O que a investigação do “Canal de Moçambique” apurou e divulgou para os estimados leitores, a semana passada, pode ser encarado em duas dimensões. Numa primeira dimensão, fixa-se no plano daquilo que já se sabia e que só não se dizia porque as evidências pareciam difíceis de apresentar, e, numa segunda dimensão, fixa-se na dimensão explicativa das voltas que Filipe Nyusi anda a dar no que diz respeito ao esclarecimento das dívidas ocultas.
Qualquer moçambicano de capacidade craniana ao nível mediano já se tinha percebido de que Nyusi foi importante no negócio, até porque era impensável que, nas suas funções de ministro de Defesa à data dos factos, todo este processo de Segurança (verdadeiro ou não) lhe tivesse passado ao lado. Estava claro que, se a nível técnico-operacional podia até imputar-se apenas aos “securocratas” dos Serviços Secretos chefiados pelo “Indivíduo A” (que até já veio a público assumir as suas responsabilidades, faltandoapenas coragem política das nossas instituições para deitar-lhe a mão), no entanto, a nível burocrático era impossível todo este enredo passar ao lado de Filipe Nyusi ou, então, do ex-ministro do Interior, Alberto Mondlane.
Para além de ter preparado todo o processo técnico do sistema integrado, Nyusi assinou papéis importantes, tais como, por exemplo, o próprio contrato de concessão em nome da República de Moçambique, como nos diz o relatório da “Kroll”. Seria ridículo que Nyusi aparecesse agora a dizer que foi coagido a assinar ou que assinou documentos com conteúdos de que não tinha conhecimento.
A sua pomposa declaração, na reunião partidária, de que há indícios criminais no processo das dívidas, fica agora explicada pelo seu papel em regime de “inside job”. Mas o que causa mais estranheza nisso não é só o facto de Filipe Nyusi sempre tentar apresentar este escândalo como coisa dos outros, mas falsear uma intenção de esclarecimento, que nunca teve, pois, de contrário, seria o mesmo queratos e baratas irem ao guiché de uma pulverizadora contratarem serviços de pulverização no seu domicílio.
E as últimas declarações em Londres, à margem da reunião da Commonwealth, são um aviso à navegação para, mais ou menos, aquilo que já havíamos dito na semana passada sobre a nova narrativa que se tenta servir ao povo moçambicano, que, dia após dia, vai sentindo na pele a irresponsabilidade de quem o governa, com a esperança de dias melhor cada vez mais reduzidas ao nível próximo de zero.
Filipe Nyisi inaugurou agora uma nova vaga de discurso sobre a dívida, segundo a qual o problema já nem sequer é interno e que, cá dentro, são todos “bons rapazes”, os tais “pobres ousados”, e que os malditos são os bancos e, por essa via, há lugar para partilha de responsabilidades. Mas essa teoria tem problemas sérios e, mais do que captar qualquer simpatia numa possível espiral de autovitimização, cria repulsa nos mais avisados e coloca em causa a seriedade de quem a elaborou, por, acima de tudo, revelar o grau de irresponsabilidade e improviso com que agora se pretende dar explições sobre o assunto.
Comecemos pelo mais simples. Que legitimidade tem Filipe Nyusi ou o Governo moçambicano de ir exigir responsabilização exterior se, cá dentro de fronteiras, é até proibido de falar de responsabilização? Mas, mais do que isso, a responsabilidade dos estrangeiros nesse processo está muito bem entregue às autoridades financeiras desses países. Esses estrangeiros agiram em nome dos seus negócios, que visam o lucro.
Arriscaram até onde puderam para ganhar a maior quantidade possível de dinheiro em juros e comissões. Não cabia a eles, em primeira instância, verificar o quadro legal moçambicano. É tarefa da República de Moçambique fazer cumprir as leis que criou, por parte dos moçambicanos e por parte dos estrangeiros que cá vêm ter.
Se os governantes moçambicanos não respeitam a lei moçambicana, e se as instituições moçambicanas que deviam fazer respeitar a lei actuam de forma cúmplice, por omissão, deixando campo aberto, não esperem que os bancos internacionais sejam eles aassumirem o papel da Procuradoria-Geral da República ou dos tribunais.
Exigir que os moçambicanos se indignem com os bancos é de uma falta de criatividade política que coloca todo um povo no mesmo nível de insuficiência intelectual. Não foram os bancos que juraram, perante a Constituição da República, respeitar as leis moçambicanas e fazê-las respeitar. Não foram os bancos que se comprometeram a defender Moçambique e os interesses dos moçambicanos. Em última análise, os bancos não estão obrigados a nada junto do povo moçambicano. O banco está tão-somente obrigado, nos seus procedimentos, a criar lucro para os seus accionistas. E dá-lhes muito jeito sempre que encontram uns dirigentezecos subdesenvolvidos ávidos de dinheiro fácil e a venderem garantias soberanas no mercado informal.
Essa de “pobre atrevido” é mesmo uma conversa para embalar os incautos. Há muito que estamos conversados sobre o facto de que não estamos perante uma operação de inocência, mas, sim, perante uma operação de agiotagem internacional caucionada pela nossa soberania, que foi reduzida a um instrumento financeiro de chantagem internacional. Apelar à comoção nacional para que olhemos os culpados de fora é absolutamente nulo. Os bancos são culpados perante os seus accionistas e não perante os moçambicanos.
Os culpados perante os moçambicanos são os que usaram da prerrogativa que tinham em representação do Estado e nos meteram nesta encruzilhada criminosa, transformando o país num motivo de chacota internacional. E o ex-ministro da Defesa Filipe Nyusi é um deles. É um dos responsáveis pela miséria que agora se abate sobre o povo. É um dos responsáveis pela descredibilização do país.
O apelo para a zanga contra os bancos e exigência de responsabilidade internacional é um convite à estupidez e à irresponsabilidade.
O que os moçambicanos devem compreender é que, primeiro, roubaram-nos e, agora, estão a convocar-nos para fazermos fila para nos serem atribuídos certificados de imbecilidade.
Isso é que não devemos aceitar. Fomos roubados, e que os ladrões sejam punidos! (Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 02.05.2018, no Moçambique para todos
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