O alcance da paz e da democracia efectivas em Moçambique está profundamente dependente de dois elementos de carácter complexo e determinante. Esses elementos são a chamada desfrelimização do estado e a desmilitarização da RENAMO.
Desfrelimizar o estado significaria libertar por completo o aparelho do estado moçambicano do controlo político, ideológico e administrativo do partido FRELIMO, tal como o cenário estipulado pela Constituição da República de Moçambique. A desmilitarização da RENAMO seria o desarmamento total dos efectivos armados da RENAMO e, mais profundamente, o seu abandono definitivo da via militar, o que se impõe a um partido político, em contexto de verdadeira democracia. Contudo, apesar de determinante para o presente e futuro de Moçambique, a transformação efectiva do contexto actual num contexto de um estado verdadeiramente desfrelimizado e uma RENAMO totalmente desmilitarizada é ameaçada pelo facto de tanto a frelimização do estado assim como a militarização da RENAMO constituírem, actualmente, estratégias de sobrevivência política de ambas as partes. Este status quo é produto do processo histórico e de conveniência política das partes, exacerbada pelo controlo do Estado por parte da FRELIMO.
Historicamente, a FRELIMO e a RENAMO foram concebidas como movimentos guerrilheiros. A primeira para derrubar o colonialismo e a segunda para derrubar a primeira. Neste sentido, a existir um tal ADN militar ele deve ser atribuído às duas forças. Enquanto que a metamorfose e a reprodução da FRELIMO foram possibilitadas pelo seu controlo exclusivo do aparelho Estado, este mesmo controlo pode ter sido (ou tem sido) factor de impedimento para que a mesma metamorfose e reprodução se processem, efectivamente, na RENAMO. Isto coloca a seguinte questão: será que a afectiva transformação da RENAMO num partido desmilitarizado apenas será possível com o controlo exclusivo do aparelho do Estado tal como se processou na FRELIMO?
A FRELIMO há muito que deixou de ser um projecto ideológico capaz de atrair para si membros e simpatizantes meramente com base em determinados princípios, estratégias e visão política convidativos. Hoje, ela necessita, grande e progressivamente, do controlo exclusivo que exerce sob o aparelho do estado, quer para a sua permanência quer para sua reprodução. Este poder tem sido usado para premiar os cidadãos ou entidades públicas e privadas que a ela se associam e para punição de vozes ou atitudes discordantes. A aliança FRELIMO-ESTADO é o elemento determinante para sua capacidade de sobrevivência como um partido político. É, por conseguinte, difícil de imaginar uma FRELIMO activa sem os benefícios que advêm do seu controlo efectivo e exclusivo do Estado e dos recursos em sua volta. A própria FRELIMO não se imagina num contexto desses. Prova disto é a reivindicação implícita nos seus estatutos (e na prática) da sua supremacia em relação ao Estado. Até porque tal como referido pelo historiador Michel Cahen, a FRELIMO é o Estado. Esta relação confusa deve ser entendida igualmente como produto de uma evolução histórica que uma simples transição para o multipartidarismo não rompe.
A RENAMO, por seu turno, mais do que por aquilo que alguns defendem se tratar de um certo ADN militar, algumas vezes, por conveniência própria, mas porque profundamente associado ao ambiente político hostil imposto ao exercício de qualquer tipo de oposição política à FRELIMO, sempre dependeu e tende a depender, cada dia mais, da posse e do recurso à força das armas para a sua sobrevivência física e política. Do ponto de vista físico, os recentes atentados às vidas de figuras maiores da RENAMO (Presidente e Secretário- geral) reforçam o sentimento de situação de vulnerabilidade para os restantes membros, a todos os escalões do partido, incluindo para os simpatizantes. Este sentimento de vulnerabilidade impõe-lhes, consequentemente, a necessidade de garantir condições de autoprotecção, não apenas por não lhes ser garantidas pelo Estado, mas principalmente para se proteger desse mesmo Estado. Consequentemente, mesmo num hipotético cenário de “boa-vontade” por parte da liderança da RENAMO quanto a uma completa desmilitarização, a pressão pela continuidade do actual status quo pode vir dos escalões inferiores do partido. Para a RENAMO e os seus membros pode parecer contraditório desmilitarizar, quando ao mesmo tempo se atenta contra a sua própria existência.
Politicamente, a prática demonstra a impossibilidade de obter concessões políticas em Moçambique pelo mero exercício da acção democrática, isto é, sem o emprego da força. O exercício democrático por parte dos partidos políticos exige a disponibilização pelo Estado de garantias e de recursos condicentes para tal. Acima de financeiros, esses recursos devem incluir, entre outros, o exercício alargado da liberdade de expressão, manifestação, pensamento, de imprensa etc. Infelizmente, essas e outras liberdades têm sido alta e continuamente recusadas aos partidos políticos da oposição, incluindo às organizações da sociedade civil. Por conseguinte, é improvável que os partidos políticos se sintam obrigados a agir democraticamente onde não lhes são dadas garantias para tal. Cabe aos Estados proteger essas garantias. Por exemplo, ao reprimir o cidadão que deseja se manifestar pacificamente está-se implicitamente a forçar-lhe a fazê-lo violentamente. Ninguém tem dúvidas que as grandes concessões políticas até então obtidas pela oposição foram, na sua maioria, resultado da recorrência à violência por parte desta. Este factor por si só pode ter tornado o emprego da violência justificável no jogo político nacional. Ora, por outro lado, é importante perceber que a contínua incapacidade de um partido da oposição de obter concessões com impacto positivo no seu eleitorado pode emitir um forte sinal de fraqueza para os seus membros e apoiantes, perigando, desta forma, a sua própria existência e continuidade como força política, principalmente para um partido da dimensão eleitoral da RENAMO. Este pode entrar em descrença perante o seu eleitorado. Enquanto que a decadência ou enfraquecimento da oposição pode ser vista como uma vantagem para o partido dominante, na prática, ela constitui um perigo para a democracia, ao prejudicar o necessário equilíbrio de forças e impedir a alternância do poder – elementos fundamentais do verdadeiro exercício democrático. Tal como qualquer outra força política, em democracia, a oposição precisa de mostrar ao seu eleitorado, membros e simpatizantes que mesmo estando na situação de partido da oposição, ela pode forçar certas mudanças a favor dos que acreditam na sua agenda política. Todo o partido no poder deve perceber que, em democracia, conceder, politicamente, a favor de um objectivo nacional, não é, necessariamente, uma demonstração de fraqueza, mas sim a expressão de maturidade política e de elevado sentido de estado.
Infelizmente, tanto a verdadeira desfrelimização do estado como a desmilitarização da RENAMO, embora prementes e necessárias, encontram- -se, no meu entender, acima da boa- -vontade tanto da FRELIMO assim como da RENAMO. Elas passaram a ser um desafio existencial.
Por Fredson Guilengue, Savana 19-08-2016
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1 comment:
Excelente texto para a reflexão para quem quer uma paz de vencedores e vencidos mas também para todos os que querem perceber porquê a paz está difícil!
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