Quando recebemos a notícia no domingo, ficámos atónitos a olharmos uns para outros, não só pela incredulidade, mas também com sentimento de desamparo, que um mais velho colega acabava de nos creditar. Ficámos a olhar e a telefonar uns aos outros e a nos perguntar a nós mesmos sobre como vai ser daqui para frente, sem o nosso “mano Noé”, como te tratávamos.
E por falar em formas de tratamento, há mais com que cobardemente te tratávamos sem nunca te ter dito que eras tu. “O gajo mais inspirado de todos os gajos.” Sim. Porque tu conseguias todos os dias ter uma opinião no nosso diário “Canalmoz” e, todas as quartas-feiras, uma outra opinião no semanário “Canal de Moçambique”. Verbo e ideias era o que não te faltava. E para ter isso tudo e todos os dias, só podias ser “o gajo mais inspirado de todos os gajos”.
Empurraste-nos à amarga experiência da malcriadez da morte. Essa triste grandeza que todos vamos experimentar no dia último. Se era certo que este dia iria chegar e vai para cada um de nós nesta sala, é também certo que a arrogância com que a morte te tirou do nosso meio, não nos deu tempo nem para preparar lágrimas suficientes para chorar a falta que nos fazes.
Deixaste-nos desamparados porque foste tu que, juntamente com outros colegas, iniciaram no meio de tantas dificuldades o sonho da criação de um semanário verdadeiramente independente e que hoje se chama “Canal de Moçambique”, a nossa casa. Com todos os receios que tínhamos deste a tua força e vontade e hoje estamos aqui como colaboradores do semanário independente e de referência dos moçambicanos. Teu sonho e nosso sonho. Uma antiga ambição conjunta. Foste tu o nosso primeiro colunista, que, a partir daqui, da cidade Beira, nos brindava a cada semana com uma abordagem não localizada, mas holística de tudo o que se passava neste país.
Não morreu Noé Nhantumbo. Morreu um cidadão na acepção francesa do termo. Um cidadão ciente dos seus direitos e deveres. Mas, acima de tudo, um cidadão que nunca aceitou negligenciar os seus deveres. E nos deveres há um em que eras mestre. O dever de participar através do direito à indignação e s seguir à palavra. Tomaste da palavra e te fizeste ouvir. Escreveste perspectivas, propuseste soluções, elogiaste os bons, caricaturaste os maus, sem nunca ter perdido a fineza. Um homem que inspirou todos nós, desde que fundámos o “Canal de Moçambique”, e hoje nos tornámos o semanário de referência deste país. O “Canal de Moçambique” fica pobre sem ti, Noé.
Mas, se a tua morte deixou um vazio nos nossos corações, então é justo que se diga que também nos deixou cheios. Cheios das tuas ideias rebeldes. Cheios das tuas investidas de pensamentos alternativos por um Moçambique, não melhor, mas menos pior do que este.
Quem não vai ter saudades das tuas laboriosas crónicas diárias no “Canalmoz” e semanais no “Canal de Moçambique”? Vamos ter saudades do teu sotaque beirense. Um colunista prolífero e versátil, como te chamou um dos colegas da nossa casa. Escrevias como quem o faz para deixar marcas no tempo, lançando avisos à navegação. Eras um pensador. Eras e continuas a pertencer à família deste jornal onde desaguam não só todos os rios, mas as quizumbas, que tu atacaste ferozmente com a sua força anímica. Descanse em paz o "gajo mais inspirado de todos os gajos". Até já, Noé.
*Elogio fúnebre dos colaboradores do “Canal de Moçambique” e "CanalMoz", lido no velório de Noé Nhantumbo, no dia 31 de Maio no Auditório Municipal da Beira.
Canalmoz
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