assassinar, os homens armados do Governo cercam a residência de Afonso Dlhakama na Beira, reivindicando o atentado de Zimpinga, exigindo de volta as bazucas que perderam quando a guarda da Renamo reagiu.
Facto Oito: a mais alta hierarquia do Estado não só não condenou aquele episódio como não explicou como é que as tropas governamentais vão recuperar armas que ficaram perdidas num acto criminoso onde se pretendia assassinar alguém, e em que gente anónima perdeu lá a vida.
Facto Nove: no dia 29 de Dezembro de 2015, homens armados do Governo cercaram a sede da Renamo na capital do país, Maputo, e desencadearam uma campanha de detenções de membros da Renamo. Mais de duas dezenas de membros da Renamo ficaram detidos.
Facto Dez: no dia 19 de Janeiro de 2016, os mesmos homens armados do Governo voltaram a cercar a sede da Renamo na capital do país, Maputo, e impediram actividades daquele partido.
Facto Onze: no dia 20 de Janeiro, homens armados que se acredita serem do Governo alvejaram a tiro o secretário-geral da Renamo, Manuel Bissopo, tendo morto um dos seus seguranças na via pública.
Facto Doze: enquanto a Polícia dizia que iria esclarecer o caso, veio a público um dos conselheiros de Filipe Nyusi, o general Mariano Matsinha, afirmar que foi a Renamo que baleou o seu próprio secretário-geral.
Podíamos continuar com mais factos. Mas estes são suficientes para colocar Filipe Nyusi a pensar, afinal, onde é que não há liderança? Onde é que não se sabe quem manda? Onde é que não se sabe quem dirige?
Filipe Nyusi está a dirigir que país e a quem concretamente? É presidente de quem e de quê? O que anda a fazer durante todo o dia? Quando se vai deitar, faz isso ciente de que dirigiu alguma coisa? Onde não há liderança é no Estado moçambicano. Desde Outubro de 2015 que isto anda à deriva.



 ( Editorial CanalMoz/Canal de Moçambique)

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