Devem instituições internacionais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI) retomar a ajuda a Moçambique, sem que se saiba
claramente onde foram parar os dois mil milhões de dólares da chamada
dívida oculta, tal como defendeu esta semana, em Londres, o Presidente Filipe Nyusi?
Para o especialista moçambicano João Mosca, este é um processo
político, não apenas relacionado com as dívidas ocultas, uma vez que o
país realiza eleições gerais em 2019.
"É verdade que o facto de o
FMI, como organização internacional, pedir responsabilidades internas
pode parecer alguma interferência em assuntos políticos internos. Mas é
isso que está a acontecer. Por enquanto, e veremos como é que isso
evolui", responde em entrevista à DW.
O economista também critica
o Governo moçambicano por estar a dirigir o processo de forma
deficiente, uma vez que o Executivo não acede ao conjunto de condições
apresentadas pelo FMI, entre as quais a responsabilização dos principais
envolvidos na questão das dívidas ocultas.
Tais
condições passam pela responsabilização, o que levará a Procuradoria
Geral da República (PGR) a tomar medidas sobre as pessoas envolvidas.
Isso irá atingir altos quadros e dirigentes do partido no poder, a
Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e do Estado moçambicano,
acrescenta João Mosca. A PGR continua a investigar, mas no seu último
comunicado remete o assunto para o Tribunal Administrativo como se o
assunto fosse dessa natureza.
FRELIMO penalizada?
"A acontecer essa
responsabilização - suponhamos que o Governo acede à responsabilização -
isso pode provocar também um certo tsunami político interno, na medida
em que supõe-se estão envolvidas altíssimas responsabilidades", lembra o
economista, ligado às questões de desenvolvimento.
Além disso, recorda, "é preciso não esquecer que estamos num momento
pré-eleitoral. Se há responsabilização - sabe-se quem são os atores que
tiveram esse tipo de procedimentos negativos -, de alguma forma a
própria FRELIMO fica penalizada".
Por outro lado, "se não há
penalização, também a FRELIMO pode ser acusada e indiciada como estando a
encobrir os elementos importantes, sabendo quem são", acrescenta. Nesse
caso, diz, "politicamente e eleitoralmente, o partido no poder fica
penalizado". O país está perante uma situação complexa e não é
previsível qual será o ponto de partida para uma saída.
Nos
próximos dias, a procuradora-geral da República, Beatriz Buchili, deverá
revelar aos moçambicanos que o processo (nº 1/PGR/2015), relativo às
dívidas ilegais das empresas ProIndicus, EMATUM e MAM, teve quase nenhum
desenvolvimento desde o seu último informe à Assembleia da República
(AR). De acordo com Beatriz Buchili, o relatório integral da auditoria
da Kroll vai continuar no segredo da justiça, quiçá até depois das
eleições gerais de 2019.
João Mosca pensa que não haverá
novidades em relação a este processo "porque o país não tem recursos "
financeiros para aprofundar as investigações. "A Kroll continua a
reclamar por falta de informação, o Governo não aclara as coisas, os
principais países [parceiros] e também o próprio FMI estão muito
dependentes do esclarecimento dessas questões. Estamos anuma situação
que não se sabe quando e como poderá ser desbloqueada.", diz.
Negociações difíceis
Quanto
à dívida, a solução depende, substancialmente, das relações com o FMI,
que propôs condições ao Executivo para desbloquear a questão. Uma delas,
diz João Mosca, é sobre o paradeiro do dinheiro. "As negociações não
são fáceis", lembra. "O FMI sugere um conjunto de reformas no Estado,
nas empresas públicas, que o Governo faz ou muito tarde ou muito
parcialmente. E, portanto, não parece que o FMI esteja satisfeito não só
com as próprias reformas sugeridas como também pelo processo de
esclarecimento final e total da dívida."
A situação económica, financeira e social de Moçambique é complexa e
as negociações para o esclarecimento e saneamento das dívidas ocultas
privadas e do Estado continuam a ser pouco esclarecedoras.
João Mosca lembra que as negociações com os credores,
nomeadamente em relação à dívida pública privada, não chegaram até
agora a nenhuma conclusão. As taxas de juros estão muito altas, em torno
dos 25%, o que significa que em menos de quatro anos as dívidas vão-se
multiplicando por dois, sublinha.
"Quando chegar a 2027,
otimisticamente pensando que haverá um mercado de gás, que os projetos
de gás vão avançar conforme está programado - e temos dúvidas porque
inicialmente era 2017, depois passou para 2023 e agora 2027 - é muito
difícil estimar como estará o mercado internacional deste produto.
Quando chegarmos a esse ano, as principais receitas do gás já estão
comprometidas para o pagamento da dívida", prevê o economista
moçambicano.
Vida cada vez mais difícil
A
crise da economia real, a vida dos cidadãos, continua a piorar,
sublinha João Mosca. O custo de vida aumentou, o emprego diminuiu. Os
salários sobem ao ritmo inferior ao da inflação. Segundo o especialista,
há sentimento muito forte de perda da qualidade e de condições de vida,
principalmente nas camadas da população mais pobres.
Para o
especialista, trata-se igualmente de uma situação delicada, "porque em
qualquer momento, situações de conflitualidade que existem pontualmente,
sobretudo no meio rural, podem-se alargar às cidades, sobretudo á
capital, o que seria muito grave". Por outro lado, refere, o Governo tem
reforçado o exército com equipamentos militares: "Houve um acordo em
que a Rússia vai fornecer equipamento militar. Estamos a ver aqui
triangulações muito complexas".
Falando da situação política,
nomeadamente das negociações de paz entre o Presidente Nyusi e Afonso
Dhlakama, líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal
partido da oposição, o académico lembra que os principais aspetos do
acordo entre as duas partes não estão estabelecidos ou definidos. Fala
concretamente das questões relacionadas com o desarmamento militar, bem
como do acomodamento das chefias militares e civis da RENAMO. "Dhlakama
disse que nestas condições não vai entregar as armas", lembra.
"Talvez,
se a RENAMO não ganha, muito dificilmente, como aconteceu antes,
Dhlakama não vai aceitar a derrota, com ou sem razão. E, portanto, a
possibilidade de retoma de uma certa conflitualidade militar é uma
realidade. Porque os acordos não estão estabelecidos, os níveis de
confiança não existem", explica.
O académico moçambicano falou à
DW África, esta quinta-feira (20.04), à margem de um seminário
universitário em estudos de desenvolvimento sobre África e a
reconfiguração do capital, promovido pelo Centro de Estudos sobre
África, Ásia e América Latina do ISEG - Lisbon School of Economics and
Management, da Universidade de Lisboa.
DW