Wednesday, 11 February 2015

Unidade exclusiva no saque cavalga “unidade nacional”


Alguém ainda tem dúvidas?



Beira (Canalmoz) – Uma recorrente tentativa de encher os moçambicanos de discursos, alegando que a Unidade Nacional constitui a chave para resolver os nossos problemas está encontrando uma resposta interessante por parte dos mesmos.
Se algum dia acreditaram ou fingiam que acreditavam, hoje é visível que os moçambicanos estão fartos de conversa fiada.
“Unidade Nacional” sem moçambicanidade objectiva e vivida é um logro completo, que, a cada dia que passa, mais pessoas recusam.
“Unidade Nacional” sem tolerância, sem um compartilhar real do país é uma aventura em automóvel que já esgotou a gasolina sem posto de reabastecimento que se vislumbre no horizonte.
Todo o cerimonial presente nas diferentes “praças dos heróis” espalhadas pelo país teve uma coisa em comum no dia 3 de Fevereiro de 2015: a maioria do povo moçambicano não se revê no acto, não alinha com o discurso oficial e aproveita o feriado para os seus afazeres normais. As enchentes que antes se verificavam, nos tempos do partido único, eram por força da obrigatoriedade.
A “unidade exclusiva” no saque, característica do regime em vigor no país, tem consequências irrefutáveis, por mais que se queira esconder a verdade.
Antes eram questões supostamente ideológicas que separavam moçambicanos e os colocavam em rota de colisão. Uns pretendiam-se detentores de toda a verdade, da revolução no seu sangue, e os outros, que não comungassem ou não demonstrassem obediência aos posicionamentos dos “revolucionários profissionais”, arriscavam-se ao cadafalso, como a história o demonstra.
Comemorar uma data reservada aos heróis numa perspectiva continuada de negação da existência dos heróis dos outros significa intolerância arreigada.
Quem se propõe a incluir e está disposto a combinar discurso com realidade, com actos, fá-lo porque reconhece que não existia ou não existe inclusão.
Mas quem persiste na diabolização do outro, mostra, para todos os fins julgados convenientes, que é intolerante e faccioso.
Na verdade, só quem tem andado distraído pode ser convencido por discursos que jamais foram postos em prática.
O país chegou a uma encruzilhada específica e concreta, acima de discursos, retórica, poesia política ou da enfadonha perspectiva de que a razão mora sempre do seu lado.
Conselhos gratuitos não têm faltado, mas a teimosia em aceitar-se que, ou Moçambique se torna dos moçambicanos, ou nada feito, não cabe na cabeça de algumas doutas mentes ou cabeças.
Quem se recusa a reconhecer que sem editais não há forma de declarar vencedor ou derrotado, o que pretende mesmo? Quem jamais se preocupou em promover a separação dos poderes democráticos, o que pretende? Quem avançou ilegalmente com a instalação de células do partido Frelimo em tudo o que é instituição pública, que pretende mesmo? Quem se antecipa à deliberação dos órgãos legalmente constituídos para dirimir litígios eleitorais e homologar resultados, sendo integrante desses órgãos, o que pretende?
A democracia e credibilidade institucional não são questões meramente formais ou protocolares.
O povo moçambicano acredita que se deve continuar a busca de soluções que tragam sossego e tranquilidade, mas não aceita mais engolir sapos, como alguém muito bem disse. A dignidade de um povo não pode ser objecto de troca nem de arranjos secretos.
Ninguém recusa a heroicidade e os sacrifícios consentidos por moçambicanos de todas as origens e credos para que a Independência fosse uma realidade. Ninguém se nega a reconhecer que os nossos heróis devem ser tratados com respeito e carinho.
O que se nega é que se tenha que recorrer a comissões que designem que este foi herói e aquele não foi herói. Os factos concretos ocorridos, dos quais resultaram excessos e mortes extrajudiciais, privação de liberdade e tentativas de “reeducação” de supostos contra-revolucionários, embora sejam graves e inesquecíveis, não podem continuar a ser ignorados ou tratados como se nunca tivessem existido. O país e o seu povo devem saber transmitir heroicidade ao admitir tais situações e inscrevê-las num processo que não poderia ter sido linear e puro. Aos partidos políticos cabe a nobre tarefa patriótica de produzir a reconciliação nacional e a construção da nação moçambicana livre de totalitarismos e fanatismos que no passado consumiram vidas humanas inocentes.
Há necessidade de introduzir abertura e o fim dos tabus, quando se fala de heróis. Os heróis que temos são moçambicanos, antes de serem membros deste ou daquele partido.
É contraproducente colocar a “carroça à frente dos bois” ou, através de discursos e “entrevistas”, trazer a irredutibilidade como forma de estar e de ser na política.
Serenidade e honestidade são bem superiores à arrogância e prepotência que promovem a intolerância.
Estar numa encruzilhada não significa nem pode ser sinónimo de desespero, pois isso atrapalha a busca de soluções pacíficas e consensuais entre os interlocutores políticos e sociais.
Independentemente das estratégias delineadas previamente pelos diferentes partidos, há que entender que, sem abertura e capacidade de incluir os outros na equação nacional, tudo irá pelo dreno abaixo.
Na verdade, seremos nós e outros escorregando pela ravina abaixo.




 (Noé Nhantumbo,  Canalmoz)

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