Afinal, as contas do Orçamento do Estado
(OE) e do Plano Económico e Social (PES) para 2015 em Moçambique não são tão simples como pretende fazer crer o ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane. “Em 2014, o rendimento per capita dos moçambicanos era de 21.400 meticais, isto é, 59 meticais por dia. Em 2015, estamos a propor 23 mil meticais, ou seja, 64 meticais por dia.” O que o governante não deixou claro para o povo e os seus representantes no Parlamento é que este rendimento só vai representar 1.920 meticais para os moçambicanos “comerem”, andarem de my love, terem acesso à saúde, à educação, à energia, à água e satisfazer outras necessidades em cada mês deste ano.
Analisando “sem lupa” as propostas do OE e do PES é possível detectar erros numéricos – contatámos menos 20 – que dão azo à questão: seriam mais manipulações dos números ou apenas falhas? Seja qual for a resposta, o certo é que bastava uma desatenção para o Governo enviesar todos os planos propostos para este ano.
A 2º Comissão na Assembleia da República, Plano e Orçamento, num dos seus pareceres “mandou” o Executivo rever os quadros relativos a actividades apresentados no PES porque havia um erro na totalidade dos recursos reportados em 2014 no mapa de equilíbrio orçamental (página 36 do PES).
A mesma comissão recomendou que se corrigisse “a informação relativa à evolução do défice orçamental no período 2014”, pois a leitura do mapa de financiamento do referido défice orçamental não estava correcto. No documento, o Governo indicou que “os donativos externos irão reduzir em 6,8%”, mas na realidade representam “uma redução de 3,1% em 2014”.
Ademais, o OE relata um aumento dos créditos externos de apenas 3%. Porém, na prática, face ao previsto em 2014, o incremento é de cerca de 24,6%. Como se isso não bastasse, no OE o Governo dizia que o crédito interno vai aumentar em 3,7%, mas uma leitura correcta do mapa de financiamento do défice orçamental “mostra um incremento de 60,7%”.
As manipulações dos números, ou erros numéricos, não terminam por aqui, existindo correcções, como, por exemplo, nas despesas com pessoal. “Onde se lê 1.658,0 milhões de meticais, deve ler-se 1.381,0 milhões de meticais”; nas despesas globais por âmbito “onde se lê 60,5% deve-se ler 59,8% e onde se lê 22,6% deve-se ler 23,2% ”; no financiamento do défice orçamental “onde se lê 76,3% da despesa total deve ler-se 77,2%”.
Talvez, devido a estes erros numéricos, oito dias após submeter ao Parlamento um dos documentos mais importantes para andamento do país, o Executivo dirigido por Carlos Agostinho do Rosário submeteu uma errata à “Proposta de Lei que Aprova o Orçamento do Estado para 2015”.
Fusão da Economia e as Finanças
Antes da aprovação destes documentos, questionámos o economista Carlos Nuno Castel-Branco sobre as vantagens da fusão entre os ministérios da Economia e das Finanças, uma inovação de Filipe Nyusi, supostamente “adequada às necessidades de contenção e de eficácia” do seu Governo.
O coordenador do Grupo de Investigação de Economia e Desenvolvimento do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) começou por esclarecer que passou pouco tempo para se analisar os méritos da fusão destes dois ministérios mas chamou a atenção para alguns riscos. “Um risco é que se nós optamos por uma prioridade económica que é de estabilização orçamental, o Ministério de Economia e Finanças vai ficar sobretudo preocupado com as questões de contabilidade pública, de garantir que o orçamento bata certo, que o orçamento não vai para além do nível de endividamento, etc. Estas funções são muito importantes em qualquer economia mas elas não são as únicas e, às vezes, não são as mais importantes.”
Castel-Branco reconheceu ser necessário dar tempo ao novo Ministério dirigido por Adriano Maleiane e que os resultados vão depender “das dinâmicas reais que surgirem da capacitação que o Ministério da Economia e das Finanças adquirir e daquilo que são as prioridades em termos de pensar a política económica e o papel do Estado”.
Porém o economista deixou um aviso: “Às vezes é mais importante ser capaz de pensar onde é que estamos e onde queremos ir e como, e depois estas outras funções garantem a eficiência e a eficácia da nossa caminhada. Mas se nós estamos preocupados com a eficiência e a eficácia da caminhada mas não sabemos onde estamos nem onde queremos ir não sei se isso é muito útil”, sentenciou o economist.
Dívida sustentável
A dívida pública moçambicana, estimada em 6.9 biliões de dólares norte- americanos, "é sustentável" e ela não é um problema para o Estado, até porque “enquanto estivermos vivos vamos ter de pedir emprestado dinheiro”, defendeu o Ministro da Economia e Finanças.
O problema, que Maleiane não refere, é que cerca de 40% dessa dívida foi gasta em investimentos cuja prioridade é questionável: Cahora Bassa 950 milhões, mais EMATUM 850 milhões, mais Ponte para Catembe 750 milhões, mais Estádio Nacional do Zimpeto 50 milhões.
Em Moçambique, para além dos representantes do povo no Parlamento, que manifestam preocupação com o ritmo do crescimento da dívida pública, entidades nacionais e externas e economistas têm manifestado uma certa apreensão, com o receio de que a insustentabilidade do endividamento do Estado atinja os níveis dos finais da década de 1980, em que os credores obrigaram o país a seguir um rigoroso programa de reajustamento de impostos e introdução de demais medidas. Em resposta aos deputados, o ministro indicou que a dívida com a qual os moçambicanos se preocupam “não é um problema. (...)”.
Em alguns casos “temos de pedir dinheiro para não sermos esquecidos (...), se não se entra no mundo financeiro” acaba-se por se ser esquecido ou marginalizado.
Para o governante, os 6.9 biliões de dólares significam que “se dividirmos este valor por 17 biliões que são o PIB esperado para 2015, tem-se 40 porcento do valor”, o qual ainda está dentro dos padrões internacionalmente aceites.
Na óptica de Adriano Maleiane, o mundo, a Europa em particular, tem problemas de sustentabilidade da dívida porque a mesma está acima dos 60 porcento. Mas num país onde faltam médicos, hospitais, medicamentos... a prioridade é a compra das acções da Hidroelétrica de Cahora Bassa que, mesmo sendo “nossa” há cerca de uma década, não garante energia para todos, energia de melhor qualidade ou energia mais barata?
Será que num país onde faltam professores, escolas, carteiras e, é quase consensual, que a qualidade do ensino não é boa, a prioridade o Governo deve ser endividar-se para criar uma empresa com fachada de pesca mas que na realidade drenou recursos para a compra de embarcações de guerra? Quantos empregos a EMATUM vai gerar?
Quando os transportes que levam os moçambicanos para o trabalho e escola não são dignos e existe apenas uma estrada, de má qualidade, que garante a união entre o Sul, Centro e Norte, é mesmo prioridade do Governo construir uma ponte que vai beneficiar apenas uma minoria? Uma ponte cuja construção não está a gerar empregos dignos para os moçambicanos, as reivindicações de maus salários e contratos precários têm sido recorrentes.
O que se vai tornando claro é que o Governo de Filipe Nyusi vai continuar com opções económicas similares às dos governos de Armando Guebuza, não apoiando a agricultura familiar, base de subsistência da maioria dos moçambicanos e que já produz alimentos; não criando empregos dignos; não garantindo o acesso a água potável e aos serviços de mínimos saneamento para a maioria do povo, mesmo nos centros urbanos... Com 64 meticais no bolso como é que se fazem três refeições por dia?
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