Analistas
ouvidos hoje pela Lusa consideram que o acordo sobre a desmilitarização
da Renamo pode marcar uma nova era em Moçambique, mas alertam para a
necessidade de uma estrutura que garanta a sua execução para evitar que
país volte à uma crise militar.
"Qualquer
memorando, enquanto as condições básicas e estruturais não forem
criadas, será nulo. Nós temos de criar uma estrutura que garanta
realmente a democracia", disse o académico moçambicano Alberto Ferreira.
Na
Segunda-feira, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, anunciou a
assinatura de um memorando de entendimento entre o Governo e a
Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) sobre a desmilitarização e a
integração das forças do principal partido de oposição.
Para
Ferreira, apesar de o instrumento ser positivo, o problema político
moçambicano é "mais profundo" e exige que se repense o modelo vigente,
cujas bases têm origem no período comunista que o país viveu.
"Podem
fazer os memorandos, mas todo o memorando será nulo se esta estrutura
prevalecer: um Estado partidarizado e com poderes absolutos para quem
governa", observou o director da Faculdade de Filosofia da Universidade
Eduardo Mondlane.
Apesar
de felicitar Filipe Nyusi pela "boa vontade" que apresentou para
resolver a crise política, Alberto Ferreira acredita que é preciso
reduzir os poderes da figura de Presidente, considerando, a título de
exemplo, que não faz sentido que caiba ao chefe de Estado nomear os
presidentes do Tribunal Supremo e do Conselho Constitucional.
"São
estas situações que geram conflitos. Quem está no poder tem poder
absoluto", alertou o autor de "Totalitarismo e Democracia: Porque faliu o
Projecto Libertário de Marx?".
Também
o jornalista e comentador moçambicano Fernando Lima observa que o
memorando entre o Governo e a Renamo é positivo, mas considera que o
medo de o país voltar a cometer os mesmos erros é maior entre os
moçambicanos.
"Nós
conhecemos a história e as partes também sabem o que aconteceu. Estou
certo que eles vão procurar assegurar que os erros não se repitam para
que realmente aconteça o desarmamento", observou Fernando Lima.
Embora
considere que a integração do braço armado da Renamo nas Forças Armadas
e na Polícia é possível, Lima prevê dificuldades para que o mesmo
processo aconteça nos Serviços de Informação e Segurança do Estado
(SISE).
O
jornalista moçambicano considera ainda que com a desmilitarização a
Renamo ganha um novo estatuto, tornando-se, pela primeira vez, um
partido sem um braço militar.
"O
acordo militar é um passo basilar para que Moçambique entre numa nova
fase da sua democracia, ou seja, que tenha todos os partidos, pelo menos
teoricamente, em igualdade de circunstância", concluiu Fernando Lima.
Na
sua declaração à nação na Segunda-feira, o Presidente moçambicano disse
que dentro de dias serão anunciados os passos seguintes no processo, mas sem avançar detalhes sobre o conteúdo do documento.
O
actual processo negocial entre o Governo moçambicano e a Renamo
arrancou há um ano, quando Filipe Nyusi se deslocou à Gorongosa, no
centro de Moçambique, para uma reunião com o então líder da Renamo,
Afonso Dhlakama, no dia 06 de Agosto do ano passado, num encontro que
ficou marcado por um aperto de mãos.
Além
do desarmamento e integração dos homens do braço armado do maior
partido de oposição nas forças armadas e na polícia, a agenda negocial
entre as duas partes envolvia também a descentralização do poder, ponto
que já foi ultrapassado com uma revisão da Constituição em Julho.
Lusa
Lusa
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