Editorial
Maputo (Canalmoz) - Afonso Dhlakama anunciou, na passada sexta-feira (17), que alcançou consensos depois de dois dias de conversas telefónicas com Filipe Nyusi. Com um rescaldo de destruição e de vidas humanas injustamente sacrificadas, tudo indica que se vai agora a uma outra negociação para se pôr termo aos confrontos militares que perduram há já muito tempo e que estão a sacrificar a zona centro do país.
O que deve ficar claro, aqui, é que a Frelimo e Filipe Nyusi vão a estas negociações não por questões de necessidade de paz. Isso nunca lhes interessou enquanto, a guerra não chegar a Maputo. É, na verdade, uma necessidade de encaixe financeiro, porque toda esta boa vontade é mais produto da pressão que está sendo feita, agora, pelos doadores, que adicionaram à exigência de explicações do escândalo da dívida pública a necessidade de paz.
Não é por acaso que, enquanto apressadamente se anunciam comissões de preparação e seus anexos, a expedição de efectivos militares e material bélico continua, e com relatos de bombardeamentos à Serra da Gorongosa à mistura.
Sobre as confrontações em Sofala e em Manica, continua-se sem se saber sob ordens de quem as Forças de Defesa e Segurança continuam as incursões.
Na nossa modesta opinião, uma manifestação inequívoca desse interesse de negociar devia ter sido antecedida por uma ordem de suspensão imediata da perseguição ao presidente da Renamo e da vaga de raptos e assassinatos dos seus membros. Se se dá corpo à mobilização da negociação com estas questões assim como estão, dar-se-á então razão ao justo entendimento de que a Frelimo quer dinheiro para ganhar tempo e meios e continuar com a saga da destruição.
A única entidade que, neste momento, tem de provar seriedade e boa vontade é o Governo. Está tudo nas mãos do Governo, apesar da propaganda avulsa que se pretenda fazer, para depois indexá-la a uma alegada intransigência da chefia da Renamo.
É preciso esclarecer aos estimado leitor que a cronologia e a racionalidade dos últimos acontecimentos provam que é o Governo que se deve aplicar, não apenas para ser, mas também para parecer comprometido e a fazer jogo limpo.
Não pode Filipe Nyusi pensar que, assim do dia para noite, se pode sensibilizar Afonso Dhlakama para sair das matas para Maputo, tendo ele sido cobaia de três tentativas públicas de assassinato, orquestradas pelo Governo, que incluem uma sessão de humilhação pública na sua residência na cidade da Beira. É preciso que Nyusi apague da cabeça, primeiro, de Afonso Dhlakama, e, depois, dos moçambicanos, que desistiu da ideia de assassinar o presidente da Renamo e está arrependido por ter ordenado o rapto e assassinato dos seus membros.
Se calhar é esta a oportunidade que Nyusi tem de se distanciar publicamente daqueles actos, ou assumi-los e pedir perdão pela sua incomensurável gravidade e inaceitabilidade.
É que, para nós, se a mobilização para a negociação ignorar estas questões e se as varrer para debaixo do tapete, então estaremos em mais um exercício de ganhar tempo, em que serão distribuídos sorrisos e palmadinhas, e, no dia seguinte, estaremos aqui na estaca zero e com os beligerantes de armas em punho, mais uma vez.
Mas, mais do que se possa exigir da Frelimo e de Nyusi, Afonso Dhlakama também deve ser sério, se não quer ser conhecido como um eterno equívoco. E a posição da Renamo em relação a estes convites para a mesa de negociações deverá ser muito importante. Dissemos, aqui, no passado, que o maior problema de Afonso Dhlakama, apesar da sua perícia militar, cuja patente de general os factos comprovam, é continuar a ser um eterno estagiário político. Foi por ter-se comportado como estagiário da “real politik” que acabou enganado e infantilizado depois do acordo de Setembro de 2014. Foi também pela sua alta dose de ingenuidade e pela sua confiança em quadros comprovadamente não sérios que acabou humilhado na Beira. Parece-nos que Dhlakama continua a dar crédito a estas individualidades, verdadeiros peritos em “jogo do bolso”.
Dhlakama deve ir a estas negociações ciente de que a sua credibilidade está pela rua das amarguras junto dos seus apoiantes, que embarcaram na promessa de governação a partir de Março. Dhlakama deve ir a estas negociações ciente de que a crueldade da idade já não lhe permite um outro desdobramento militar, caso isto não dê em nada. Se for inteligente, Dhlakama saberá que tem agora a cartada da sua honra para jogar. É uma questão de escolha: ou fica eternizado como o homem que desafiou positivamente a Frelimo e o seu estabelecimento, ou como um eterno falhado, e certamente que a última opção não é a insígnia que fez bons homens.
Para isso, Dhlakama deverá deixar de ser um simples e corriqueiro Dhlakama. Deve sair do abstracto e deixar de se contentar em saírem parangonas jornalísticas com declarações bombásticas efémeras e cansativas. Isso passa por apresentar questões concretas, sérias, nacionais e, acima de tudo, exequíveis. Contratos-promessa revelaram que carecem de boa-fé, coisa que a Frelimo nunca teve nestas questões. De todas as vezes que a Renamo embarcou em promessas de boa-fé da Frelimo, acabou infantilizada e objecto de chacota pública.
A Renamo deve entender que questões como a descentralização, a desfrelimização do Estado e das suas oportunidades, o fim da instrumentalização das Forças de Defesa e Segurança são uma agenda nacional e que mobiliza a todos. A partidarização do Estado não só prejudica os membros da Renamo, mas a todos os moçambicanos que não são nem da Frelimo nem da Renamo. Se a Renamo souber trabalhar nestas questões e apresentar propostas muito concretas, terá dado um grande passo. Há questões concretas exigindo emendas constitucionais que podem ser colocadas na mesa das negociações, com prazos e cronograma real: a descentralização e as nomeações são só um exemplo. Se a Renamo voltar a representar aquilo a que a Renamo sempre nos habituou, estas negociações serão apenas uma coreografia protocolar, para a Frelimo ganhar tempo.
(CanalMoz/Canal de Moçambique)
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