Wednesday 11 February 2009

Azagaia escreve

Quando pensei em escrever-vos, pretendia falar-vos de dois acontecimentos. Primeiro sobre a minha ida a Cabo Verde onde realizou-se o III Acampamento Lusófono dos Direitos Humanos. Segundo, sobre a vitória da Beira, coroada no dia 7 de Fevereiro pela tomada de posse o Eng. Davis Simango. Entretanto, surgiu um paralelismo interessante entre estes dois acontecimentos, que na minha opinião, vale a pena partilhar, abordando de uma só vez os dois assuntos.
De 2 a 6 de Fevereiro na cidade da Praia-Cabo Verde, jovens activistas, juristas, economistas, jornalistas, estudantes (e eu músico) de todos os países lusófonos, sendo que Moçambique e Angola tiveram maior representatividade em termos de número, estiveram reunidos para discutir direitos humanos. Irmanados pela língua e pela mesma causa, trocamos experiências enriquecedoras e interessantes. Senão vejamos: fiquei a saber que em Guiné-Bissau também trafica-se crianças, e conscidentemente, são levadas para aprender o Alcorão nas Madrassas em Dakar-Senegal. Essas crianças são posteriormente obrigadas (pelos Sheikes) a mendigar nas ruas, chegando estes a estipular um valor base que cada uma deve trazer ao fim do dia e claro, as que não cumprem as “metas” são violentadas. Fiquei a saber que em Angola, as sessões do parlamento não são exibidas em directo pela televisão nacional e que pela maioria parlamentar que a MPLA detém, chega a ficar com 80% do tempo durante as sessões…imaginem o que resta para a oposição. Fiquei também a saber que provavelmente, o parlamento angolano é que vai passar a eleger directamente o Presidente da República, parece que a lei já foi proposta, e como o MPLA tem a maioria, penso que o Zédu vai continuar a mandar por lá. Imaginem só se a FRELIMO decide fazer o mesmo!!...Um pouco por toda a lusofonia existem coisas do género que merecem toda a nossa atenção.
Foram dias de discussão e acredito que para além da carta ou comunicado de Praia que foi produzido, penso que através dos órgãos de informação chegará a si, cada um dos participantes tirou as suas próprias conclusões sobre o encontro. De entre as várias conclusões, penso que as mais importantes são: a necessidade urgente de fortalecer a sociedade civil para poder fiscalizar a governação, visto que a democracia em África é usada para favorecer apenas a classe governante. Atenção, isto não é pessimismo, é realidade. Os processos eleitorais, alicerces da democracia em África, são extremamente fraudulentos e o povo não participa na governação desta maneira. O Zimbabué é um exemplo disto. Angola e Moçambique também. Esses políticos não hesitam em trapacear, comprar votos e até mesmo ignorar relatórios internacionais sobre os processos eleitorais, só para se manterem no poder. Por isso, urge a criação de uma nova maneira de nós, povo, participarmos da governação de nossas nações. Fortalecer a sociedade civil é essencial. A regra é: PARA CADA LADRÃO(seja ele político ou não), UM CIDADÃO-POLÍCIA. Isso implica a denúncia constante dos desmandos, roubos e rombos, crimes contra os direitos humanos. Temos jornais independentes (queremos acreditar!), temos a Internet, tudo isto para facilitar o fluxo de informação alternativa, uma vez que os governos africanos controlam boa parte da imprensa. Quem sabe escrever,escreve. Quem sabe falar, fala. Quem sabe fazer, faz. Desde os meios clássicos ao mais tradicionais, podemos e devemos dar o nosso contributo, disseminando informação útil para o cidadão. Sim, esta é a era da informação. De que estamos a espera para usá-la em nosso benefício? O que preocupa não é grito dos maus, mas o silêncio dos bons. Já dizia Martin Luther King. E digo-vos, o silêncio é uma arma a favor dos maus, quando quebrado, encomenda a todos eles. Esse é o nosso objectivo como sociedade civil, ENCOMODAR. Como num jogo de futebol onde não se deixa o adversário respirar, pensar, e quanto mais atacar.
Chegados aqui, é altura de falar-vos como o Acampamento de Praia está ligado a vitória da Beira. Muito simples: a Beira só conseguiu eleger a pessoa que confiava porque tem um povo vigilante, soberano. Uma sociedade civil forte, controladora, atenta. Sim, esses são os adjectivos de que nós precisamos. Não duvido das tentativas de fraude que lá ocorreram. Resultados preliminares contraditórios. Mas a vontade daquele povo foi tão grande e esmagadora, que foi impossível enganá-los. Sim, esse é o exemplo a seguir. É de actos dessa natureza que vos falo. Desde as eleições ao dia a dia. Não basta eleger, é preciso também fiscalizar, estarmos atentos e denunciarmos as irregularidades, exigirmos a punição. Estes sãos os nossos deveres que salvaguardam os nossos direitos.
Por último, quero dizer duas coisas: uma é, que a Corrupção passe a ser considerada Crime Contra os Direitos Humanos porque promove a pobreza, a desigualdade de oportunidades para as pessoas. A segunda é: parabéns à Beira e ao Daviz Simango, continue fiel ao povo que te elegeu e a todos os moçambicanos. É para todos os beirensesses e moçambicanos a música “Corre e avisa”*.

Mano Azagaia
*"Corre e avisa", estará disponível para download aqui no blog da Cotonete já amanha.

2 comments:

Julio Mutisse said...

Parabéns Azagaia, fazes aqui um apelo a cidadania. Nisso estamos juntos. A cidadania não pode, e nem deve, se resumir na denuncia, no cidadão polícia. A cidadania tem que se reflectir na nossa participação na busca de soluções para os problemas que notamos existirem. Em parte focas isto, embora dês maior enfoque à denuncia.

E quando dás maior enfoque à denúncia acabas sendo um pouco contraditório com o seu argumento, pois este demonstra pouca confiança no poder instituido. Neste termos, denunciar a quem? Para quê?

outra grande contradição nota-se no elogio que fazes à vitória do Eng. Simango (grande vitória, prova pura da democracia em Moçambique e do que se é capaz quando se trabalha com optimismo, organização e seriedade) e ao mesmo tempo afirmas que "Os processos eleitorais, alicerces da democracia em África, são extremamente fraudulentos e o povo não participa na governação desta maneira. O Zimbabué é um exemplo disto. Angola e Moçambique também", afinal o Daviz ganhou aqui, numa vitória claríssima sem apelo nem agravo aos candidatos dos partidos tradicionais um dos quais governa o país há 30 anos. Será generalizável a sua acepção da fraudulentalidade dos processos eleitorais? Ou quererás dizer que só não houve fraude na beira?

No geral, meu caro, estamos juntos, o país precisa que todas as mentes pensem as soluções para o país. Mal de nós se pensássemos todos igual, as divergências de opinião fazem nos crescer na medida em que nos colocam o desafio de reflectirmos sobre mais do que o que acreditamos ser a solução.

Mutisse

JOSÉ said...

O Azagaia foca aqui um aspecto crucial para o desenvolvimento de Moçambiqur: o exercício pleno da cidadania. Eu creio firmemente que a falta desse exercício de cidadania tem sido um obstáculo para a construção do Moçambique livre, democrático e próspero que todos ambicionamos.
Evidentemente que o exercício da cidadania não se esgota na denúncia, embora este seja um elemento muito importante. A denúncia significa não nos acomodarmos nem aceitar como inevitáveis os males que apoquentam a nossa sociedade, devemos ser críticos e apontar soluções.
A vitória na Beira não foi só de Simango mas foi acima de tudo a vitória do Povo unido e da democracia, essa vitória deu alento a todos que acreditam que a mudança é possível.
O Azagaia está absolutamente certo ao afirmar que muitos processos eleitorais primam pelas fraudes, em Moçambique infelizmente tem sido assim. Ele escreveu antes da segunda-volta em Nacala, onde mais uma vez assistimos a uma fraude descarada e monumental. Também houve fraude na Beira, curiosamente usando o mesmo sistema de anular boletins de voto, mas essa fraude foi irrelevante devido à magnitude da vitória de Daviz e ao facto de os beirenses estarem bem atentos a todas as manobras.
Júlio, muito obrigado pela sua opinião, vamos concordar com o que afirma no seu último parágrafo, aqui estamos mesmo juntos!


" No geral, meu caro, estamos juntos, o país precisa que todas as mentes pensem as soluções para o país. Mal de nós se pensássemos todos igual, as divergências de opinião fazem nos crescer na medida em que nos colocam o desafio de reflectirmos sobre mais do que o que acreditamos ser a solução."