Um dos grandes problemas com que Moçambique se confronta hoje é a gritante falta de confiança que os cidadãos têm em relação ao Estado.
No passado, pesquisas revelavam que os cidadãos deste país não tinham confiança sobre algumas instituições do Estado, tendo no topo a polícia e o sistema de administração da justiça, em particular os tribunais.
Mas a situação foi-se deteriorando progressivamente a tal ponto que agora não é uma questão dos cidadãos não confiarem no Estado; eles desconfiam do Estado.
Os sinais disso tornam-se visíveis, por exemplo, quando na semana passada o Ministro do Interior se vê obrigado a explicar que o Estado não pode fazer mal aos cidadãos, porque ele existe para proteger os cidadãos. De outro modo não seria necessário reiterar uma questão tão óbvia, que numa sociedade normal é um dado adquirido.
A reacção do governo, de certo modo atabalhoada aos acontecimentos das últimas semanas no país deixa muitas lacunas pouco abonatórias para o executivo.
Tomemos como exemplo a questão da alegada vala comum. A partir do momento em que os jornalistas tomaram conhecimento da sua suposta existência através de presumíveis relatos da população local, que esforços foram encetados para se chegar ao local e confirmar a sua existência ou não. Mas esses esforços foram sistematicamente sabotados pelas forças do governo estacionadas no local. Foi depois de frustrada esta tentativa, que no seu regresso, os jornalistas deparam com corpos debaixo de uma ponte, os quais, dependendo de com quem se fala, são 15, 13, ou 11.
Um mês depois, a Assembleia da República, através da sua primeira comissão, toma a iniciativa de lançar um inquérito, ouvindo todas as partes que se julguem relevantes no caso. Repare--se que este inquérito incide sobre a alegada vala comum, sem considerar o facto de que mesmo que esta não exista, há algo de terrível com a descoberta dos corpos debaixo da ponte, assunto sobre o qual a comissão parlamentar de inquérito não faz nenhum esforço de se pronunciar. O inquérito em si assemelha-se mais a uma inquisição, uma espécie de intimidação aos jornalistas para que não voltem a meter-se em assuntos que possam embaraçar o governo.
É importante sublinhar que este é o mesmo parlamento que entendia que não havia pertinência em investigar as circunstâncias
da presença de dezenas de milhar de moçambicanos refugiados no Malawi, que nunca se preocupou em investigar a existência de alegados esquadrões da morte para abater presumíveis oponentes do governo. É o mesmo parlamento que só se decidiu a ouvir o governo em plenária sobre as dívidas ocultas, depois de uma acção drástica tomada pelos parceiros internacionais.
Perante todos estes processos a resposta do governo é de lançar uma vigorosa campanha de propaganda para apresentar os jornalistas como sendo o problema, não que de facto os problemas existam.
O povo não está distraído e acompanha todos estes desenvolvimentos com a devida atenção, assumindo uma postura de desconfiança sobre o governo e suas intenções.
A estratégia da avestruz, em vez de resolver os problemas só contribui para adiar a solução dos mesmos. É tempo do governo assumir que ele existe para resolver os problemas que o país enfrenta, e não para andar de desculpa em desculpa, à procura de bodes expiratórios.
Editorial, Savana 03-06-2016
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