Monday, 28 May 2018

A Renamo e a Política Externa Americana e Britânica (Parte 1)



– a propósito do artigo “Males que vêm por bem" 



Desde o falecimento do líder da oposição, assiste-se a um retorno ao discurso que deixou marca no período da guerra civil. A nova fase do discurso cresceu de tom à medida que de vários quadrantes – civis, eclesiásticos, diplomáticos, partidários e até de círculos do regime – surgiam vozes e posturas de solidariedade para com o finado e de reconhecimento pelo compromisso por ele assumido para a consolidação da paz. Trata-se, no fundo, de uma campanha que pretende retirar à causa da Renamo a sua razão de ser, minimizar e até negar o que esteve na sua origem.
Entre os vários textos disseminados através das redes sociais, o de autoria de um indivíduo conhecido pelas intimas relações que há muito mantém com o regime no poder, desde a fase Machel – cuja morte ele considera um mal que veio por bem, pese embora o facto de ter colaborado com a política militarista do primeiro presidente da República – à actual. "Males que vêm por bem" é o título do artigo em referência, já analisado em determinados pontos demonstrativos da manifesta ignorância do autor e da sua deliberada intenção de deturpar a história recente do nosso país.
Referindo-se à política dos Estados Unidos e do Reino Unido em relação à Renamo durante o período da guerra civil, escreve o autor:
"os jovens que hoje falam destas coisas sem nenhuma leitura, nem reflexão precisam de se perguntar porque (sic) um movimento que lutava pela democracia não recebeu apoio de Reagan e de Thatcher apesar da sua cruzada anti-comunista; precisam de se perguntar porque (sic) estes dois países preferiam apoiar o governo marxista de Moçambique, o último até militarmente; propaganda da Frelimo como dizem os apologistas da Renamo?"
Por outras palavras, se, a nível interno a Renamo não tinha razão de existir, no exterior muito menos.
A política desses dois países em relação a Moçambique foi traçada antes do surgimento da Renamo, não tendo sofrido alterações de vulto à medida que este movimento evoluía no terreno. O golpe de «25 de Abril» em Portugal serviu para os Estados Unidos e o Reino Unido acertarem posições em relação à África Austral. Durante a vigência do governo de transição em Moçambique, americanos e ingleses iniciaram diligências, junto da Frelimo em Dar-es-Salam, visando o estabelecimento de relações diplomáticas com o futuro Estado moçambicano. Diligências que incluíam o comprometimento de ambos países para como desenvolvimento económico de Moçambique.
Agindo em coordenação com a África do Sul, Washington e Londres forçaram o regime rodesiano a aceitar a transferência de poderes para um governo representativo da maioria da população, facto registado em 1976 sem que a Renamo sequer existisse. Quanto à Namíbia, o governo sul-africano concordou em acelerar o processo conducente à independência desse território. Era por demais óbvio que quer os Estados Unidos, quer o Reino Unido, pretendiam servir-se da África do Sul para estabilizar uma região que desde há muito consideravam como zona de influência sua, para assim retirar a potências rivais a possibilidade de tirarem partido de conflitos coloniais e raciais ainda por resolver – Rodésia e Namíbia, primeiro; apartheid numa fase posterior.
Na óptica de ingleses e americanos, Moçambique era um país com quem podiam cooperar, pese embora o facto de o governo da Frelimo ter aparecido de início com um discurso radical, anti-imperialista, e manifestamente pró-soviético em matéria de política externa. Na óptica de ambos os países, factores económicos determinavam a posição a seguir por Londres e Washington. E quando, em finais de 1976, a Renamo abordou os Estados Unidos numa tentativa de obter apoios materiais para a luta que pretendia travar, a resposta americana coincidiu com essa posição: sabemos perfeitamente que o governo moçambicano segue uma linha radical, hostil para connosco e para com o bloco capitalista. É um país economicamente débil e factores económicos levá-lo-ão a rever a política que segue. Na nossa estimativa, dentro de 10 anos Moçambique estará do nosso lado.
A rejeição americana dos propósitos da Renamo surge, pois, logo na fase incipiente do movimento e por razões que se prendiam unicamente com a política externa americana a longo prazo; uma política ditada, fundamental e genericamente pelo Departamento de Estado, independentemente de serem democratas ou republicanos a ocupar a Casa Branca. Concretamente, a rejeição americana ocorre muito antes da ascensão ao poder de Reagan nos Estados Unidos, país que esteve sempre em consonância com o Reino Unido em questões de política externa. No Reino Unido, é o Foreign Office que prevalece em matéria de política externa, quer sejam trabalhistas ou conservadores a governar. De referir que o governo do Partido Conservador dirigido por Thatcher só ascenderia ao poder em 1979, o que, aliado à tomada de posse de Reagan em 1981, serve para demonstrar que o autor do texto em referência assenta numa premissa totalmente errada. (continua)



João Cabrita, no Facebook

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