Tive o privilégio de testemunhar o ambiente gelado que se vive na media em Moçambique, associado ao clima de terror ...e pânico que vivem os jornalistas moçambicanos no exercício da sua profissão. Testemunhei isso que gostaria de poder aqui partilhar com os senhores leitores desta minha modesta crónica aquando da Conferência Nacional sobre Comunicação Social, Violência e Paz realizada pelo Conselho Superior da Comunicação Social, semana passada, em Maputo, sendo a primeira do género no novo elenco presidido pelo jornalista e jurista Tomás Viera Mário e que marca o início de uma nova era na história daquele órgão de disciplina da comunicação social. Naquilo que se esperava ser um encontro caracterizado pela avidez dos jornalistas em fazerem uso da palavra, que é o que lhes devia caracterizar devido à natureza da sua profissão, o que pude testemunhar, como tenho dito, foi a expressão desse mesmo ambiente gelado generalizado que se vive na imprensa moçambicana, assim como desse clima de terror e pânico por que passam os jornalistas no seu dia-a-dia laboral. A palavra foi dada aos jornalistas depois das comunicações apresentadas pelos membros do painel, nomeadamente os jornalistas e conhecedores da imprensa Rogério Sitoe, Eduardo Sitoe e Jessemusse Cacinda, sem deixar de lado, também, a intervenção do presidente Filipe Nyusi na sessão inaugural, que foi também bastante importante para dar norte aos debates que se iam seguir. O jornalista Jeremias Langa, a quem coube o papel de moderar o painel, fartou-se de convidar os presentes, jornalistas na sua maioria, a fazerem o uso da palavra. Eu, que ando muito mais habituado a discutir a nossa imprensa neste meu tom jocoso, quase que de gozo ou mesmo de sátira ou de escárnio, mas porque não de chacota, salvo embora seja eu também a vítima desse estado de putrefacção que caracteriza a nossa imprensa, fiz daquele silêncio quase que ensurdecedor manifestado pelos jornalistas a ocasião que faz o ladrão e tomei da palavra, tendo proferido palavras que, ao que pude testemunhar com os meus olhos que a terra vai comer, somente tornaram o ambiente da sala ainda mais gelado, senão mesmo de terror e pânico, salvo qualquer exagero ou fatalismo. Comecei por me desdobrar em desculpas pelo facto de não ter tirado o chapéu preto que trazia na cabeça, tendo dito que mesmo assim não haveria de tirar o chapéu porque não havia nada na nossa imprensa hodierna que me convidava a tirar chapéu e que se tirasse seria em sinal de reconhecimento e não tinha nada para reconhecer na imprensa moçambicana. Tinha feito a questão de levar para aquela conferência um jornal, o Magazine Independente, cuja manchete fiz a questão de exibir aos presentes, dado que retratava de forma resumida o estágio da nossa imprensa: “Salomão Moyane defende revolta contra RM e TVM”, dizia o título, justificado, entretanto, pelo antetítulo que dizia: “Por estarem a provocar guerra no país”. No lugar de contribuir para quebrar o gelo com aquela minha demonstração, que acreditava ser o princípio da evidência, entretanto já ensinado por Descartes, apenas contribui para aterrorizar ainda mais os jornalistas presentes, mas o ambiente tornou-se ainda mais pesado quando manifestei a minha concordância com Salomão Moyane, que devia mesmo haver uma revolta contra a RM e a TVM, dado que estão a provocar guerra no país ao fazerem daqueles serviços públicos de rádio e televisão verdadeiras tribunas de apelo ao ódio, ao racismo e a intolerância política. O ambiente na sala pesou ainda mais quando disse que Moyane não era a única individualidade que andava agastada com a nossa rádio e a nossa televisão pública, que éramos muitos, que aqueles serviços transformaram-se num inferno desde que alguém mandou instalar ali a tristemente célebre equipa do G 40, cujos serviços de aniquilamento do contraditório, do direito a informação, da liberdade de imprensa e de expressão, bem como de esfaqueamento total e completo do Estado de Direito e Democrático, associados à suspensão definitiva da Constituição da República, somente se tornaram conhecidos graças à denúncia efectuada pelo jornal SAVANA, que interceptou e divulgou a lista dos 40 na sua edição de 23 de Julho de 2013. Para além de citar o já revoltado Moyane, recordei a todos as palavras do professor Lourenço do Rosário, que teria comentado em entrevista ao SAVANA o assassinato do professor Gilles Cistac, em jeito quase que proverbial, que “podemos aceitar que os cachorros façam e desfaçam nas redes sociais, mas já não podemos aceitar que eles incitem o ódio, o racismo e a intolerância política nos nossos serviços públicos de rádio e televisão, que vivem dos nossos impostos”, que era “altura do dono dos cachorros recolher os seus cachorros enquanto ainda é tempo dado que já estão a atacar as pessoas injustamente”. Notei que alguns presentes não gostaram nada da frieza das minhas palavras, por isso tratei de frisar que estava a citar as palavras de Lourenço do Rosário, que, ao que tudo indica, não é gago. Foi dele que aprendi a ver os cachorros com olhos de ver e a tomar as devidas precauções. Escrevo esta minha modesta crónica ciente de que estou mesmo a tocar na ferida, portanto, no grande drama que representa o fenómeno G 40 na nossa comunicação social. Essencialmente, concordei com o jornalista Rogério Sitói, quem, na sua qualidade de painelista, disse que o grande problema da nossa comunicação social era o fosso que existia entre a lei e a praxis, ou seja, entre a lei e a prática, ou mesmo, dito de outro modo, entre a lei e a implementação da lei. De facto, não faltam leis que garantam a independência dos órgãos públicos de comunicação social, nomeadamente a TVM e a RM, quanto a isso a Constituição da República é clara, assim como a Lei de Imprensa, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, que também são lei. A Constituição da República diz claramente que o Estado garante a isenção dos meios de comunicação do sector público, bem como a independência dos jornalistas perante o Governo, a Administração e os demais poderes políticos. Mas vivemos na terra dos abusos, onde não se respeitam as leis, sendo normal que nas nossas rádios e televisões públicas, no lugar das suas agendas editoriais serem comandadas pelos seus respectivos gestores editoriais, as mesmas são comandadas a controlo remoto pelos gabinetes de imprensa do partido no poder, a ponto de virem destes as listas dos analistas e comentadores políticos autorizados. Foi com muito apreço que registei as palavras de Tomás Viera Mário, que se expressou na sua qualidade de presidente do Conselho Superior da Comunicação Social, tendo dito, de viva voz, que a independência que a Constituição da República confere aos órgãos públicos de comunicação social não é uma independência abstracta, é sim uma independência em relação ao governo, que é, por assim dizer, uma independência em relação ao poder político. Portanto, a rádio e a televisão públicas não recebem ordens do governo, muito menos de qualquer partido político como alguns pretendem que assim o seja. Praticante acérrimo dos direitos humanos, defensor do direito a informação, um quadro sénior da República oriundo da sociedade civil, Tomás Viera Mário tem nas mãos, ele e os restantes conselheiros, o grande desafio de transformar a lei em prática, um caminho verdadeiramente espinhoso se tivermos em atenção o facto de que, apesar de ostentar o título de presidente daquele órgão de disciplina, a quem cabe zelar pela independência dos órgãos de informação, tratando-se de um órgão colegial, não é ele, sozinho, quem delibera, são eles todos, funcionando ali o princípio da representatividade, sobre o qual ainda estamos ávidos de travar debate. De qualquer forma, manifestamos desde já a nossa solidariedade, de tal sorte que cá estaremos para reforça-lo na defesa da lei, que equivale, por assim dizer, à defesa da Constituição e do Estado de Direito e Democrático. Ainda bem que a Procuradoria-Geral da República, depois de feitas as análises, encaminhou o caso G 40 para o Conselho Superior da Comunicação Social, considerando que é este órgão de disciplina que zela pela independência dos órgãos de informação. Se o Conselho Superior ainda não deliberou sobre o caso tal dever-se-á, talvez, ao facto de ainda não haver constituído o quórum deliberativo. Faltam ainda os que devem ser designados pelo parlamento. Mas com esta conferência sobre comunicação social, violência e paz, onde fomos recebidos para expressarmos a nossa forma de ver sobre o que são as funções do órgão, poderemos depreender que o mesmo já começou a funcionar, reservando-nos grandes expectativas. Somos críticos à PGR, que se limitou apenas em remeter o caso G 40 para o CSCS, dado que uma das principais causas da violência é a violência estrutural, aquela que começa com a exclusão do Outro, sobretudo no exercício da liberdade de expressão. Apesar de não concordarmos que a PGR se tenha limitado apenas em remeter o caso G 40 para o CSCS, abstendo-se da sua função preventiva, atitude de quem mesmo vendo que ali há fogo apenas se limita a assistir, não temos dúvidas de que o processo está bem encaminhado. Tomás Viera Mário, presidente do CSCS, é a pessoa mais indicada para lidar com o caso G 40, afinal de contas o seu nome figura na lista dos 40, tendo ele participado na reunião em que foi criado o grupo, de onde se retirou, como relatou o SAVANA, por entender que a acção era ilegal, inconstitucional e atentava contra os seus princípios morais e éticos. Mal sabia o Tomás que viria a ser designado pelo presidente da República para dirigir um órgão que teria a missão espinhosa de decidir o destino do G 40. O G 40, enquanto fenómeno que começa com o aniquilamento da liberdade de expressão e culmina com o esfaqueamento da Constituição da República e do Estado de Direito e Democrático, representa o que há de mais degradante no tecido moral e ético da nossa sociedade. Na sessão de abertura, o presidente Filipe Nyusi defendeu a independência dos jornalistas, assim como uma imprensa mais democrática, mais livre, mais justa e plural, por isso deixou os jornalistas decidirem o que querem para eles mesmos naquela conferência. Não concordamos de todo com o engenheiro Filipe Nyusi, dado que o interesse público que os jornalistas do sector público representam ultrapassa o interesse dos jornalistas como classe que deve por si só ultrapassar os seus problemas. A independência, a imparcialidade, a objectividade, a veracidade, a integridade, a isenção e outros princípios que os jornalistas têm na ponta da língua não são meros privilégios para o gozo das suas paixões, antes pelo contrário, são a garantia de um verdadeiro serviço público em benefício do cidadão. A salvação da independência dos jornalistas dos serviços públicos de rádio e televisão passa pelo desmantelamento total e completo do G 40, não como um processo meramente político que se materializa com o seu desaparecimento político com o alcance dos objectivos para os quais foi criado como muitos pretendem, mas sim como um processo jurídico, que passa necessariamente por uma decisão jurídica sobre o caso, emanada por uma entidade públicas, como seja, neste caso, o Conselho Superior da Comunicação Social, a fim de se fixar o direito, o alcance prático da lei, devolvendo-se, assim, a César o que é de César, ou seja, a liberdade de expressão para os moçambicanos e não mais para um grupo de 40 moçambicanos de gema, como o regime os apelidou, por oposição aos Outros, que o mesmo regime chamaria de vândalos, espíritos agitadores, apóstolos da desgraça, críticos de Maputo, moçambicanos de origem goesa e outros epítetos. Portanto, desmantelar juridicamente o G 40 é defender a independência dos jornalistas relativamente ao poder político, a fim de que a rádio e a televisão públicas não sejam mais tribunas de apelo ao ódio, ao racismo e a intolerância política. Extinguir o fenómeno G 40 é acabar com o clima de terror e pânico que vivem os jornalistas dos serviços públicos de rádio e televisão, que não se fartam de queixar ao Primeiro-Ministro que são vitimas de “interferências politicas” e de recebimento de “ordens superiores”, as quais nunca se chega a saber quem as dá, mas cujo incumprimento invariavelmente se traduz em represálias que vão desde o isolamento no local de trabalho, passando pela perda de certos privilégios como “viagens presidenciais” como sói dizer até aos processos disciplinares, que muitos temem. A derrota do G 40 significa o início da despartidarização dos serviços públicos de rádio e televisão, equivalendo, por assim dizer, ao início da derrocada de um regime que manipula e intoxica a opinião pública através da imprensa pública. Somente com a derrocada do G 40 sairemos da lei para a prática, ainda que o processo possa ser meramente simbólico. Somente assim não precisaremos mais de recorrer a revolta contra a RM e a TVM já defendida por Moyane. Somente assim veremos os cachorros definitivamente recolhidos, não pelo dono como defendeu Lourenço do Rosário, mas sim pela lei. A lei, por si só, é suficiente para recolher os cachorros!
Armando Nenane, no Facebook
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