Para quem, talvez com alguma ingenuidade, acreditava que os moçambicanos tinham finalmente visto a luz e decidido que o seu futuro colectivo situava-se acima das suas querelas ideológicas, os acontecimentos da semana passada no parlamento trataram de mostrar que o caminho para a paz e reconciliação é ainda longo, e que até lá chegarmos muita água terá passado debaixo da ponte.
Essa realidade foi trazida à superfície com a decisão da bancada da Frelimo de boicotar a sessão extraordinária da Assembleia da República que deveria proceder à revisão da legislação eleitoral, de modo a deixá-la alinhada com as últimas alterações à Constituição da República.
No entendimento da bancada maioritária, o prosseguimento desta agenda legislativa deve estar condicionado a um compromisso firme da Renamo quanto à desmobilização dos seus guerrilheiros e subsequente entrega das armas sob seu controlo.
Para a Frelimo, ao aceitar proceder à referida revisão da Constituição, por exigência da Renamo, o governo que suporta deu provas bastantes do seu empenho no processo de paz, gesto esse que deve ser correspondido com actos concretos por parte da Renamo.
As negociações que têm sido dirigidas pessoalmente pelo Presidente da República, em contacto directo com a liderança da Renamo, têm duas componentes, nomeadamente o pacote sobre a descentralização, recen-
temente aprovado pela Assembleia da República e promulgado pelo Chefe do Estado, e a componente militar, cuja finalidade é a desmilita- rização da Renamo e a integração das suas forças residuais nas Forças de Defesa e Segurança. Os que não couberem dentro deste processo terão de beneficiar de um pacote de reinserção social.
Mas a Renamo tem demonstrado resistência nesta matéria, defendendo que só aceitará desmobilizar os seus guerrilheiros depois da integração dos seus oficiais em lugares do topo na hierarquia das Forças Armadas e da Polícia.
A Frelimo, por seu lado, receia que a Renamo esteja a engendrar uma estratégia de obter todas as concessões do lado do governo, mas manten- do-se armada, para continuar a fazer outras exigências políticas.
Falando nas comemorações dos 43 anos da independência, o Presidente Nyusi disse quer todos os entendimentos sobre questões militares estavam reduzidos a escrito, e que eram do conhecimento de oficiais quer do governo quer da Renamo, e ainda dos representantes do Grupo de Contacto.
“Com o líder da Renamo (Afonso Dhlakama) já tinham sido identificadas as linhas de acção, a calendarização do cronograma de implementação e o preenchimento conveniente da orgânica resultante deste consenso”, disse Nyusi.
Terá, por isso, causado alguma surpresa que havendo tais entendimentos, a bancada da Frelimo, partido do qual Nyusi é Presidente, se apropriasse do processo para fazer as suas exigências à Renamo.
É facto inquestionável que em processos democráticos não deve haver partidos políticos com armas em punho. E nesse sentido, a Renamo deve aceitar a inevitabilidade de ter de se desmilitarizar quanto cedo possível, se quiser manter a sua credibilidade como força indutora da democracia. Não pode ao mesmo tempo ser uma força democrática e militar.
Contudo, deve ser verdade também que, no caso em apreço, questões de procedimento são cruciais para evitar qualquer tipo de ruído, ou até mesmo confusão. Muitos cozinheiros estragam a sopa.
De qualquer modo, deve ter sido esta a razão que levou o Presidente Nyusi a optar por este modelo de negociação directa com a liderança da Renamo, um modelo que pode ter as suas insuficiências, mas que até aqui parece ter sido capaz de produzir resultados.
Chegados a este ponto, é preciso que se diga, sem rodeios, que a actual situação não favorece nem à Frelimo nem à Renamo. Está claro que com apenas 103 dias antes das eleições autárquicas de 10 de Outubro, o tempo para a realização de um processo credível começa a ser mais que
escasso.
Não será possível realizar as eleições sem a aprovação da legislação agora pendente na Assembleia da República. Arrastar o processo por mais tempo só resultará em mais um processo imperfeito, a receita perfeita para mais conflito e instabilidade.
Há que colocar os interesses partidários, o espírito de tudo ou nada, abaixo do mais supremo interesse nacional, que é o da paz, estabilidade e progresso económico e social de todos os moçambicanos. Como diz um provérbio popular, quem tudo quer, tudo perde.
Editorial do SAVANA
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